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Radar econômico

Conceito americano de férias ilimitadas cresce na Europa

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Atire a primeira pedra quem não sonha em ter dias ilimitados de férias por ano, sem prejuízo salarial. Na Califórnia, meca das start ups americanas que se transformam em potências econômicas globais, a moda já pegou faz tempo, desde os anos 2000. Na Europa, a cada ano mais empresas experimentam o modelo que deixa a cargo dos funcionários a gestão das próprias férias.

Quem controla os número de dias e as datas das férias é o próprio empregado, em acordo com a equipe.
Quem controla os número de dias e as datas das férias é o próprio empregado, em acordo com a equipe. Pixabay
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A ideia é fortalecer os laços de confiança entre patrões e empregados e trocar a cultura do horário pela dos resultados, além de prevenir os casos de burn out. Na teoria, contando que o funcionário execute o seu trabalho corretamente, não importa quantos dias nem quando ele vai sair de férias. Desde 2009, a Netflix, por exemplo, já determinava que “devemos nos concentrar no que o funcionário deve fazer, e não no número de horas que ele cumpre”.

Essa é uma das convicções da francesa Alan, uma start up de convênio de saúde simplificado que propõe um racha em uma série de convenções trabalhistas. A empresa já tem mais de 150 empregados e todos são convidados a participar das decisões, inclusive das contratações. As vagas oferecem flexibilidade de horários e possibilidade de fazer home office quase à vontade ou de tirar quantas férias quiser. 

“Abrimos a oportunidade de as pessoas poderem dizer ‘estou muito cansado, preciso tirar uma semana para repousar e isso não terá impacto no meu trabalho’”, explica a diretora de Talentos Déborah Rippol. “Não tem fiscalização. Aliás, só precisamos tomar cuidado para que todos tirem o mínimo de férias estabelecido pela lei, que na França é de 35 dias.”

Déborah Rippol, diretora de Talentos da start up Alan
Déborah Rippol, diretora de Talentos da start up Alan Profile

A organização das datas fica a cargo de cada equipe, e não dos Recursos Humanos. Déborah esclarece que, em média, os funcionários pegam cinco dias a mais do que o que a legislação exige. “Mas pode ser diferente de um ano para outro. As pessoas tiram mais ou menos dias em função dos seus projetos pessoas e do que estão a fim de fazer naquele ano”, sublinha.  

Vagas crescem nos EUA e na Europa

Um relatório do site internacional de busca de empregos Indeed, publicado em junho, mostrou que a ideia se propagou com uma força impressionante de 2018 para 2019, nos Estados Unidos: o número de vagas de emprego com férias ilimitadas cresceu 178% no período. A tendência se confirma na Europa. Um estudo realizado em 2018 pelo site francês Jobfit indicou que os empregos sem delimitação dos dias de férias cresceram 60%, em relação ao ano anterior.

A diferença crucial entre os dois lados do Atlântico é que, nos Estados Unidos, não há uma obrigação legal dos dias de férias por ano – em geral, não excedem duas semanas, quando existem. Na Europa e em países como o Brasil, o descanso remunerado mínimo é regulamentado. Nesses casos, e não por acaso, é nos lugares menos generosos em dias de férias que o conceito encontra mais sucesso, como na Inglaterra (28 dias).

De acordo com o Jobfit, 1 a cada 100 mil empregos franceses propunha férias ilimitadas em 2018. Na Alemanha, era o dobro, enquanto que no Reino Unido pulavam para 26 - e, nos Estados Unidos, chegavam a 56.

Funcionários podem aproveitar férias sem limite de maneira diferente a cada ano, de acordo com seus projetos pessoais.
Funcionários podem aproveitar férias sem limite de maneira diferente a cada ano, de acordo com seus projetos pessoais. Pixabay

Olhar positivo sobre a ausência

Martial Demange, dono do grupo imobiliário francês Avinim, escolheu colocar as relações humanas no coração do seu negócio e “ter um olhar positivo” sobre a ausência dos empregados. Ele adotou o método com oito de seus funcionários, que podem tirar até um ano de férias pagas.

“No fim, ninguém abusa e alguns dias a mais traz muitos ganhos para o moral e o bem-estar dos colaboradores. Ao mesmo tempo, custa muito pouco para a empresa”, resume Demange. “Para quem está acostumado a trabalhar bastante, o fato de poder tirar alguns dias de folga imprevistos para descansar faz com que, ao retornar, na segunda-feira, a pessoa esteja em boa forma e cheia de energia. Indiretamente, ganhamos em produtividade, embora não seja esse o meu objetivo.”

Martial Demange, dono do grupo imobiliário francês Avinim
Martial Demange, dono do grupo imobiliário francês Avinim Arquivo Pessoal

Mais pressão?

Mas se engana quem pensa que o trabalho dos sonhos não delimita as férias. O método pode acabar por instalar mais pressão sobre os funcionários – para impressionar, muitos acabam tirando menos dias do que num trabalho convencional. Além disso, pode gerar tensões na equipe, entre os que tiram mais ou menos dias de repouso. É por isso que Laetitia Vitaud, consultora da britânica WillBe Group e especialista em tentar antecipar o mercado de trabalho do futuro, é cética sobre a ideia.

“Na realidade, quando existe essa possibilidade, muito pouca gente pega porque a pressão dos colegas fica muito grande. Essa ainda é a cultura dominante no mercado de trabalho, ainda mais na Sillicon Valley, o reino dos workaholics”, lembra. “Acaba sendo mais uma questão de imagem para a empresa, que sabe que ninguém vai usar essa liberdade.”

Outra particularidade é que nem todos os setores podem se beneficiar dessa proposta. Os mais propensos são os que podem ser feitos à distância, como de tecnologia. Vitaud avalia que, mais do que oferecer férias ilimitadas, a verdadeira tendência é a de flexibilizar ou encurtar o tempo de trabalho.

“Há muitos tipos de empregos nos quais a presença na frente de um cliente não é necessária e isso gera cada vez mais tolerância em relação aos horários e à presença no trabalho. Esse clima de ‘controle’, comum 30 anos atrás, está mais fraco”, avalia.  

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