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Radar econômico

Empresas não podem mais escapar à “moda” do feminismo

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Fim dos clichês femininos na publicidade, combate ao assédio sexual, salários equivalentes entre homens e mulheres, possibilidades iguais de projeção na carreira, mais mulheres nos cargos de comando. A exemplo do que aconteceu com a questão ambiental no início dos anos 2010, o final desta década marca o tempo em que mundo empresarial não pode mais fugir do “feminismo washing”, a preocupação com a igualdade entre os sexos e outros temas levantados pelas feministas.

Paridade entre homens e mulheres nas empresas é questão incontornável nos anos 2010.
Paridade entre homens e mulheres nas empresas é questão incontornável nos anos 2010. pixabay
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Na maioria das vezes, essa preocupação vem pela força da lei. Líderes políticos como o americano Barack Obama ou canadense Justin Trudeau se assumiram feministas e a paridade se transforma cada vez mais em política de Estado. As empresas foram obrigadas a se curvar.

Desde o ano passado, todas as grandes companhias francesas com mais de 500 funcionários devem ter pelo menos 40% de mulheres nos cargos de direção e no conselho de administração. O presidente Emmanuel Macron tornou a igualdade entre os sexos uma causa nacional e uma das prioridades do seu mandato.

“Na medida em que o problema está exposto em praça pública, em que os sindicatos ou as mulheres mesmas levantam questões, as coisas podem avançar, com a obrigação das leis. Políticas sexistas e comportamentos inadequados no ambiente de trabalho são proibidos e podem ser condenados”, lembra Françoise Milewski, economista do Observatório Francês de Conjuntura Econômica (OFCE) e integrante do Conselho Superior da Igualdade Profissional, ligado ao governo.

Acompanhamento dos salários

Os exemplos não faltam na Europa. Na Islândia, as empresas com pelo menos 25 funcionários são obrigadas a pagar o mesmo salário para homens e mulheres que ocupam cargos equivalentes. Na Alemanha, uma lei que passou a vigorar em janeiro determina que as mulheres têm direito de saber se os seus colegas homens ganham o mesmo que elas, para desempenhar a mesma função. As companhias com mais de 500 empregados devem publicar um relatório anual sobre o que têm feito para reduzir as desigualdades.

De uma maneira geral, antes de abrir a carteira, os investidores têm questionado por que um projeto empresarial tem apenas homens no comando – e esse pode ser o motivo de não apostarem em uma start up exclusivamente masculina. Na esfera pública, as companhias que desrespeitam a paridade ficam de fora das licitações.

Ainda assim, as diferenças salariais e de plano de carreira permanecem elevadas, mesmo na Europa. Em países como França e Alemanha, as mulheres ganham em média 20% a menos do que os homens. Entre a obrigação legal e a realidade ideal, existe um fosso. Num mundo onde as redes sociais ganharam o poder de impulsionar ou destruir uma marca, muitas empresas se contentam em anunciar projetos em favor da valorização feminina – mas, na prática, ficam pelo meio do caminho.

“Em matéria de igualdade entre homens e mulheres, nada é definitivo. Embora tenhamos avanços, podemos a qualquer momento regredir. Precisamos ter leis, mas elas não são suficientes”, ressalta Milewski. “Na França, têm partidos políticos que preferem pagar uma multa do que promover a paridade de candidatos homens e mulheres.”

Programa específico nas empresas

A consultoria McKinsey acompanha a questão há mais de 10 anos e, no seu último relatório Women Matter, analisou as práticas em 233 empresas europeias e turcas. Aquelas que apresentam resultados exemplares, como a seguradora Axa e as gigantes da energia Engie e da alimentação, Sodexo, têm três pontos em comum: começaram a dar atenção a esses temas há pelo menos três anos, colocaram a paridade entre cinco prioridades estratégicas da direção e desenvolveram um programa especifico para incentivar e promover a igualdade.

