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O Mundo Agora

"Diferença entre extremistas de esquerda e direita está desaparecendo na Europa"

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Seja qual for o vencedor oficial, ninguém ganhou as eleições presidenciais na Áustria. O país está rachado. E dividiu o voto entre dois políticos considerados como marginais: Norbert Hofer, da extrema-direita, e Alexander van der Bellen, do Partido Verde. As eleições simplesmente destroçaram os tradicionais partidos conservador e social-democrata, no poder desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Tempos perigosos. E num país rico e civilizado como a Áustria, não basta culpar a crise econômica ou os milhares de refugiados que chegaram nos últimos meses.

Os dois candidatos à eleição presidencial da Áustria.
Os dois candidatos à eleição presidencial da Áustria. REUTERS/Heinz-Peter Bader
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A verdade é que em cada eleição nos velhos países democráticos do Norte a ficha vem caindo. Os partidos extremistas, da esquerda e da direita, estão de vento em popa. Pior ainda: a diferença entre esses dois extremos está desaparecendo, com os dois lados propondo praticamente as mesmas soluções milagrosas: nacionalismo exacerbado, governos musculosos, empregos subsidiados, fronteiras fechadas ao comércio e aos refugiados. Parem o mundo que eu quero descer!

Cada macaco no seu galho e voltaremos todos para um passado maravilhoso. Tudo isso é completamente irreal, mas a raiva dos eleitores é tanta que não querem nem saber. Só que quem sai ganhando mesmo é o populismo autoritário da extrema-direita. Na Europa, além da Áustria, seus principais porta-bandeiras são a Frente Nacional de Marine Le Pen, na França, o Partido do Povo Suíço, o Jobbik húngaro, o Partido da liberdade neerlandês, o “Alternativa para a Alemanha”, ou os “Verdadeiros Finlandeses”. Nos Estados Unidos, é Donald Trump, que está demolindo o velho Partido Republicano, e, no outro extremo, Bernie Sanders, que está corroendo o Partido Democrata.

Não adianta lamentar ou esbravejar: os partidos tradicionais que garantiram a democracia e a prosperidade na Europa e nos Estados Unidos depois de 1945 não convencem mais boa parte da cidadania. Claro, o desemprego, a crise econômica, a estagnação do nível de vida, o terrorismo islâmico e o medo de uma “invasão” de refugiados tem muito a ver com isso. Mas existem causas mais profundas.

Para que votar se nada pode mudar?

No mundo globalizado, europeus e americanos ficaram expostos à competição direta das populações do resto do mundo, cujo sonho é alcançar o nível de vida dos países ricos que as televisões e redes sociais vivem mostrando. Na virada do século, a globalização da economia e da informação abriu caminho para o maior surto de prosperidade da história da humanidade. Mas também trouxe uma competição extrema, uma inovação permanente e processos produtivos fragmentados e transnacionalizados, que desestabilizaram as velhas maneiras de produzir e distribuir riqueza. O mundo vive uma transição tão profunda e violenta quanto segunda revolução industrial no começo do século XX.

Só que hoje, os governos nacionais perderam boa parte do poder de controlar e influenciar a produção, as finanças, as informações e até as notícias. As decisões que mais impactam a vida dos cidadãos estão em mãos de atores não-governamentais. Os partidos de governo não sabem mais o que fazer. A alternância no poder não produz mais ideias novas, nem a recuperação da capacidade de ação pública. E pior ainda quando se apela para “grandes coalizões” misturando conservadores e social-democratas. Os eleitores sabem disso e os políticos também.

Para que votar se nada pode mudar? Daí a tentação de se bandear para candidatos extremistas que prometem soluções simplórias para resolver tudo na marra. Só que esse anseio por líderes autoritários que juram mudar o mundo, mas sem ter nenhum instrumento sério para isto, sempre acaba mal. Na Europa e nos Estados Unidos, esse tipo de desespero e paixão populares tem vários nomes: chauvinismo, fascismo, nazismo, stalinismo, macarthismo.

A União Europeia foi feita para impedir a volta destes “ismos” totalitários com suas guerras e massacres racistas. A atual popularidade dos partidos extremistas europeus que querem liquidar a construção europeia e de populistas americanos isolacionistas não é uma boa notícia, nem para a Europa, nem para a democracia, nem para o mundo.

** Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, faz uma crônica semanal às segundas-feiras para a RFI

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