Franceses param de trabalhar aos 40 para viver em estilo “frugal”
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A moda começou nos Estados Unidos, passou pela Alemanha e chegou na França: é o chamado “frugalismo”, um modo de vida que prega menos trabalho, menos consumo e mais tempo livre a partir de uma certa idade. Economistas alertam para as possíveis consequências dessa prática para o sistema da Previdência Social, mas os que já aderiram ao movimento defendem os benefícios.
É o caso da norte-americana Kristy Shen, que discorre em seu canal no Youtube a respeito do “FIRE”, sigla em inglês para Independência Financeira e Aposentadoria Precoce. “Liberdade! Liberdade para viver seus sonhos e fazer o que você gosta. Como eu sei? Porque eu fui capaz! Eu costumava trabalhar demais. Mas as coisas não avançavam. Foi somente quando parei de seguir os sonhos da geração passada e comecei a seguir os meus que me tornei financeiramente independente”, afirma a jovem, que está na casa dos 30.
Kristy Shen diz que, agora, se dedica a atividades menos rentáveis economicamente, mas que são produtoras de capital humano e social. “Escrevo livros para crianças, crio aplicativos gratuitos que trazem diversidade para a literatura infantil e sou uma mentora para jovens garotas que querem aprender novas tecnologias. Também vivo de forma nômade e posso mudar de país todo mês. Cada novo dia é o melhor dia da minha vida”, relata.
Mudança total
A francesa Corinne Moutout, de 56 anos, conta que aderir ao movimento do “menos tempo de trabalho e mais qualidade de vida” foi essencial para melhorar sua saúde. “Há duas razões principais. A primeira era a precariedade de minha profissão, porque sempre fui freelancer, seja como jornalista, seja como diretora de documentários. Essa precariedade fazia com que eu trabalhasse muito: se eu estivesse esperando um projeto ou executando, sofria com um estresse intenso e eu não queria mais ter isso em minha vida”, declara.
Ainda que muitos desejem ter um ritmo de vida mais calmo, aderir ao clube dos “frugalistas” não é para qualquer um. Na verdade, a prática permanece limitada a certos meios sociais, como explica o economista Erwann Tison, diretor de estudos no Instituto Sapiens. “É uma tendência que devemos acompanhar e que atrai diversos perfis, mas são pessoas que têm altos salários. Porque estamos falando de uma interrupção total da vida ativa a partir dos 40 anos.”
As pessoas que são atraídas pelo “frugalismo” trabalham no mercado financeiro, em bancos, em profissões que eles julgam "sem muito sentido", de acordo com Tison. “É o que o antrópologo norte-americano David Graeber chama de ‘Bullshit Jobs’, empregos que, mesmo sendo bem remunerados, não representam um interesse intelectual”.
Tison explica que a militância de certos “frugalistas” contra o consumo desenfreado é paradoxal: “foram eles que aproveitaram desses recursos durante os primeiros 25 anos de suas vidas. O 'frugalismo' só é possível porque essas pessoas têm um alto salário e podem fazê-lo do ponto de vista econômico.”
Corinne faz parte dos que puderam, ao longo da vida, economizar e se preparar para a decisão de largar o emprego. A partir do momento em que a decisão foi tomada, ela passou a recusar trabalhos, mas isso significava ter menos dinheiro. “Então eu disse a mim mesma: porque não fazer algo que me traga algum recurso econômico e um bem para minha existência? E consegui por causa de minhas economias. Estou terminando meu terceiro ano de estudos de naturopatia e poderei fazer consultas. Mas evidentemente vou tentar administrar o tempo, está absolutamente fora de questão voltar a uma profissão em horário integral, com todo o estresse”.
Aposentadoria precoce: um privilégio?
Ao se tornar sua própria chefe em seu negócio de naturopatia, Corinne deve poder organizar melhor seu tempo “para ter mais qualidade de vida”. “Todos meus amigos perceberam a diferença, estou menos estressada, mais feliz, tenho menos problemas de saúde, durmo melhor, o benefício é incalculável”, declara. No meio de todos os elogios ao "frugalismo", fica uma dúvida: se todos pararem de contribuir aos 40 anos, quem vai pagar a Previdência?
“O maior problema do 'frugalismo' é que, a partir dos 40, paramos completamente de contribuir para a aposentadoria. Na França, o sistema da Previdência faz com que a população ativa pague o salário dos aposentados. O problema é que as pessoas que são 'frugalistas' são completamente desconectadas desse sistema. Tendo em conta que são altos salários, isso tem uma influência na Previdência”, diz Erwann Tisson.
Mas, para o economista, isso deve obrigar a sociedade a refletir em um novo sistema de aposentadoria. “Na França, o movimento do ‘frugalismo’ deve nos fazer refletir, por exemplo, num modelo de capitalização, ou seja, cada um contribui uma parte para si mesmo no futuro para permitir a cada um a escolha de seu percurso de vida e de sua carreira.”
Limitado a círculos da classe média ou alta, o "frugalismo" não deve ter um impacto grande a curto prazo. Mas ele propõe uma reflexão sobre qualidade de vida, administração do tempo de trabalho e consumo moderado.
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