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Radar econômico

Envelhecimento na Europa causa impacto na economia e exige reformas de aposentadorias

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Era uma promessa de campanha do presidente Emmanuel Macron. Frente ao envelhecimento incontestável da população ativa, a França prepara a maior reforma de aposentadorias, desde 1945. Estudo do Instituto do Envelhecimento da Universidade de Munique, na Alemanha, mostra como as mudanças demográficas transformarão hábitos de consumo e de poupança no Velho Continente e aponta como países jovens, como o Brasil, poderão se beneficiar.

Envelhecimento da população da Europa.
Envelhecimento da população da Europa. Pixabay
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Apesar da pressão dos sindicatos, o governo francês pretende criar um regime universal, em substituição aos 42 existentes no país. As várias tentativas de tratar do tema, no entanto, originaram movimentos sociais e manifestações massivas, como a greve do transporte público metropolitano de Paris, na sexta-feira (13), a maior em 12 anos, quando trabalhadores da operadora do metrô e das linhas de ônibus pararam. Na segunda-feira (16), foi a vez dos profissionais liberais protestarem nas ruas da capital.

Os estudos de Jean-Paul Delevoye, alto comissário para a reforma previdenciária na França, deverão inspirar um projeto de lei, a ser avaliado pelo Conselho de Ministros e debatido com a sociedade, antes de ser analisado pelo Parlamento, em 2020, para entrar em vigor, em 2025.

“O lema da França é ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade,’ mas não há nenhuma igualdade em se tratando de aposentadorias,” lamenta-se François Paco, 86, ex- engenheiro de soldas. “Aqueles que se aproveitam do sistema não aceitam trabalhar mais ou ganhar menos de aposentadoria. É o famoso direito adquirido. São os intocáveis”, protesta.

É para acabar com privilégios e garantir aposentadorias mais equilibradas que a equipe do Palácio do Eliseu trabalha, desde 2017. A idade mínima para a aposentadoria continuará aos 62 anos, mas a reforma introduz uma "idade de equilíbrio", aos 64, para receber uma pensão completa. A adoção de um sistema de pontos, no lugar de anuidades, criará um modelo mais equânime e transparente, segundo o governo.

A França quer alinhar-se aos demais parceiros da União Europeia, já que a maioria dos Estados-membros estabelece a idade legal para aposentadoria em torno de 65 anos.

O novo programa francês continuará baseado na repartição, e não na capitalização individual. Ou seja, os atuais ativos financiarão as pensões dos aposentados de hoje. Porém, cada euro cotizado, não importa em que período da carreira, abrirá os mesmos direitos para todos os trabalhadores, seja do setor público ou privado, independentemente do estatuto profissional.

Antes, a previdência francesa considerava para fins de aposentadoria os 25 anos de maior contribuição para o setor privado e os últimos seis meses de contribuição no setor público.

A taxa de contribuição será de cerca de 28% do salário bruto, divididos entre empregador e funcionário. Do ponto de vista contábil, o sistema de aposentadorias francês está melhor atualmente do que há alguns anos. Reformas importantes e difíceis foram implementadas em 1993, 2003, 2010 e 2014. Contudo, ainda há um déficit anual considerável, que foi de € 2,9 bilhões em 2018, podendo chegar, daqui há três anos, a € 10 bilhões.

Nos países industrializados – e também em muitos em desenvolvimento - a mudança esperada na estrutura etária é dramática e levará a um aumento substancial da proporção de idosos. Isso acontecerá apesar das correntes atuais de imigração e mesmo com um aumento da fertilidade.

“Obviamente cria problemas quando a massa de contribuintes diminui e aumenta o número daqueles que recebem aposentadoria. Isso cria problemas de sustentabilidade, assim como os sistemas de saúde serão mais demandados pelos idosos”, explica Duarte Nuno Semedo Leite, doutor em economia pela Universidade do Porto e professor do Instituto Max Planck, na Alemanha. 

Duarte Nuno Semedo Leite, doutor em economia pela Universidade do Porto e professor do Instituto Max Planck, na Alemanha.
Duarte Nuno Semedo Leite, doutor em economia pela Universidade do Porto e professor do Instituto Max Planck, na Alemanha. Arquivo Pessoal

Os Baby Bommers se aposentam

Esse desequilíbrio está ligado ao aumento da expectativa de vida e à aposentadoria dos baby-boomers (pessoas nascidas entre 1946-1964 na Europa, em países que experimentaram um súbito aumento da natalidade, após a Segunda Guerra Mundial).

