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O Mundo Agora

Brexit: União Europeia deve se reformar para não ser destruída

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David Cameron quis jogar a democracia no pôquer. Apostou tudo no referendo e perdeu tudo. Se tivesse ganho, estaríamos todos tecendo elogios ao sangue frio de um grande estadista. Mas só será lembrado como o homem que atirou a Grã-Bretanha, a Europa e o mundo numa crise de dimensões imprevisíveis. Nos livros de história o seu lugar estará junto com Chamberlain, aquele que assinou os acordos de Munique com Hitler em 1938 sob pretexto de salvar a paz. Deu no que deu.

Homem caminha com bandeira da União Europeia, em 24 junho de 2016.
Homem caminha com bandeira da União Europeia, em 24 junho de 2016. REUTERS/Neil Hall
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Para Cameron, o referendo era só uma manobrinha politiqueira para silenciar uma minoria anti-europeia no seu próprio partido. Tentar resolver dessa maneira insensata um problema tão trivial é mais uma prova de que parte da classe política europeia está completamente desconectada. Há mais de dez anos que as críticas ao funcionamento da União Europeia vêm crescendo e são utilizadas por partidos populistas, da direita e da esquerda.

A incapacidade dos dirigentes europeus de encontrar uma solução coerente à crise de 2008 estourou a boca do balão. A tecnocracia de Bruxelas e os políticos nacionais estão paralisados diante dos desafios atuais: consolidar a moeda única – o euro – e ao mesmo tempo relançar o crescimento econômico, tratar o problema da massa de refugiados e migrantes, enfrentar as ameaças à segurança – o terrorismo islâmico e a agressividade geopolítica da Rússia –enquadrar e controlar a globalização.

Morrendo de medo de seus eleitores cada dia mais críticos e angustiados, os dirigentes nacionais europeus perderam a coragem de colocar abertamente essas questões e promover um debate público racional. Pior ainda: para safar a onça, jogam a culpa nas instituições de Bruxelas e continuam politicando e privilegiando seus interesses pessoais à custo do bem comum de suas cidadanias. Escancararam a porta para os populistas e suas soluções simplórias, xenófobas e perigosas.

Nenhum Estado nacional, por si só, tem condições de enfrentar os pesados problemas atuais que passam por cima de qualquer fronteira. Na Europa, a solução é mais integração e não menos. E mais integração quer também dizer mais e melhores instituições democráticas comuns. O voto britânico colocou o dilema abertamente: uma Europa federal ou o desmanche da construção europeia. Só que os grupos dirigentes nacionais, de esquerda e de direita, não querem perder a rapadura.

Nada de transferir mais poderes para um nível federal. Resultado: hoje estão ameaçados de perder tudo, como Cameron. Perder a União Europeia que é a única estrutura capaz de impedir a perigosa fragmentação política e econômica do Velho Continente. E perder o próprio poder local para os populistas enraivecidos.

O voto dos eleitores mais velhos foi para a saída do Reino Unido da União Europeia..
O voto dos eleitores mais velhos foi para a saída do Reino Unido da União Europeia.. Foto: Reuters


Fragmentação das nações

Claro, o slogan dos adversários da Europa é “recuperar a soberania”, “recuperar o controle” do país e de suas vidas. A questão não é só que este “controle” local é totalmente impotente diante dos desafios transnacionais. É também que ele provoca mais fragmentação dentro dos próprios Estados nacionais. A Escócia já está flertando com um novo referendo independentista, justamente para continuar na Europa. Três milhões de britânicos já assinaram uma petição no Parlamento para pedir um novo referendo.

Mais de 70% dos jovens ingleses votaram a favor da Europa e não estão a fim de ver o seu futuro decidido pelos velhos do norte da Inglaterra rancorosos por perderem seus velhos empregos industriais ultrapassados. A cidade de Londres, cosmopolita, jovem e super-conectada ao continente e ao mundo está em clima de secessão.

Na Europa inteira, os partidos populistas nacionalistas estão pedindo referendos mas também estão provocando outros pedidos de grupos, territórios pedaços de Estados, todos querendo “recuperar o controle”, e o resto da nação que se dane.

Os grupos dirigentes europeus, públicos e privados, de esquerda e de direita, vão ter que escolher: ou encontram um jeito de compartilhar poder e soberania de maneira democrática, ou serão tragados pela tempestade populista que ameaça destruir a Europa inteira. E quando a Europa se desagrega, o resto do mundo também vai de roldão. Boa, Cameron!

 

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