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Radar econômico

França é última potência europeia a mexer na lei trabalhista

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A crise de 2008 fez disparar o desemprego nos países europeus. Desde então, a maioria dos governos promoveu mudanças na legislação trabalhista, na tentativa de reduzir o custo do emprego e das demissões, para conter a destruição de postos de trabalho. A França é o último grande país europeu a tentar mexer nas regras, sob uma forte contestação dos sindicatos e das ruas.

O primeiro-ministro francês, Manuel Valls (esq.) e a ministra do Trabalho, Myriam El Khomri (dir.), na Assembleia Nacional em Paris, 12 de maio de 2016.
O primeiro-ministro francês, Manuel Valls (esq.) e a ministra do Trabalho, Myriam El Khomri (dir.), na Assembleia Nacional em Paris, 12 de maio de 2016. REUTERS/Charles Platiau
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Os exemplos mais recentes são o italiano, em 2014, e o espanhol, em 2012, ambos sob pressão da Comissão Europeia. O “Job Act” do premiê Matteo Renzi facilitou a burocracia para contratar e dispensar funcionários na Itália durante os três primeiros anos e exonerou os tributos sociais para o empregador, ao mesmo tempo em que dobrou o prazo máximo do direito ao seguro-desemprego (de 12 para 24 meses).

Já na Espanha, o conservador Mariano Rajoy passou por cima dos sindicatos e enfrentou a fúria das ruas para aprovar um projeto marcado pela liberalização das relações trabalhistas, em um período em que o desemprego chegava a 25% da população ativa. A nova lei incluiu as modalidades para a demissão econômica e privilegiou as negociações dentro das empresas entre patrões e empregados, em vez das coletivas.

Esse último ponto está no projeto de reforma da França e é a questão que mais motiva os protestos no país, ao abranger aspectos sensíveis como o tempo de trabalho e o salário. O pesquisador Yannick L’Horty, especialista em economia do trabalho da Universidade Paris-Est Marne La Vallée, observa que o texto francês tem pinceladas dos vizinhos, mas é mais influenciado pelo modelo dinamarquês, de “flexisseguridade”.

“O modelo dinamarquês parece muito liberal, por um lado, porque os patrões têm uma grande liberdade para contratar e demitir mão de obra. Porém, ao mesmo tempo, ele é muito social porque estabelece direitos muito claros dos trabalhadores, como o de formação e a um seguro-desemprego bastante generoso. A demissão não é associada a uma grande perda de renda pela pessoa”, explica o professor, que dirige a federação de pesquisas do CNRS Trabalho, Emprego e Políticas Públicas.

Redução tímida do desemprego

Os efeitos das reformas de Roma e Madri começam, timidamente, a aparecer: na Itália, o desemprego caiu 1% em um ano (de 12,5% para 11,5%) e, na Espanha, passou para 22,5%. Mas os especialistas advertem que a precariedade dos empregos aumentou, e hoje atinge um terço dos novos postos de trabalho espanhóis.

Enquanto os dois países preferiram medidas de proteção do emprego, o premiê David Cameron, do Reino Unido, adotou em 2011 uma política ativa para reforçar o controle e o acompanhamento dos desempregados, incluindo a diminuição do seguro-desemprego. Foram autorizados os empregos de “zero hora” - contratos com carga horária à la carte, conforme a necessidade do empregador.

Alemanha foi precursora

A onda de flexibilizações começou antes mesmo da crise, com as reformas promovidas na Alemanha a partir de 2003. As mudanças tornaram o mercado alemão mais precário, ao oficializar empregos de poucas horas por dia e salários baixos. Entretanto, permitiram ao país ter um pico de desemprego no auge da crise e, a partir de 2010, recuperar índices abaixo de 7%.

Para L’Horty, a aprovação da reforma na França é prejudicada pelo fato de o governo francês apresentá-la em fim do mandato, e não no começo, como ocorreu na Espanha, na Itália e no Reino Unido.

“Evidentemente que isso foi problemático, porque a lei cristalizou muitas oposições, que são externas ao texto em si. Na realidade, são oposições políticas quase naturais, a um ano da eleição presidencial”, afirma o pesquisador. “Vemos opositores que, ontem, poderiam apoiar uma lei como essa. A discussão se tornou, antes de mais nada, uma guerra de posições políticas, que vai muito além do conteúdo da lei trabalhista.”

Crescimento é o gerador do emprego – não regras flexíveis, adverte economista

O economista Bruno Ducoudré, do Observatório Francês de Conjuntura Econômica (OFCE), discorda da receita da flexibilização como remédio para o desemprego. Para ele, foram a queda da atividade econômica e os sucessivos planos de austeridade os responsáveis pelo fechamento dos postos de trabalho por tanto tempo na Europa.

“A partir de 2015, o crescimento está de volta na França e a abertura de empregos começou, progressivamente, a voltar também, como constatamos no primeiro trimestre de 2016. O fator determinante para o emprego é a atividade econômica”, resume. “Não há um bloqueio das instituições ou do direito trabalhista francês. Não são as regras que impedem as empresas de contratar: é a demanda em baixa”, indica o economista.

Guerra de liberalizações na União Europeia

Ducoudré constata que a crise fez a Europa entrar em uma concorrência interna de flexibilização e diminuição dos custos. Neste contexto, a França também se sente na obrigação de promover mudanças para não ficar para trás – uma escolha pela precariedade que, segundo o pesquisador, é equivocado.

“Com os nossos parceiros europeus, precisamos pensar em outros tipos de políticas que sejam mais orientadas ao desenvolvimento das indústrias europeias e no das indústrias do futuro, em vez de ficarmos nessa corrida rumo à redução do custo do trabalho, na tentativa de concorrermos com os países em desenvolvimento. Ora, esses países sempre serão mais atraentes do que nós, em termos de custo da mão de obra”, ressalta o especialista em modelos macroeconômicos e desemprego. “Na minha opinião, a alternativa seria a que escolheu os Estados Unidos, de desenvolver cada vez mais a tecnologia de ponta, para a qual é preciso planos ambiciosos de investimentos.”

O projeto de reforma trabalhista francês será analisado pelo Senado do país em meados de junho e, depois da votação, voltará para a apreciação final dos deputados. O governo espera que o projeto seja promulgado em agosto.

 

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