Mas enquanto o envelhecimento é global, existem diferenças marcantes com relação às suas causas, velocidade e extensão, mesmo dentro da zona do euro.  Os países, portanto, enfrentarão o fenômeno de maneira diferente e em momentos distintos. Essas heterogeneidades irão engendrar caminhos diversos para o crescimento econômico, causando mudanças na hierarquia internacional.

Atualmente, o envelhecimento é mais pronunciado na Alemanha e na Itália, por exemplo, do que na França, onde a taxa de natalidade é mais elevada.  Além disso, como o baby-boom do período pós-guerra não aconteceu ao mesmo tempo em todos os países, as consequências em termos orçamentários também não serão as mesmas.

O diretor do Centro de Economia do Envelhecimento da Universidade de Munique, Axel Börsch-Supan, explica que o envelhecimento pode ter causas históricas. Os países mediterrâneos têm uma expectativa de vida maior do que, por exemplo, a Alemanha. Não se sabe bem porque isso acontece, já há bastante tempo. Por lá, o envelhecimento da população começou mais cedo.

“Outro exemplo, novamente por razões sobre as quais há muita especulação e poucas certezas, a França e os países da Escandinávia têm uma fertilidade muito maior do que a Alemanha, a Itália, a Grécia e a Espanha”, observa o pesquisador.

O terceiro fator é o baby-boom, que aconteceu muito mais tarde na Alemanha e na Holanda do que em outros países. Muitos homens, especialmente entre os alemães, estavam presos em campos de trabalho forçado e somente vieram para casa no começo dos anos 1950.
 

Diretor do Centro de Economia do Envelhecimento da Universidade de Munique, Axel Börsch-Supan. Professor e pesquisador.
Diretor do Centro de Economia do Envelhecimento da Universidade de Munique, Axel Börsch-Supan. Professor e pesquisador. RFI

Em relação aos EUA, zona do Euro perde praticamente o dobro da população ativa

Pesquisa do Instituto Max Planck, de Munique, revela que o envelhecimento da população irá moldar o desenvolvimento econômico de longo prazo, afetando profundamente os mercados de trabalho, financeiro e de bens.

“Envelhecimento significa que haverá menos pessoas em idade ativa. Em essência você ainda terá a mesma quantidade de consumo, de bens e de serviços que deverão ser produzidos, mas você terá menos trabalhadores”, explica Axel Börsch-Supan.

Em relação à população total, os Estados Unidos perderão, entre 2015 e 2050, cerca de 7,8% de sua população em idade ativa. Na zona do euro, a perda é mais do que o dobro (16,1%). Ela  é particularmente alta na Espanha e na Itália (24,0 e 19,3%).

Enquanto a pressão antecipada nos orçamentos públicos - especialmente pensões e cuidados com a saúde - tem recebido atenção, os economistas alertam que o envelhecimento populacional irá impor outros desafios que, caso não sejam considerados, ameaçam a produtividade e o crescimento, colocando os bancos centrais sob pressão.

“E quais ações são possíveis? Realmente fazer todo mundo trabalhar, aqueles que são capazes de trabalhar, promover a digitalização, e o terceiro ponto que você pode querer, como um país em envelhecimento, é ser muito aberto ao comércio exterior e aos fluxos de capital internacional”, afirma o pesquisador Börsch-Supan.

Chance para países jovens

Graças à globalização dos mercados de trabalho, financeiro e de bens e serviços, e com o auxílio da revolução tecnológica, os países poderão explorar em conjunto os desafios das mudanças demográficas. Assim, fluxos internacionais deverão ser mecanismos importantes no futuro, capazes de moderar os efeitos do envelhecimento da população. O aumento de capital será importante para compensar uma diminuição da mão de obra disponível.

“Haverá, também, um aumento de poupança dessa população que está envelhecendo e que vai poupar ao longo da vida. Esse fluxo de capital poderá ser transferido para outros países, com influência nas taxas de juros desses países jovens, mas que ainda têm grandes oportunidades em termos de investimentos que podem ser aproveitadas”, aponta Duarte Nuno Semedo Leite.

A estratégia de usar a força de trabalho jovem de outros lugares pode soar como uma nova versão de colonialismo, mas os economistas garantem que a troca é inteligente para ambos os lados.

