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Radar econômico

Agricultores europeus vão pressionar Parlamento a rejeitar acordo com Mercosul

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Por 20 anos, a agricultura foi a principal barreira para o avanço do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. A assinatura do tratado na última sexta-feira (28) é vista como uma derrota para certas entidades agrícolas europeias, em especial às ligadas à pecuária, que prometem não baixar os braços e pressionar para que o Parlamento rejeite o texto.

Acordo UE-Mercosul foi amplamente criticado por agricultores e ambientalistas europeus.
Acordo UE-Mercosul foi amplamente criticado por agricultores e ambientalistas europeus. REUTERS/Jorge Silva
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Para ser implementado, o tratado precisa ser aprovado pelos deputados europeus, um processo que vai se estender por no mínimo um ano. A nova legislatura, eleita em maio, dá mais espaço para partidos nacionalistas e ecologistas, os mais contrários à adoção do tratado. Os novos deputados europeus assumem o cargo em outubro.

A reação mais forte promete vir da França, maior potência agrícola europeia e onde o acordo coloca o presidente Emmanuel Macron em uma saia justa. Após a notícia, o líder francês recebeu uma enxurrada de críticas do setor, com o qual o presidente já possuía uma relação tensa.

Dominique Langlois, presidente da Interbev (Associação Nacional Interprofissional do Gado e das Carnes da França), classificou o texto como um “golpe baixo” e anuncia que a reação dos agricultores já começou. “França, Alemanha, Itália, Irlanda: há vários países mobilizados. Organizações e personalidades europeias vão tentar obter o apoio de um máximo de países e de partidos para conseguirmos uma maioria que possa agir em conjunto”, afirmou.

Dominique Langlois, presidente da Interbev (Associação Nacional Interprofissional do Gado e das Carnes da França)
Dominique Langlois, presidente da Interbev (Associação Nacional Interprofissional do Gado e das Carnes da França) © Interbev

Concorrência desleal

Há anos, o setor denuncia uma concorrência desleal com os latino-americanos: as normas de produção são menos rígidas do ponto de vista ambiental e o custo do trabalho é inferior nos países do Mercosul. Com o acordo, o bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai poderá exportar até 99 mil toneladas de carnes para a União Europeia com tarifas reduzidas. Em contrapartida, o bloco conseguiu vantagens para vender ao Mercosul produtos agrícolas com maior valor agregado, como queijos e vinhos.

Langlois argumenta que, mesmo com a cota máxima de importação e com o reconhecimento de 357 produtos europeus protegidos – como o queijo francês Comté ou o presunto de Parma -, os produtores europeus de carne sairiam prejudicados pelo acordo.

“Para nós, a carne bovina deve ser classificada como produto sensível porque não precisamos de todo esse volume entrando aqui. Além disso, não podemos aceitar carnes de países que não respeitam exatamente as nossas normas ambientais, sanitárias e de bem-estar animal. Sabemos que não é o caso do Mercosul e temos provas disso”, sublinha o dirigente. “Usam farinhas animais, antibióticos para ativar o crescimento e utilizam 171 moléculas de agrotóxicos proibidas na Europa, que são encontradas na alimentação dos animais.”

Equilíbrio impossível face a gigantes das commodities

O maior comitê sindical agrícolas da União Europeia, o Copa-Cogeca, avalia que as concessões feitas na agricultura não são compensadas pelas oferecidas pelo Mercosul. O diretor de Comércio e Agricultura da entidade, o português Daniel Azevedo, considera que o equilíbrio nesse setor “é muito difícil”, uma vez que o carro-chefe das exportações brasileiras e argentinas são as commodities.

Daniel Azevedo, diretor de Comércio e Agricultura do comitê sindical agrícolas da União Europeia, o Copa-Cogeca
Daniel Azevedo, diretor de Comércio e Agricultura do comitê sindical agrícolas da União Europeia, o Copa-Cogeca Captura de vídeo

“Para dar um exemplo, no acordo com o Canadá, a União Europeia chegou a um acordo na parte agrícola, em que nós fizemos concessões muito dolorosas para a carne de porco e bovina, mas, em compensação, tivemos concessões generosas para queijos, vinhos, indicações geográficas e reconhecimento dos nossos padrões, que compensou o tratado em termos de preço e valor”, explica Azevedo. “No Mercosul, os produtos de alto valor da União Europeia ainda não conseguem vender bem.”

As cláusulas ambientais incluídas no texto podem ser usadas pelos deputados europeus para pedir a exclusão da carne do acerto. O tratado menciona a obrigatoriedade de os países signatários estarem no Acordo de Paris sobre o Clima, enquanto o chamado "princípio da precaução" permite a imposição de barreiras no caso de suspeita de uso de agrotóxicos proibidos na Europa ou de áreas de desmatamento ilegal.

“É difícil encontrar um ponto em comum entre todos os agricultores de todos os países da União Europeia, mas o Mercosul é esse ponto em comum: todos vão perder”, constata o representante da Copa-Cogeca. “Vamos continuar a fazer pressão para que não haja entradas pela porta dos fundos ou regras que não estejam muito bem escritas. Vamos pedir ao Parlamento europeu que não ratifique o acordo imediatamente, antes de termos todas as garantias de que não seremos tão prejudicados.”

Nesta segunda-feira (1°), o  deputado ecologista francês Patrick Canfin, número 2 da lista do partido do presidente Emmanuel Macron e futuro presidente da Comissão Parlamentar de Meio Ambiente, adiantou que “o voto favorável” dos 23 parlamentares do grupo “não está garantido”. A afirmação é apenas mais um sinal de que a longa batalha para adoção do acordo não está ganha.

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