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Esporte em foco

Membros do Football Leaks dizem não confiar em jornalistas esportivos

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Nas duas últimas semanas, o mundo esportivo foi impactado pelas mais novas revelações do chamado Football Leaks 2. Um coletivo de 80 jornalistas europeus analisou meses a fio mais de 70 milhões de documentos vazados por uma fonte anônima e disponibilizados em uma plataforma secreta na darkweb, a parte não indexada e restrita da internet. A RFI conversou com os dois jornalistas investigativos franceses que trouxeram à tona práticas antiéticas e detalhes financeiros do maior clube do país, o Paris Saint-Germain (PSG), e que vêm sofrendo críticas por parte de jornalistas esportivos.

Capa do site Mediapart no dia da publicação das primeiras revelações do Football Leaks 2, 13/11/2018
Capa do site Mediapart no dia da publicação das primeiras revelações do Football Leaks 2, 13/11/2018 Fotomontagem RFI / Twitter
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“É um trabalho muito longo e tedioso. São meses pesquisando em uma ferramenta de busca, inserindo palavras chave, lendo milhares de documentos, para poder identificar assuntos que podem se tornar matérias”, conta Yann Philippin, jornalista do Mediapart, um dos veículos de imprensa que faz parte do European Investigative Collaborations (EIC), coletivo que reúne dezenas de jornalistas que mergulharam de cabeça para analisar a montanha de documentos vazados.

“Analisamos todos os conteúdos, recriamos planilhas de Excel para analisarmos as contas e finanças dos clubes. Isso feito, passamos para o trabalho de campo, onde tentamos encontrar as pessoas que aparecem nos documentos. Por fim, passamos para a fase de confrontação, onde enviamos, com um mês de antecedência, e-mails detalhadíssimos para as pessoas envolvidas. Ou seja, ninguém foi pego de surpresa. Por exemplo, o PSG recebeu um e-mail de 13 páginas onde foi questionado sobre todos os pontos descobertos por nós”, afirma Philippin.

Para esta segunda onda de revelações, Philippin explica que ele e sua equipe decidiram envolver, pela primeira vez, produtores de um programa de televisão de grande audiência, o Envoyé Spécial. “Pela primeira vez, convidamos uma produtora de televisão, a Premières Lignes, representada no coletivo pelo Martin Boudot. Nós achávamos importante que houvesse também uma reportagem televisiva e por isso nos associamos a eles. São excelentes investigadores e por isso nos pareceu óbvio trabalharmos com eles. No primeiro Football Leaks, nós havíamos feito uma parceria, mas eles tiveram acesso somente ao trabalho final de nossa investigação. Desta vez, decidimos ir mais longe e fizemos o convite para que eles pudessem participar de todo o processo investigativo”, conta Philippin.

Conivência entre clubes e jornalistas esportivos

Martin Boudot não é jornalista esportivo. Ele se define mais como um cineasta documentarista. Aliás, no coletivo de jornalistas, são poucos os que trabalham com o esporte. “De fato, não há jornalistas esportivos franceses na nossa equipe ou no pessoal do Mediapart. No entanto, há especialistas acostumados a investigar assuntos ligados ao esporte. Pessoas que trabalharam no primeiro Football Leaks, em investigações financeiras sobre o futebol há alguns anos”, diz Boudot.

“Agora, por que não trabalhamos com jornalistas esportivos? Honestamente, acredito que o coletivo teme que haja uma certa conivência entre os clubes e os jornalistas. É preciso ressaltar que no passado vimos jornalistas esportivos muito próximos dos clubes, o que faz com que o coletivo não deposite muita confiança nestes profissionais”, afirma Boudot.

Yann Philippin foi mais longe e criticou o mundo do jornalismo esportivo. “Alguns dizem: ‘nós já sabíamos’. O que é totalmente falso. Se já sabiam, por que não denunciaram? Você é jornalista, tinha que ter feito uma matéria sobre isso. Aqui na França, o PSG é muito poderoso, muito influente e há uma boa parte dos jornalistas esportivos disposta a defender o PSG por todos os meios”, lamenta Philippin.

Pelo Twitter, Boudot também questionou a atitude de um dos principais jornalistas esportivos do país, Pierre Ménès. O comentarista de renome disse durante um programa de TV que não achava surpreendente o PSG proceder a um fichamento étnico. Que há muito já se sabe que clubes agem desta maneira. “Se sabia, por que não disse nada”, questionou Boudot pela rede social.

Ataques nas redes sociais

Martin Boudot conta que nos últimos dias vem sofrendo vários ataques pelas redes sociais. “Quando investigamos o futebol, estamos nos envolvendo com algo muito passional, e sempre que há paixão, há também um lado irracional. Por isso as reações dos torcedores nas redes sociais foram, por vezes, muito violentas”, relata Boudot.

“É sempre perturbador ver como alguns grupos se organizam para literalmente nos xingar e tentar nos assustar, na esperança que deixemos de lado alguns aspectos de nossa investigação, ou simplesmente abandonemos o caso. Mas o efeito acaba sendo justamente o oposto. Isso nos mostra que estamos no caminho certo. Me dá vontade de continuar e me mostra que o esporte é um setor onde há muito ainda a ser investigado. É um tema que por muito tempo foi esquecido pelo jornalismo investigativo e acho que é interessante ver que as coisas estão mudando”, afirma o documentarista.

O Football Leaks 2 ainda não terminou. Novas revelações devem ser feitas nos próximos dias. Martin Boudot não descarta revelações sobre assuntos envolvendo outros continentes. “É verdade que há muito mais informações sobre o futebol europeu porque a maior parte de nossas fontes vem da Europa. Mas vale notar que o primeiro Football Leaks também revelou casos da América do Sul. Neste ano, nos concentramos mais em tratar as informações envolvendo clubes europeus, mas não descarto que nos próximos meses outras revelações sobre o futebol sul-americano ou até mesmo norte-americano venham à tona”, finaliza Boudot.

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