Pais que largam o trabalho para cuidar dos filhos: um tabu que demora a cair
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Ouvir - 06:08
Stéphane Garcia estava insatisfeito com os rumos do trabalho de enfermeiro, ao mesmo tempo em que sua mulher foi promovida para um cargo de gerência depois de parir a terceira filha do casal. Na hora de decidir sobre quem cuidaria da caçula, o francês não hesitou: foi ele quem colocou um parêntese na carreira, enquanto a esposa retornou ao trabalho ao final dos três meses da licença maternidade na França.
A escolha não foi nada fácil – não porque Stéphane temesse pelo seu futuro profissional, mas porque as pessoas ao redor da família não compreenderam a atitude. Na França, apenas 4% dos pais desfrutam de uma licença parental, recurso disponibilizado pelo governo para que o pai ou a mãe se afaste por até três anos do emprego para dar atenção aos filhos pequenos. No caso de Stéphane, foram dois anos dedicados não só à educação das meninas, como aos cuidados da casa. É ele quem cozinha, faz as compras, lava e passa a roupa.
“Desculpa, eu tinha esquecido da nossa entrevista. Eu estava em plena limpeza da casa”, começa o enfermeiro.
Para quem ganha menos
A escolha foi resultado de um cálculo matemático que costuma ser desfavorável às mulheres: quem pega a licença parental é o menor salário do casal. As desigualdades no mercado de trabalho se encarregam do resto. Quase sempre, a responsabilidade recai sobre as mulheres – na França, 50% delas diminui o ritmo da atividade profissional depois do nascimento do primeiro filho, com consequências diretas na evolução da carreira.
No caso dos Garcia, os dois tinham rendas equivalentes, de cerca de € 1.400 por mês. Mas a promoção da esposa a faria ganhar € 400 a mais por mês.
“Ela teve de consagrar mais tempo ao trabalho, foi a Paris fazer reuniões e cursos para o novo cargo. A licença permitiu que ela se realizasse no seu trabalho e eu pudesse ficar mais em casa com as minhas filhas, algo que senti falta quando as duas primeiras nasceram”, lembra o francês. “Mas não foi nada simples: as pessoas me julgam o tempo inteiro, não compreendem. Me perguntam: por que você está fazendo isso?”
Os comentários maldosos chegaram até a insinuar que a esposa tivesse um “affair” na capital, enquanto ele ficava cuidando dos filhos. Durante esse período, ele pôde reavaliar a própria carreira e, junto com a mulher, tomou a decisão de se mudar para o Canadá. Mais uma vez, é Stéphane quem vai dar apoio aos projetos da esposa, que retomará os estudos na área jurídica.
“Do jeito que as pessoas falam, parece que eu sou um extraterrestre e que a minha escolha é degradante para mim – o que eu discordo totalmente. Em casa, nós sempre compartilhamos todas as tarefas”, afirma o enfermeiro.
Estranhamento na empresa
O motorista Frédéric Besnard vive uma situação semelhante. A mulher dele trabalha com comunicação e jamais cogitou se afastar do emprego além da licença-maternidade, após o nascimento dos quatro primeiros filhos do casal. Mas a chegada da quinta criança colocou-lhes diante de um problema frequente na França, a falta de vagas nas creches.
Sem dinheiro para pagar uma babá para cuidar da caçula, os Besnard chegaram à conclusão de que a melhor solução seria Frédéric desfrutar de licença de um ano para cuidar das duas filhas menores. De quebra, também é ele quem faz a maioria das tarefas domésticas, enquanto a esposa trabalha.
“Oficialmente, os meus chefes não disseram nada, afinal eles são obrigados a aceitar. Foi a primeira vez que um homem pediu uma licença parental na minha empresa”, relata o pai de família, morador da região parisiense. “Eu senti que eles acharam o meu pedido esquisito, como se não achassem normal o pai sair de licença. Acho que muita gente pensa assim na França.”
A reação dos familiares e amigos, porém, foi mais compreensiva. “No meu entorno, algumas pessoas ficaram surpresas, mas aquelas que conhecem bem a mulher, sabem que ela não iria querer parar de trabalhar”, assegura Frédéric. “Como era o nosso quinto bebê, a licença maternidade foi maior, de seis meses. No final, ela já estava até achando que era tempo demais.”
Obrigatoriedade da licença e maior remuneração
Especialistas no assunto constatam que dois fatores poderiam incitar mais homens a pegar a licença parental e, assim, contribuir para a igualdade entre os sexos no mercado de trabalho. Primeiro, que eles fossem obrigados a se afastar do emprego para cuidar do bebê recém-nascido. 30% dos franceses chegam a rejeitar a licença paternidade, que dura 14 dias no país.
Em segundo lugar, seria importante aumentar o valor do benefício e aproximá-lo do salário real. Atualmente, quem está em licença parental recebe no máximo € 390 na França, durante seis meses. O valor equivale a um terço do salário mínimo, e pode, eventualmente, ser complementado por ajudas sociais familiares, que variam conforme a renda do casal.
Após os seis meses remunerados, o trabalhador tem apenas a garantia de recuperar o emprego de volta, mas fica sem renda, por mais 18 meses no máximo. Em muitos casos, o custo elevado das escolinhas ou babás não compensa o retorno ao trabalho nos primeiros anos de vida do bebê.
O modelo alemão, visto como mais incitador a uma mudança de hábitos, paga melhor (65% do salário), porém por um período total mais curto (até 14 meses). Os verdadeiros bons exemplos, porém, vêm dos países nórdicos. Na Suécia, um conjunto de medidas faz com que o índice de homens que se beneficiam da licença parental seja de 40%, conforme a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
Portugal: um exemplo que vem do sul
A pesquisadora Hélène Périvier, especialista em desigualdades no mercado de trabalho do Observatório Francês da Conjuntura Econômica (OFCE), também destaca o caso de Portugal, que, com um conjunto de reformas recentes, se aproxima do modelo escandinavo.
“A taxa de atividade profissional das portuguesas é muito elevada. As reformas para equilibrar melhor as licenças familiares são bastante incitativas para os pais: para começar, eles são obrigados a tirar pelo menos 20 dias”, explica Périvier. “É um caso exemplar na Europa, que se destaca em relação à França, por exemplo, nessa questão do compartilhamento das tarefas na família. Em vários setores, tirar a licença não é algo bem visto e, tradicionalmente, nenhum homem pega.”
O afastamento das mães do mercado de trabalho tem impacto na economia. Mulheres qualificadas perdem espaço e suas competências acabam desperdiçadas, ressalta a pesquisadora.
“Quando pessoas se retiram do mercado, temos uma população ativa menor e o grande desafio é que elas possam voltar ao mercado com um mínimo de perdas. A vontade de estimular as mulheres qualificadas a voltar logo ao emprego foi um dos fatores determinantes da recente reforma da licença parental alemã”, observa a especialista.
Em vários países europeus, o afastamento profissional também tem consequências na aposentadoria das mulheres. O período de ausência pode ser descontado ou contabilizado de uma maneira desfavorável, na comparação com o pai, que continuou a trabalhar.
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