Suspeita de corrupção na Airbus ganha destaque em edição especial do Les Echos
O diário econômico Les Echos publica nesta segunda-feira (9) uma edição especial preparada por 17 personalidades francesas, incluindo políticos, empresários e profissionais liberais. Na pele de jornalistas por um dia, eles receberam como orientação editorial "romper com os códigos estabelecidos".
Publicado em: Modificado em:
Os "jornalistas por um dia", como diz o Les Echos, tiveram a liberdade de escolher os temas das reportagens. O ministro da Economia e das Finanças do governo Macron, Bruno Le Maire, foi o editor-chefe. A equipe de redação contou com o astronauta Thomas Pesquet, o matemático Cédric Villani, deputado do partido do presidente francês, Emmanuel Macron (LREM), a escritora Nathalie Azoulay e outras personalidades conhecidas dos franceses. O resultado é um jornal de 50 páginas, acompanhado de um caderno especial de dez páginas, com o "making of" da edição.
Um dos assuntos em destaque, e que pode atiçar a curiosidade dos brasileiros, é a suspeita de corrupção no consórcio franco-alemão Airbus. A matéria é assinada pelo deputado Gilles Le Gendre, do LREM.
Ele relata que, na sexta-feira passada, dia 6 de outubro, o site de informação francês Mediapart e a revista alemã Der Spiegel revelaram que o presidente da Airbus, Tom Enders, estaria implicado diretamente na criação de um caixa dois na empresa, destinado ao pagamento de propinas na assinatura de contratos civis e militares. A Justiça austríaca investiga o envolvimento do executivo na venda suspeita de 18 helicópteros Eurofighter, fabricados pela Airbus, à Áustria, em 2003.
Além de Áustria, França e Reino Unido também investigam "comissões ocultas" pagas pela Airbus, ou seja, "propina", na obtenção de contratos de venda de aviões comerciais e satélites.
O caso lembra o escândalo da Petrobras. E, para evitar o pior, a intervenção da chanceler alemã, Angela Merkel, e do francês Emmanuel Macron são desejadas, relata o deputado autor da reportagem.
"Intrusos" na sede da Airbus
O assunto é seríssimo, enfatiza o jornal Les Echos. Caso a Airbus seja punida por causa deste e de outros escândalos de corrupção que cercam a empresa, os europeus sairiam derrotados da guerra comercial que travam há décadas com a americana Boeing.
A matéria também expõe outro aspecto preocupante: o diretor jurídico da Airbus, John Harrison, contratou o escritório de advogados americanos Clifford Chance para realizar uma auditoria interna na empresa. Cerca de 60 advogados, a maioria americanos, vasculham a sede da Airbus na região parisiense.
Um ex-diretor do grupo levanta a lebre: "se os serviços americanos quisessem acessar informações estratégicas do principal concorrente da Boeing, eles não teriam pensado num jeito mais fácil", ironiza a fonte, que só imagina duas alternativas para uma tal contratação: complô americano para desestabilizar a Airbus ou uma tremenda burrice do diretor financeiro.
O texto lembra que a americana General Eletric pôde comprar a divisão de energia da francesa Alstom, em 2015, na sequência de uma investigação de corrupção aberta nos Estados Unidos contra o grupo francês.
Na mesma página, outra matéria mostra que a própria Airbus buscou a Justiça francesa para informar sobre as irregularidades internas que havia constatado, na esperança de pagar uma multa menos salgada. A empresa optou por essa estratégia porque, desde dezembro de 2016, entrou em vigor na França a nova lei anticorrupção, baseada no sistema de delação premiada vindo dos Estados Unidos. Nesse caso, o feitiço se voltou contra o feiticeiro.
Um advogado penalista ouvido pela reportagem questiona se a "americanização do direito francês", que agora impõe uma justiça negociada, na qual aspectos financeiros passam a ser determinantes, não é mais uma anomalia do que uma virtude para país. A abertura de espaço aos acordos de leniência poderá fragilizar as grandes empresas francesas e torná-las menos competitivas diante de grupos russos e chineses, que não seguem esse tipo de regra.
Macron e o teste do orçamento de 2018
A edição especial traz muitas reportagens interessantes, como um balanço dos 20 anos da lei que introduziu na França as 35 horas de trabalho semanais, a União Europeia diante do desafio dos movimentos separatistas, especialmente na Catalunha, além das próximas expedições científicas ao espaço.
A manchete é dedicada à batalha que o governo Macron irá enfrentar esta semana na Assembleia Nacional, com a tramitação do projeto de lei do orçamento de 2018. O texto substitui o super polêmico Imposto de Solidariedade sobre a Fortuna (ISF) pelo Imposto sobre a Fortuna Imobiliária (IFI), acusado de favorecer os ricos em detrimento dos mais pobres. O jornal informa que os deputados do partido A República em Marcha (LREM), que compõem a maioria presidencial na Assembleia, irão apresentar várias emendas para reverter o dano à imagem de Macron, agora chamado de "presidente dos ricos".
NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.
Me registro