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Alemanha

Alemanha de Merkel não tem desemprego, mas desigualdade é cada vez maior

A campanha de Angela Merkel para as eleições legislativas que acontecem neste domingo (24) foi baseada principalmente na estabilidade econômica da “locomotiva da Europa”. No entanto, especialistas apontam para a fragilidade do modelo alemão, que também reforçou a precariedade e a desigualdade social no país.

Exercício de equilibrista: se por um lado Merkel celebra os baixos índices de desemprego, parte da população alemã sofre com a precariedade.
Exercício de equilibrista: se por um lado Merkel celebra os baixos índices de desemprego, parte da população alemã sofre com a precariedade. REUTERS/Kai Pfaffenbach/File Photo
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Enviado especial a Berlim

Pouco mais de uma semana antes da eleição legislativa, o ministério alemão da Economia divulgou mais um comunicado sobre a situação do país. O órgão explicava que uma leve desaceleração era prevista, mas que a economia da Alemanha iria continuar crescendo no segundo semestre deste ano.

A lista de conquistas, que o governo exibe com orgulho no comunicado, inclui uma taxa de desemprego abaixo dos 5% (3,7% no último mês divulgado), consumo em alta e exportações em plena forma. Com esse resultados, a Alemanha mantém tranquilamente o lugar de quarta potência mundial, atrás apenas de Estados Unidos, China e Japão.

Como tantos indicadores positivos, não é à toa que esse balanço tenha sido usado como base de toda a campanha da chanceler Angela Merkel, cujo slogan era “Alemanha, um país onde é bom viver”. A líder da nação mais populosa da União Europeia (82 milhões de habitantes) sabe que em tempos de turbulência, com muitos vizinhos do bloco tentando se recuperar das crises recentes, ter uma economia estável é um bom argumento de venda para seu quarto mandato.

Pobreza aumentou entre 2005 e 2015

Vistos de fora, os alemães provocam inveja no resto do mundo – ou pelo menos nos colegas europeus, que muitas vezes usam a política econômica de Berlim como exemplo a ser seguido. Porém, nem tudo são flores no reino de Merkel. Segundo a Eurostat, órgão oficial de estatísticas europeias, o índice de pobreza na Alemanha passou de 12,2% em 2005 para 16,7% em 2015, o que representa um aumento de 37%, em um período que coincide com os mandatos da chanceler. No ano em que Merkel chegou ao poder, a Alemanha contava com 10,8% de desempregados entre a população ativa.

Mas onde estão todos esses pobres, no país que se gaba de ser a “locomotiva do bloco europeu”? Muitos deles escapam das estatísticas, pois oficialmente estão empregados, em parte graças a um sistema batizado de minijobs. O dispositivo propõe salários limitados a menos de € 10 euros por hora e permite que os patrões contratem seus funcionários para trabalhar apenas algumas horas por dia. Resultado: que tem um minijob dificilmente ganha mais de €450 euros por mês. E nesse caso, muitos acumulam dois, ou até três empregos para poder sobreviver.

Fabian Lindner é macroeconomista da Fundação Hans-Böckler
Fabian Lindner é macroeconomista da Fundação Hans-Böckler RFI

“Atualmente, cerca de 20% da população trabalha em troca de salários minúsculos, e essa porcentagem é um verdadeiro recorde para a Europa”, explica Fabian Lindner, macroeconomista da Fundação Hans-Böckler. A situação melhorou um pouco com a criação, no ano passado, do salário mínimo, o que impede alguns abusos. “Mas também temos um sistema de aposentadoria que vive uma situação catastrófica e que vai provocar uma pobreza generalizada daqueles que vão se aposentar em breve”, alerta.

Estradas e escolas caindo aos pedaços

Outro detalhe que nem sempre é citado no exterior é a falta de investimentos públicos, provocada pela política de austeridade imposta pelo governo Merkel nos últimos anos. Só para se ter uma ideia, estatísticas não oficiais apontam que cerca de 40% das estradas alemãs necessitariam de reformas urgentes. Uma reportagem recente divulgada pela televisão francesa mostrou escolas caindo aos pedaços e informava que, segundo especialistas, seriam necessários € 34 bilhões para colocar nos trilhos o sistema de educação, que depende dos Länder (as regiões), mas que também seria vítima das decisões tomadas no Bundestag.

Até mesmo o mercado imobiliário, que durante anos foi o eldorado de quem procurava mais espaço pagando pouco na Europa, revela desigualdades. “Quando cheguei em Berlim, há 15 anos, as pessoas viviam com muito pouco. Os jovens faziam bicos alguns dias por semana e conseguiam sobreviver, pois com € 600 dava para passar o mês inteiro na cidade, inclusive morando em um grande apartamento”, conta o dono de uma loja de serigrafia no bairro central de Mitte. “Hoje, com € 600 euros dá apenas para pagar o aluguel de uma kitchenette de 20m²!”, comenta, explicando que os mais pobres estão aos poucos deixando a capital, desprovida de indústria ou outras fontes de renda estáveis para a população. Ele mesmo está fechando as portas de seu comércio após uma década no mesmo bairro.

Globalização ajudou alemães

Mas ao mesmo tempo, não tem como negar que o país apresenta bons resultados, pelo menos no papel. Depois de uma crise no início do século, a Alemanha deu um salto ao se beneficiar da globalização dos anos 2000, com o surgimento de novos mercados consumidores. “A sorte é que produzimos muitas coisas que o mundo, e principalmente os países emergentes, precisam e nem sempre sabem produzir. A China, por exemplo, importa muitas coisas que a Alemanha é capaz de fabricar, como carros e maquinário. É uma estrutura que se desenvolveu aqui há mais de cem anos e os países emergentes não vão poder começar a produzir máquinas sofisticadas do dia para a noite”, analisa Lindner.

Porém, essa dependência da exportação também tem seus riscos. Afinal, em caso de um problema na economia internacional, principalmente na China e nos Estados Unidos, a Alemanha pode sofrer mais do que se imagina, adverte o macroeconomista. E, nesse caso, o trem de alta velocidade pode se transformar novamente em uma Maria-Fumaça.

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