“Por bastante tempo, a Volksvagen, produziu carros no Brasil que eram imediatamente exportados para a Alemanha. Essa estratégia aumentou empregos no Brasil, tendo sido benéfica tanto para o Brasil quanto para a Alemanha. E essa é a ideia”, diz Axel Börsch-Supan. De acordo com o pesquisador, as áreas em que isso pode acontecer são, principalmente, produtos eletrônicos e softwers.

Trabalhar mais, para viver mais

Investimentos em tecnologia e diversificação internacional de capital, contudo, não serão suficientes e políticas públicas precisarão ser tomadas para compensar o efeito remanescente do envelhecimento da população.

Ou seja, o sistema que proporcionou uma esperança de vida maior tem de ser adaptado, uma vez que produz as suas próprias contradições. É complicado entender que os ganhos do welfare state provocam, também, os seus desafios.

Sentado num banco do elegante jardim do Palais Royal, o arquiteto parisiense, Jean-François Charpentier, 77, faz as contas. “Hoje, com os estudos, as pessoas começam a trabalhar aos 25 anos. Se tornam produtivos depois. Então há todo um atraso em relação à idade que as pessoas começam a produzir e à idade em que partem para a aposentadoria”, analisa.

Jean-François Charpentier, 77, arquiteto
Jean-François Charpentier, 77, arquiteto RFI/ M.P. Carvalho

Tão importante quanto diagnosticar o problema, é a receita para a sua cura, o que passa, necessariamente, por reformas no sistema de pensões, promover a educação e cuidados com a saúde e novas ferramentas para aumentar a participação de idosos, jovens e mulheres na força de trabalho.

Segundo os pesquisadores de Munique, quando o assunto é aposentadoria, o grande erro é permitir que os trabalhadores deixem o mercado de trabalho muito cedo, como acontece, na França, em certos casos.

“Parei de trabalhar aos 58 anos. Na época, se considerava que estávamos velhos aos 55”, afirma François Paco, engenheiro aposentado. Atualmente, ele dirige uma instituição que distribui medicamentos em todo o mundo. “Se não somos ativos na aposentadoria é como abrir o nossa sepultura. Se você não faz nada, é morte garantida”, alerta.

Manter-se ocupado é, também, um jeito de garantir o padrão de vida, diante de um sistema de aposentadorias que enfrenta problemas. “Nós trabalhamos para os nossos pais e agora são os jovens que trabalham para nós, mas como há bastante desemprego na França, virou um problema” conclui, preocupado.

De acordo com os economistas do Instituto do Envelhecimento da Universidade de Munique, como a expectativa de vida difere de um país para o outro, aqueles com expectativa de vida menor deveriam ter aposentadoria mais cedo, enquanto aqueles que têm maior expectativa de vida deveriam ter aposentadoria tardia. Mas esse não é o caso, destaca Börsch-Supan.  “Tomemos o exemplo da França: os franceses vivem, em média, dois anos a mais do que os alemães. Porém, partem para a aposentadoria dois anos antes do que os alemães, fazendo uma diferença de quatro anos”, calcula.

A diferença significa despesas adicionais ao sistema de pensões, o que justifica, segundo o pesquisador, porque o sistema de aposentadoria francês está em piores condições do que o alemão, apesar de uma demografia melhor. “A idade de saída do mercado de trabalho entre os franceses é, em média, 60 anos, abaixo da média da OCDE, que é de 65 anos”, compara.

“Ou seja, ainda existe muita possibilidade de fazer com que as pessoas continuem trabalhando, o que aumenta as contribuições para o sistema social, diminui as despesas e possibilita a manutenção da capacidade cognitiva e física dos indivíduos”, argumenta o pesquisador Duarte Nuno Semedo Leite. “Claro que eu não me refiro ao trabalho braçal ou de risco, em que, obviamente, as pessoas tem que se aposentar mais cedo”, completa.

Para o motorista de ônibus François Dufaut, trabalhar mais é o único caminho para obter os rendimentos que espera. “Eu até posso me aposentar aos 62 anos mas, financeiramente, não é um bom negócio. Então eu vou continuar trabalhando até os 67, o que não é nenhum problema, porque eu adoro o meu trabalho e eu estou em boa saúde”, diz.

