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Radar econômico

Por que o consumidor não sente a queda histórica da taxa de juros no Brasil?

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A diminuição da inflação abriu o caminho para que o Banco Central do Brasil promovesse uma queda histórica da taxa básica de juros. Desde que foi criada, há 19 anos, a Selic nunca esteve tão baixa: está em 6,5% e pode cair ainda mais, um ano depois de atingir o patamar de 14,5%. O novo cenário faz o país perder o desonroso título de economia com os maiores juros reais do mundo – mas, por enquanto, essa mudança ainda não é sentida no bolso do consumidor.

Juros em queda devem, a médio prazo, baratear o crédito.
Juros em queda devem, a médio prazo, baratear o crédito. José Cruz Agencia Brasil
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A médio prazo e numa trajetória constante, a queda dos juros dá mais poder de compra para o consumidor e favorece o acesso ao crédito mais barato, uma boa notícia para quem tem um projeto imobiliário ou pensa em empreender com uma ajuda do banco. Na esfera pública, viabiliza a retomada de obras de grande porte a um custo mais baixo.

Mas esses efeitos positivos ainda estão distantes, na opinião de economistas consultados pela RFI. A saída da recessão é progressiva e a retomada econômica, frágil. O cenário de incertezas acentuado pelas eleições faz com que o recuo dos juros não seja repassado para os cidadãos.

“Para que as pessoas consigam realmente perceber a queda dessa taxa, a economia precisa voltar a crescer. Caso contrário, elas sentem esses impactos muito mais indiretamente, como ao perceber que as condições econômicas melhoraram e a taxa de inflação está um pouco menor”, observa a professora de Economia do Insper Juliana Inhasz.

Inadimplência nas alturas

Em meio à recessão, as altas taxas de inadimplência endureceram e encareceram as condições de acesso ao crédito no país. Em julho do ano passado, um recorde de 40% de brasileiros estava com o nome sujo no mercado, devido às dívidas não pagas. Nesse período, o nível de desemprego começou a baixar – passou de 12,5% para 11% -, porém num ritmo insuficiente para retomar a confiança dos bancos, explica o professor da Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Flávio Fligenspan.  

“No período mais ruim da economia – do qual estamos recém começando a sair – muitas famílias ficaram inadimplentes e os bancos levam isso em conta na hora de emprestar. Se a inadimplência está alta, eles cobram juros mais altos ainda, para tentar se proteger”, diz o economista. “Como a economia andou muito devagar, os bancos acabaram emprestando muito pouco e cobrando muito dos que pegaram crédito. Esse é o lado ruim de uma notícia boa. Há uma recuperação, sim, que está em pleno vigor, mas esse vigor é frágil.”

Voltar a gastar com cautela

O pesquisador André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), comenta que, ao cortar tanto a taxa de juros, a mensagem do Banco Central é dar incentivo para a população voltar a consumir e fazer menos poupança. Para a indústria, o sinal é de que o dinheiro ficará mais barato para a realização de investimentos. Os dois fatores contribuiriam para a retomada econômica.

No entanto, Braz ressalta que, para o juro baixo se transformar em crescimento da economia, o país primeiro precisará controlar a dívida pública, cujo rombo assusta os investidores.

“Enquanto a dívida pública não for controlada e não houver um horizonte de medidas que possibilitem essa redução, como seria a reforma trabalhista, e um enxugamento do gasto público, a gente talvez não cresça tão rapidamente”, nota o pesquisador. “Nesse momento, a gente tem somente a política monetária fazendo o dever de casa. Se tivéssemos a política fiscal andando junto com a monetária, tomando medidas que ajudariam a economia a crescer mais rapidamente, teríamos um outro cenário.”

Juliana Inhasz também insiste nessa questão – a retomada de investimentos em infraestrutura é essencial para consolidar a recuperação econômica, no entanto é preciso muita cautela.

“Eu acho que é importante, mas o governo precisa saber dosar quais são as frentes nas quais vai atuar. Infraestrutura é um grande problema do Brasil. O governo precisa ser mais efetivo nisso e essa infraestrutura pode, sim, criar grandes espaços para crescimento econômico, mas ao mesmo tempo ele tem de tomar muito cuidado com o tipo de investimentos que faz”, afirma. “Vimos exemplos muito ruins na Copa e nas Olimpíadas. A gente continua com o orçamento muito apertado, mas a sociedade com necessidades cada vez maiores e com deficiências.”

Neste ponto, os especialistas concordam que as eleições de 2018 representam um foco de tensão: uma virada na política de gastos públicos poderia fazer, rapidamente, os juros voltarem ao patamar de dois dígitos.

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