“Milagre econômico” de Trump é bomba-relógio no orçamento
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Até os economistas ligados à esquerda são obrigados a reconhecer: a economia americana sob Donald Trump vai de vento em popa. O crescimento foi de 3,2% no primeiro trimestre, os salários estão em alta, a inflação segue sob controle, a 1,6%, e o desemprego nunca foi tão baixo desde 1969. Apenas 3,6% da população ativa não tem trabalho. Os números levaram o presidente a avaliar que opera um “milagre econômico” no país, nove anos depois de a crise financeira internacional ter elevado o desemprego ao patamar de 10%.
O índice invejável de agora se explica pela criação de centenas de milhares de novos empregos a cada mês, mas também pela diminuição da população ativa e quantidade elevada de empregos em meio turno ou autônomos da era digital, como motoristas de Uber. As desigualdades também persistem: o nível de desemprego de afroamericanos e latinos é mais do que o dobro entre os brancos.
Por outro lado, os menores salários são os que mais subiram (4,4% no último ano, enquanto a média foi de 3,5%). Os resultados globalmente positivos caem como uma luva para as eleições do ano que vem.
We can all agree that AMERICA is now #1. We are the ENVY of the WORLD — and the best is yet to come! pic.twitter.com/Uc81DzHbu2
Donald J. Trump (@realDonaldTrump) May 3, 2019
“Quando ele chegou ao poder, ele promoveu uma grande reforma fiscal, que resultou em queda de impostos e aumento das despesas. Isso apoiou o crescimento, que já era bastante dinâmico”, analisa Christophe Blot, especialista em economia americana do Observatório Francês da Conjuntura Econômica (OFCE), de Paris. “Uma parte dessa queda do desemprego é atribuída à situação econômica, portanto à política econômica do presidente Trump. É algo que ele poderá valorizar quando começar a campanha para as eleições presidenciais.”
Herança positiva
Mas o pesquisador francês ressalta que a retomada econômica lançada durante o governo de Barack Obama foi crucial para que, hoje, o líder republicano possa se beneficiar dos números favoráveis.
“Donald Trump contribuiu para manter o crescimento americano, mas é preciso destacar que o crescimento está sólido desde 2011. A dinâmica da queda do desemprego nos Estados Unidos começou bem mais cedo do que na zona do euro, por exemplo”, lembra Blot. “O crescimento do PIB de 0,8% começou no primeiro trimestre de 2009 e passou a gerar empregos. Essa dinâmica contribui para que, hoje, os Estados Unidos registrem essa baixa histórica do desemprego.”
O bom momento, entretanto, coloca embaixo do tapete uma bomba-relógio que cresce a cada dia: o peso da dívida pública. Por conta das reduções de impostos e o aumento das despesas militares, a dívida bateu o recorde histórico em 2018 e chegou a US$ 22 trilhões, superior ao PIB do país. O déficit é de quase US$ 780 bilhões.
Um relatório alarmante divulgado pelo Tesouro americano sublinhou que, nesse ritmo, o pagamento de juros da dívida poderá se tornar insustentável em 2024. Por enquanto, a situação se mantém sob controle graças porque o país consegue se financiar a uma taxa inferior a 3%.
“O déficit orçamentário está muito elevado. Em período de forte crescimento e alta do ciclo econômico, significa que, em algum momento, será necessário tomar medidas restritivas, senão a dívida pública vai aumentar sem limites”, explica Henri Sterdyniak, que estuda a economia internacional. “Existe esse calcanhar de Aquiles que, a curto prazo, não incomoda. Ele se beneficia do fato de que ao Banco Central não aumenta rapidamente as taxas de juros e os mercados financeiros não estão especulando contra o dólar.”
Trump desafia “Bíblia” dos economistas
Além disso, a conjuntura internacional também ajuda - o Brexit foi adiado, a China voltou a crescer e a Europa vai relativamente bem. Grandes economistas, como os vencedores do Nobel Joseph Stiglitz e Edmund Phelps, já comentaram que a chamada Trumpeconomics na realidade não existe: a política econômica comandada pelo republicano desafia as prerrogativas da maioria dos especialistas.
“Donald Trump vai contra todos os preceitos econômicos porque ele mantém um déficit público alto e está atacando o livre comércio. Ou seja, está diametralmente no sentido inverso da Bíblia de muitos economistas, que prega o equilíbrio orçamentário e o livre comércio”, nota Sterdyniak. “Nadando contra a corrente, Trump tem uma política agressiva que funciona.”
O presidente desfruta dos maiores índices de aprovação desde que assumiu a Casa Branca, em 2016: nesta terça-feira, uma pesquisa publicada pelo Instituto Gallup indicou que 46% dos americanos aprovam o governo (mas 50% desaprovam). Outra sondagem encomendada pela CNN no fim de abril mostrou que, na economia, a maioria dos entrevistados, 56%, está satisfeita.
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