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Radar econômico

Guerra comercial de Trump pode beneficiar acordo entre Mercosul e UE

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Dois dias de negociações de alto nível entre representantes dos Estados Unidos e da China não bastaram para os países saírem do clima de guerra comercial, desde que o presidente americano, Donald Trump, decidiu diminuir à força o déficit comercial com o país asiático. Neste confronto entre as duas maiores economias do planeta, o resto do mundo assiste ao desfecho de camarote – e a países emergentes como o Brasil, não resta alternativa a não ser aproveitar os poucos efeitos positivos, mas limitados, desse combate.

O presidente dos EUA, Donald Trump (direita), com o presidente da China, Xi Jinping, durante um jantar de Estado no Grande Salão do Povo em Pequim, em 9 de novembro de 2017.
O presidente dos EUA, Donald Trump (direita), com o presidente da China, Xi Jinping, durante um jantar de Estado no Grande Salão do Povo em Pequim, em 9 de novembro de 2017. THOMAS PETER / POOL / AFP
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Na reunião bilateral, ocorrida na semana passada em Pequim, americanos e chineses mantiveram profundas divergências, mas se comprometeram a intensificar a comunicação para tentar chegar a um entendimento. Intempestivo como de costume, Trump anunciou que, mesmo assim, decidira dobrar para US$ 200 bilhões o objetivo de redução do excedente comercial chinês com os Estados Unidos.

Enquanto isso, a metralhadora do imprevisível presidente americano segue apontada para diversos outros países. Ele joga com o tempo nas suas ameaças de barreiras tarifárias contra o alumínio e o aço europeu, canadense e mexicano.

Quanto ao Brasil, Trump teve menos piedade. Desde o dia 26 de abril, Washington impôs um ultimato a Brasília nesta questão: ou o país aceita o aumento das tarifas de importação para 10% e 25%, respectivamente, ou terá de se conformar com uma cota máxima de exportação dessas matérias-primas para os americanos.

O cenário desagrada Brasília, que se vê com pouquíssima margem de manobra: o país é, incontestavelmente, o lado fraco da disputa. “O Brasil não tem muito o que fazer. Em briga de dois elefantes, somos a grama”, ressalta o atual vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Pedro Camargo Neto.

Vácuos na agricultura – mas por pouco tempo

Temporariamente, a briga entre Washington e Pequim tem gerado alguns efeitos positivos para a agricultura brasileira. Graças à retaliação imposta aos americanos, os chineses têm importado mais de outros países. Os preços de carne suína, por exemplo, subiram, e a soja do Brasil poderá se beneficiar do espaço deixado pelos americanos no mercado chinês.

“Ninguém sabe se eles vão entrar em acordo, e nessa guerra o Brasil pode ser beneficiário, com preços melhores. Mas é um enorme risco, porque no dia em que eles entrarem em acordo, os preços voltam ao normal”, nota Camargo Neto. “Às vezes, o Brasil faz investimentos para atender ao preço maior, mas depois esse valor não existirá mais. O Brasil tem competitividade para vender para a China independentemente dessa guerra, e o que queremos é ser um supridor de longo prazo e estável.”

Acordo com o Mercosul: uma resposta da Europa?

Outro ponto que pode ser favorável ao país é mais indireto. Diante da ofensiva protecionista que Trump e a consequente cascata de represálias internacionais, o acordo comercial com o Mercosul pode se tornar estratégico para União Europeia.

A finalização das negociações, que já duram quase 20 anos, seria uma resposta não só comercial, como política às investidas do presidente americano.  

“O colapso do acordo Transatlântico (Tafta), devido à postura de Trump, e a necessidade da União Europeia de aprofundar alguns mecanismos do seu processo político – que também está em crise e é questionado pelos populismos europeus – fazem com que se abra uma oportunidade muito particular, favorável a um acordo com os latino-americanos. Com todas as resistências e o custo que têm esse tratado, não se pode perder de vista que há uma oportunidade que pode ser limitada no tempo”, avalia Carlos Winograd, professor da Paris School of Economics, de Paris. “Neste momento, há incentivos muito fortes para negociar o melhor acordo possível.”

China na OMC: o calcanhar de Aquiles de Trump

Experiente nas negociações internacionais agrícolas e nas disputas comerciais envolvendo o Brasil, Camargo Neto avalia que, no fundo, Trump quer rever as condições que marcaram a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), há 17 anos. Desde então, Pequim se transformou em uma máquina exportadora, quase impossível de controlar.

“O que Trump contesta hoje são iniciativas que foram lideradas pelos Estados Unidos. Quando a China entrou na Organização Mundial do Comércio, em 2001, eu achei que o acordo estava bom demais para a China, que passaria a ter acesso a tanta coisa. Me questionei por que os Estados Unidos aceitaram um acordo excessivamente benéfico para os chineses, mas acho que hoje eles se arrependeram”, comenta o empresário.  

O momento, complementa Winograd, é de uma discussão profunda da dinâmica do comércio internacional no futuro. Neste contexto, a relevância da própria OMC está à prova.

“O que se observa é uma mudança estrutural entre o modelo industrial do século 20 e um novo modelo de serviços de tecnologia no qual alguns setores e regiões clássicos do emprego nos Estados Unidos estão em queda e parcelas da população se sentem ameaçadas. E não só nos Estados Unidos, como em todas as economias desenvolvidas”, afirma o economista.

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