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RFI Convida

"Os vencedores parecem perdedores", analisa Anthony Pereira sobre as eleições britânicas

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No RFI convida, Anthony Pereira, diretor do Instituto Brasil do King’s College, em Londres, analisa a amarga vitória dos Conservadores na Grã-Bretanha.

Anthony Pereira, cientista político do King's College de Londres
Anthony Pereira, cientista político do King's College de Londres Reprodução
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Tentando se aproveitar dos bons índices de aprovação que seu governo obtinha no princípio de 2017, a primeira-ministra britânica Theresa May convocou eleições antecipadas, acreditando poder alargar a sua maioria no parlamento.

As pesquisas de opinião apontavam, em abril, que o partido Conservador de Theresa May tinha 20 pontos percentuais de vantagem sobre o partido Trabalhista de Jeremy Corbyn.

Na eleição desta quinta-feira, porém, a tática de Theresa May revelou-se um doloroso tiro no próprio pé. Contabilizados os votos de todas as urnas, o partido Conservador foi o mais votado, mas perdeu 12 cadeiras no parlamento, enquanto a oposição, o partido Trabalhista, elegeu mais 31 deputados, inviabilizando a maioria que os Conservadores precisavam para governar.

Agora, a política britânica voltou no tempo, retornando ao difícil ano de 2010, quando o partido Conservador só conseguiu formar governo depois de uma sofrida negociação com o terceiro partido do país, os Liberais Democratas.

“É uma eleição estranha porque o ganhador parece um perdedor”, disse Pereira. “O maior desafio para a primeira-ministra Theresa May vai ser elaborar uma nova narrativa para substituir a tática que ela adotou antes da eleição. Ela pretendia ampliar a sua maioria para ter mais poder de negociação durante o Brexit, jogando duro contra a União Europeia. Chegou a dizer que a saída sem um acordo, isto é, o “hard Brexit”, era melhor do que um acordo desfavorável para a Grã-Bretanha. Agora, o governo dela vai depender do Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte, um partido que não era a favor do Brexit, e dos conservadores da Escócia, onde a maioria da população também é contra o Brexit. Isso vai obrigar Theresa May a adotar um discurso novo, com credibilidade, diferente do discurso anterior. Enfim, a tentativa de aumentar a sua maioria fracassou totalmente e, agora, ela tem muitos opositores dentro do seu próprio partido”.

Se as negociações da saída Grã-Bretanha da União Europeia já prometiam ser difíceis mesmo com a folgada maioria dos Conservadores no parlamento, agora, formando um governo de coalizão com partidos menos inclinados ao “hard Brexit”, Theresa May terá muitas dores de cabeça pela frente.

“A própria eleição indica o caminho para um Brexit mais suave, um soft Brexit”, comenta Pereira. “Basta observar a participação nas eleições dos jovens de 18 a 25 anos, que foi de mais de 70%. A grande maioria dos jovens se colocou a favor do partido Trabalhista, que adotou uma postura mais flexível com relação ao Brexit. O manifesto dos Trabalhistas, por exemplo, garante os direitos dos cidadãos europeus que já moram no Reino Unido, uma concessão que os Conservadores não previam no seu manifesto. O resultado da eleição mostra que a polarização, a distância entre o eleitorado britânico e o da França ou da Alemanha, por exemplo, não é tão grande quanto se pensava. Esperamos que exista a possibilidade de se encontrar um acordo mais razoável nas negociações que começam dentro de dez dias”.

A livre circulação de cidadãos e produtos sempre foi uma das questões mais delicadas do Brexit. Para a União Europeia, não há concessão possível sob esse aspecto. Se os britânicos querem continuar a ter acesso ao mercado livre, sem barreiras alfandegárias, terão, em compensação, que aceitar a livre circulação da mão de obra – os imigrantes europeus.

Talvez agora, o governo de coalizão possa “garantir a residência dos cidadãos europeus, sobretudo porque há muitos cidadãos britânicos que moram no continente, sobretudo na Espanha”, lembra Anthony Pereira. “Outra questão é o mercado único e as barreiras alfandegárias. Antes da eleição, muitos analistas indicavam que a postura de May em favor do “hard Brexit”, apontava para uma saída desses dois mecanismos: a livre circulação de pessoas e produtos. Agora, tudo isso pode ser reavaliado, para se saber se vale realmente a pena o abandono desses dois mecanismos. As empresas europeias, principalmente alemães, exportam muito para o Reino Unido, e querem manter este mercado aberto. Assim como mais da metade das exportações britânicas se destina ao mercado europeu. Por isso, eu acredito que, apesar das considerações geopolíticas, há muitas coisas que podem ser negociadas e preservadas pelos dois lados”.

Independente do Brexit, a situação do partido Conservador tornou-se, com esse resultado eleitoral, extremamente frágil.

“Criou-se uma situação de mais instabilidade”, julga Pereira. “Theresa May só poderá governar aliando-se a outro partido. Voltamos a 2010 quando os Conservadores fizeram um governo de coalizão com o partido Liberal Democrata. Por isso, eu digo que nessa eleição, os perdedores se sentem como ganhadores, porque as expectativas eram que Corbyn perdesse muitas cadeiras no parlamento, sendo afastado da presidência do partido Trabalhista, mas isso não aconteceu. Por outro lado, os ganhadores, os Conservadores, mantiveram-se no poder, mas saíram perdendo, com menos 12 deputados”.

 

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