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Esporte em foco

Hooligans ofuscam brilho da Eurocopa com violência em várias cidades francesas

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Era para ser apenas a grande festa do futebol europeu, com a presença de milhões de torcedores das 24 seleções que disputam o título de melhor equipe do continente. Mas desde o início, a Eurocopa se tornou palco de cenas de violência protagonizadas por hooligans.Esses grupos minoritários de torcedores já demonstraram serem capazes de ofuscar o brilho de um espetáculo que deveria ficar restrito às arquibancadas e gramados dos estádios.

Pancadaria entre torcedores ingleses e russos deixou 35 feridos no dia 11 de junho, em Marselha, no sul da França.
Pancadaria entre torcedores ingleses e russos deixou 35 feridos no dia 11 de junho, em Marselha, no sul da França. REUTERS/Jean-Paul Pelissier
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Além das ameaças terroristas, os policiais franceses já manifestavam muita preocupação também com o fenômeno do hooliganismo. O impressionante aparato de segurança não conseguiu até agora impedir episódios violentos.

Nas ruas de Marselha, antes e após o jogo entre Inglaterra e Rússia, no dia 11 de junho, um dos cinco jogos classificados como de maior risco pelas autoridades francesas e pela UEFA, as ações e confrontos dos hooligans dos dois países deixou 35 feridos. Dois continuam em estado grave.

Qual a origem de um comportamento tão violento? Por que ingleses e russos estão entre os hooligans mais perigosos da Europa? Wiliam Nuytens, professor da Universidade d’Artois, norte da França, sociólogo especialista do comportamento de torcedores de futebol, explica as raízes de um fenômeno complexo: “O berço da cultura de torcidas violentas é a Inglaterra. Isto é, a partir dali se deu sua ‘industrialização’, e também o isolamento de uma parte de sua população, de jovens que pertecem a categorias sociais mais populares. Eles se apropriaram do espetáculo do futebol para reivindicar uma forma de dominação e, ao mesmo tempo, para preservar um espaço de expressão da virilidade".

Segundo o especialista, a rivalidade entre torcedores criou um tipo de "campeonato internacional de hooliganismo", com os ingleses como protagonistas de referência. "Uma vez que a Inglaterra ocupou um lugar nesse processo, não é surpreendente e imprevisível encontrarmos torcedores ingleses envolvidos em várias rixas, e por quê? Porque esse grupo de torcedores estão em um campeonato que não é deles. Eles estão em uma competição com grupos que são ainda mais guerreiros, mais violentos. E, historicamente, os torcedores que são conhecidos como os mais violentos, e os melhores nesse pseudo-campeonato da violência, são os torcedores ingleses. Quando os russos encontram os ingleses, eles vêem uma oportunidade de se expor à Europa, graças à mídia. No 'olho do furacão', eles mostram que são tão fortes quanto aqueles que historicamente são considerados os mais violentos da Europa", afirma.

Técnicas e treinamento hooligans

A justiça francesa condenou três hooligans russos a penas de um a três anos de prisão em regime fechado por terem promovido uma verdadeira caçada a torcedores ingleses. Sebastian Louis, especialista em torcedores da Europa, estava em Marselha e acompanhou os confrontos, um deles, considerado o mais grave, foi quando um grupo de 300 russos partiu para cima dos ingleses. Ele explica como o grupo usa técnicas bem treinadas para agir.

"Eles têm um comportamento atípico, particular. Eles são muito bem treinados, e se misturam rapidamente com a multidão para se dispersar, mesmo diante das câmeras. Então, é muito difícil de identificá-los. Eles têm uma técnica de briga muito bem definida. Eles avançam alinhados, pegam tudo que está ao alcance das mãos, principalmente cadeiras e barras de ferro. Como há uma onda após a outra, os primeiros batem para derrubar, e os que vêm atrás dão chutes ou usam as barras de ferros contra os que já estão no chão, e os da última onda, me desculpe dizer assim, chegam para ‘finalizar o trabalho’ e vemos claramente pelas imagens", explica Louis.