Sabine Hagege, diretora de produto na França da gestora de recursos humanos multinacional WorkDay, observa que as mudanças vêm desde a entrevista de emprego, ou seja, identificando as possíveis discriminações na hora de contratar.

“Muitas são até inconscientes: o empregador não faz as mesmas perguntas para um homem e uma mulher”, destaca Hagege. “Também são necessárias políticas igualitárias para a promoção dos empregados, analisando a cada ano se um número equivalente de homens e mulheres foram promovidos. Há muito a ser feito e não se limita a comparar os salários para o mesmo cargo: hoje o maior problema é que as mulheres não conseguem chegar aos mesmos cargos que os homens.”

Mesmo nos países desenvolvidos, mulheres não conseguem chegar nos mesmos cargos de comando que os homens.
Mesmo nos países desenvolvidos, mulheres não conseguem chegar nos mesmos cargos de comando que os homens. pixabay

Com frequência, as obrigações familiares são evocadas para justificar o bloqueio na carreira das mulheres. É por isso que, para as especialistas, as leis são importantes, mas não bastam se não houver uma mudança de mentalidade de toda a sociedade, nota Hagege.

“Oferecer à mulher a flexibilidade necessária para que ela possa estar disponível para a família, quando é necessário, é uma das medidas que as empresas podem fazer para facilitar o acesso das mulheres a cargos mais importantes. E uma boa notícia é que cada vez mais há homens envolvidos na educação dos filhos e nas tarefas domésticas e assumem uma parte das atividades, liberando a mulher para o trabalho”, sublinha a consultora em RH.

As únicas CEOs das companhias cotadas na bolsa de Paris (CAC 40): a filósofa Elisabeth Badinter, presidente do conselho de supervisão da Publicis, Sophie Bellon, presidente do conselho da Sodexo e Isabelle Kocher, diretora-geral da Engie.
As únicas CEOs das companhias cotadas na bolsa de Paris (CAC 40): a filósofa Elisabeth Badinter, presidente do conselho de supervisão da Publicis, Sophie Bellon, presidente do conselho da Sodexo e Isabelle Kocher, diretora-geral da Engie. AFP/ ERIC PIERMONT/ Eric FEFERBERG/ LOIC VENANCE

Na publicidade, mulheres em outros papéis

A questão também passa pela publicidade – vai do combate aos clichês sobre a figura feminina à mudança da imagem da mulher na sociedade. Não só a era das mulheres seminuas em outdoors permanece, como ainda resta um longo caminho até as empresas as colocarem em uma posição de igualdade aos homens em termos de poder e capacidades, nos seus anúncios.

Para a publicitária Christelle Delarue, o problema começa no lugar da mulher no mercado da propaganda – ela afirma que, no mundo, apenas 3% dos diretores de criação das agências são mulheres.

“O poder das ideias permanece 97% nas cabeças de homens, portanto não existe um debate na mesa quando uma peça pode ser sexista, afinal só há olhares masculinos sobre a representação feminina”, lamenta.   

Publicitária Christelle Delarue criou a Mad & Woman Adgency, primeira agencia feminista.
Publicitária Christelle Delarue criou a Mad & Woman Adgency, primeira agencia feminista. @cdelastreet

Delarue abriu a primeira agência de publicidade francesa que se reivindica feminista. A Mad & Woman estimula os anunciantes a escolher mulheres mais “normais”, com menos retoques nas imagens, e a ir além do padrão de beleza magra e loira. Além disso, a agência oferece consultoria para as empresas integrarem o feminismo no modelo de negócios, tornando-se mais igualitárias em relação às suas funcionárias.

“Essa tendência, que eu havia identificado há cinco anos, finalmente chegou e chegou com tudo nas empresas, mexeu com todo mundo. Essa mudança começou há 15 anos, com a transição digital global. Com um tweet, podemos matar uma marca e o negócio de uma empresa”, indica a francesa. “A transição digital, assim como a transição ambiental e a transição igualitária, são grandes desafios das empresas do futuro.”

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