François Dufaut / motorista
François Dufaut / motorista RFI/ M.P. CARVALHO

De acordo com o sistema de pontos do regime de aposentadoria francês, a diferença, no caso dele, compensará o esforço. “Se eu me aposentar aos 62, eu terei direito a € 800 por mês e aos 67, € 1.800 por mês. Então eu prefiro trabalhar um pouco mais. E pretendo chegar a centenário”, completa, confiante.

Por mais natural que pareça aumentar a idade para a aposentadoria diante de uma expectativa de vida mais longa, a estratégia é vista como impopular. Reformas previdenciárias já realizadas criaram repercussões na França, na Itália e na Alemanha, levando a casos de aposentadorias antecipadas e mesmo à redução da oferta de trabalho, especialmente entre os trabalhadores qualificados.

De acordo com os estudiosos em aposentadorias, as pessoas terão que começar a entender que os antigos modelos não funcionarão mais. “Se aumentar três anos a expectativa média de vida, o ideal seria que dois fossem de trabalho e um ano na aposentadoria”, calcula Nuno Semedo Leite. "Ou seja, o tempo que se tem a mais de expectativa de vida deveria ser dividido entre o trabalho e o descanso. A única saída é explicar isso às pessoas e chegar a acordos”, esclarece o economista. “Por mais impopular que pareça trabalhar mais, não há como evitar e ignorar o envelhecimento da população”, conclui.

Essas discussões, no entanto, tendem a ser acaloradas e a gerar polêmica.

“Isso é porque a maioria das pessoas não gosta do seu trabalho, trabalha porque precisa de dinheiro. Então, eu entendo que fiquem chateadas em ter que continuar trabalhando”, diz Axel Börsch-Supan. “De maneira geral, você precisa duas vezes mais tempo trabalhando para financiar um ano em aposentadoria. Isso é uma regra que funciona em qualquer país,” argumenta.

Na opinião de Börsch-Supan, confiar mais nos mercados de capitais do que no mecanismo de repartição pode ter efeitos colaterais positivos significativos no crescimento econômico. Contudo, segundo expõe, a má governança, a concorrência limitada e a falta de informação e transparência causaram danos à aceitação dos planos de pensão financiados.

Porém, seja qual for o modelo de previdência escolhido, como diz o ditado, não existe almoço grátis. “É preciso entender que, por mais agradável que seja a aposentadoria, são os trabalhadores que devem financiar isso. E a única maneira de financiar mais aposentadoria é trabalhar mais, se você vive mais. É como tomar um remédio amargo. Infelizmente é um pouco isso, se quisermos viver mais”, afirma.

O Brasil tem mais tempo para agir

O assunto desperta especial interesse atualmente no Brasil, quando o Congresso Nacional discute a Reforma da Previdência. Porém, o debate atual, centrado sobre o fechamento das contas públicas, mostra-se limitado, aos deixar de abordar outros aspectos da questão, como possíveis ganhos com a tecnologia e a globalização.

Por ainda ter uma grande força de trabalho jovem, o Brasil está numa situação mais confortável do que outros países da zona do euro. Protestos contra a reforma da previdência têm ganhado as ruas do país. Contudo, a circunstância favorável para o Brasil é provisória.

“As previsões para o Brasil apontam que vai haver um rápido envelhecimento da população até 2050, aproximando-se se a sua estrutura populacional da dos países europeus e países mais envelhecidos, como o Japão”, prevê Duarte Nuno Semedo Leite. Para o pesquisador europeu, aumentar a idade mínima da aposentadoria e cortar privilégios são medidas importantes e que vão no sentido do que está sendo feito nos países em envelhecimento.

“A situação atual do Brasil leva a grandes déficits no sistema de aposentadorias que têm que ser compensados pelo Estado, é o que temos visto nos últimos anos, dificultando a capacidade de investimentos em outros setores essenciais para a população. E quanto mais cedo essas medidas forem tomadas, menos sérios serão os problemas no futuro”, prevê.

“De um ponto de vista político, é desejável não fazer mudanças que choquem as pessoas, mas sim gradualmente, esse seria o meu conselho”, diz Börsch-Supan. “No Brasil, as reformas podem ser mais modestas, e não precisam ser imediatas. Porém, é preciso lembrar que  aposentadorias não caem do céu, que elas têm de ser pagas ou por poupança – economias - ou contribuições para o sistema. E para pagar seus impostos e fazer suas contribuições, as pessoas têm de trabalhar, ” conclui o diretor do Centro alemão de Economia do Envelhecimento.

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