De acordo com o chefe da Divisão de luta contra o holliganismo na França, Antoine Boutonnet, cerca de 3 mil torcedores radicais e fichados pela polícia foram impedidos de entrar no território francês para a Eurocopa. Mas, segundo o especialista Sebastian Louis, um grupo de pelo menos 150 russos conseguiu "driblar" a proibição e entrar escondido até em caminhões pelas fronteiras italianas ou suíças.

Na França para cobrir os jogos da Eurocopa, o jornalista russo Konstantin explicou em entrevista a ao programa Radio Foot Internacional, como as autoridades russas têm dificuldade em lidar com esses torcedores violentos: "Os hooligans russos são um verdadeiro problema. Eles estão em todos os lugares nos estádios russos e questionamos: por que as autoridades russas não reagem de maneira adequada em relação a esses hooligans? Dizemos sempre que eles são controlados pela autoridade federal de segurança. Mas também é certo dizer que esses grupos são controlados pelas forças da extrema-direita e podemos dizer que, em determinados momentos, eles podem ser instrumentalizados para fins políticos. E sabemos também que há muitos torcedores xenófobos entre esses grupos, que as células são bem organizadas. Certa vez contactei um líder de um desses movimentos e ele disse que a qualquer hora ele pode reunir 100 mil pessoas no centro de Moscou. E isso é assustador".

Probição da venda de álcool

Depois dos atos de violência em Marselha e também registrados em outras cidades, o governo francês suspendeu a venda de álcool nas áreas consideradas de risco. É comum associar a violência os torcedores violentos com o consumo exagerado de álcool, mas o sociólogo da Universidade d’Artois, Wiliam Nuytens, relativiza o efeito da proibição da venda do produto.

"Não será suficiente porque o álcool é considerado na mesma categoria dos psicotrópicos como um ingrediente para desencadear uma ação, mas de maneira alguma como um elemento estruturante que explique o comportamento violento. Tudo leva a crer, levando em consideração a literatura científica os estudos já feitos sobre esse assunto que o álcool, assim como o consumo de estupefiantes é relativamente um ingrediente habitual, da mesma forma que é a briga entre diferentes grupos e o papel da violência na estruturação de uma grupo de torcedores. De qualquer forma, é um medida aceitável, mas se ela será satisfatória, minha resposta é não. Mas, é eliminar um ingrediente para o momento de agir", diz.

Uefa deve anunciar punições

As últimas cenas de violências envolveram torcedores da Croácia e da Turquia, na sexta-feira (17), que promoveram uma verdadeira pancadaria nas ruas de Nice e Saint-Etienne. Na segunda-feira (20), a Uefa vai anunciar eventuais punições contra as duas equipes.

Enquanto a Uefa estuda a aplicação de sanções e distribuiu advertências às seleções pelo comportamento de seus torcedores, as autoridades francesas tentam afastar o problema com a expulsão de hooligans a seus países de origem. Entre o grupo de russos a serem extraditados est á o líder de um grupo de torcedores, o ultranacionalista Alexandre Chpryguine. O envolvimento sugere uma associação dos hooligans com movimentos politicos na Rússia , mas o sociólogo Nuytens vê outras motivações para as ações.

"O papel da violência não tem uma significação política ou ideológica. Em casos assim, de violência apenas pela violência, é somente como treinamento de atos de guerra. Para treinar o espancamento, praticar socos. Não existe outra intenção a não ser essa. Pode acontecer que em determinados grupos, principalmente nos países do leste europeu, mas também na Inglaterra, na Itália, na França, haja uma reivindicação do papel a ser ocupado por grupos de torcedores autônomos, do papel dos jovens que se sentem rejeitados no espaço social", afirma.

O especialista, no entanto, destaca que ainda não foram feitos estudos baseados em pesquisas com os torcedores violentos. "Pode ser a violência pela violência, e se for o caso, resolvê-la seria muito complicado. Pode ser também que haja alguns aspectos que evidenciam outras questões sociais, no jogo de representação social dos grupos. Neste caso, pode ser feito um trabalho de prevenção. Mas no caso contrário, não seria realmente possível sob o aspecto sociológico”, conclui.

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