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Radar econômico

Produtores europeus temem concorrência da carne brasileira

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A troca de novas propostas para um acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul é aguardada há seis anos e, prometem as duas partes, deve finalmente ocorrer em maio. Porém, do lado europeu, a oferta corre o risco de vir esvaziada na questão da agricultura, um setor vital para o Brasil neste plano de flexibilização das normas e tarifas comerciais entre os blocos.

Agricultores franceses temem a concorrência da carne brasileira.
Agricultores franceses temem a concorrência da carne brasileira. REUTERS/Gonzalo Fuentes
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Produtores de 13 países da UE enviaram uma carta para o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, para pedir que os produtos agrícolas “sensíveis” - derivados do leite, carne bovina, frutas e legumes – não entrem no acordo com os latino-americanos. Os agricultores europeus temem que, em decorrência do futuro acerto comercial, a carne brasileira e uruguaia entre no mercado europeu com preços muito mais competitivos, em um momento em que o setor enfrenta uma crise devido à queda do consumo e do preço das matérias-primas, além das sanções impostas pela Rússia aos produtos do bloco europeu.

Os representantes do setor dizem não se opor ao acordo, mas insistem para que ele parta de bases mais igualitárias. A pesada regulamentação europeia impõe normas relacionadas à qualidade do ar, o bem-estar animal ou a rastreabilidade do rebanho que encarecem o preço da carne europeia, um preço que o mercado comunitário já não está conseguindo cobrir, argumenta Jean-Luc Mériaux, secretário-geral da União Europeia do Comércio de Gado e Carnes (UECBV).

“Não significa que estejamos pedindo medidas de proteção, mas é preciso que, nesse relançamento das negociações com o Mercosul, haja uma abordagem mais global e específica sobre os custos de produção, do acesso aos mercados e uma segurança sanitária irrepreensível, como exige o consumidor europeu”, indica. “Hoje, no setor de carne bovina e de aves, o Brasil exporta € 1,6 bilhões para a União Europeia, enquanto nós não exportamos quase nada para os brasileiros ou nenhum outro país do Mercosul, simplesmente porque quase nenhum dos nossos produtores conseguiu ser credenciado para a exportação para lá.”

Acúmulo de acordos

Outro fator que pesa é que, enquanto as negociações com o Mercosul se arrastam há 17 anos, a União Europeia acelerou outras parcerias, com o Japão, o Canadá e, especialmente, com os Estados Unidos (Tratado de Livre Comércio Transatlântico). Os agricultores avaliam que a multiplicação de acordos, sem a imposição de limites de importação, colocaria em risco o futuro da agricultura europeia.

“Em relação aos produtos sensíveis no acordo com o Mercosul, o calendário estabelecido não nos permite realizar uma reflexão de fundo, nem permite aos negociadores obter esclarecimentos importantes sobre a questão da reciprocidade”, afirma Arnaud Petit, diretor de negociações comerciais internacionais de um dos maiores comitês sindicais agrícolas da União Europeia (Copa-Cogeca). “Para nós, essas seriam as condições para o acordo. Nós precisamos de um estudo global sobre a avaliação do impacto acumulado das negociações que foram fechadas ou que estão em curso.”

Franceses na linha de frente de oposição

A França e a Irlanda, dois dos maiores produtores agrícolas do bloco europeu, são as mais avessas à troca de ofertas com o Mercosul. Dominique Langlois, presidente da Interbev (Associação Nacional Interprofissional do Gado e das Carnes), pede a exclusão da carne bovina das negociações. Ele alega que os produtores franceses não teriam como competir com os latino-americanos.

“No Mercosul, quando o assunto é bem-estar animal e condições de criação do gado, é preciso lembrar que eles adotam um procedimento extensivo, que é responsável por um enorme desmatamento. A regulamentação sanitária não é, de forma alguma, a mesma que encontramos na Europa”, acusa Langlois. “Sem contar o ponto de vista social. Com salários de € 205, você imagina a diferença de competitividade que existe em relação aos países europeus, em especial à França.”

Cotas podem ser a solução

A Comissão de Agricultura da União Europeia prefere ressaltar que o acordo comercial abrangeria diversas áreas, não apenas a agricultura. O porta-voz Daniel Rosário observa que o Mercosul é o sexto maior parceiro comercial do bloco e reduzir os € 4 bilhões anuais em tarifas aduaneiras é um objetivo importante para os europeus.

“Na agricultura, em alguns dos setores considerados mais sensíveis, a União Europeia vai manter algum tipo de limite à entrada de produtos oriundos do Mercosul. Nunca perderemos de vista a necessidade de atingirmos um acordo que seja ao mesmo tempo ambicioso e equilibrado”, disse Rosário, que não descartou a hipótese de os produtos “sensíveis” serem excluídos da oferta europeia. “A proposta ainda não foi tornada pública e será apresentada ao Mercosul no decorrer de maio. Em seu devido tempo, veremos quais exatamente serão os contornos dela.”

Um acordo que excluísse essa atividade, entretanto, seria inviável para o Mercosul, que têm na agricultura o seu motor econômico mais dinâmico. O economista Carlos Winograd, especialista em comércio internacional da Paris School of Economics, avalia que, inicialmente, a instauração de cotas limitando a transação desses produtos pode ser a melhor alternativa.

“A abertura dos setores agroindustriais às cotas seriam progressivas, favorecendo a adaptação dos setores fracos da agricultura europeia e, ao mesmo tempo, um elemento equivalente do lado dos serviços no setor industrial, de forma que os lobbies se compensem. Eu acho que, dadas as condições atuais, imaginar fases de transição poderia desbloquear a negociação”, indica Winograd.

Bom momento para os dois lados

O professor constata que o avanço das negociações com outros países ou blocos demonstra que a Comissão Europeia está determinada em dar um novo impulso ao comércio internacional. A particularidade do acordo com o Mercosul é o peso da agricultura para os dois lados, em um contexto em que a queda do preço das matérias-primas têm um duplo impacto.

“Tem danos e benefícios para a negociação. A favor é que o custo do protecionismo está mais alto na Europa. E contra porque o desespero dos agricultores e negociadores europeus é maior, e a pressão do lobby ficou maior”, ressalta.

Do lado do Mercosul, Winograd afirma que, apesar da instabilidade política no Brasil, o momento também é mais favorável para os latino-americanos progredirem nas negociações, com a ascensão de Mauricio Macri na Argentina. Embora as incertezas sejam completas em Brasília, já faz tempo que o país sinaliza encarar a questão como prioritária, independentemente de governos. Procurado, o Ministério da Agricultura disse que não se pronunciaria por estar fazendo estudos sobre a troca de ofertas.

Agora, o acordo com a União Europeia parece se inscrever em um projeto comum estratégico e de longo prazo para os integrantes do bloco sul-americano, o que não ocorria sob a administração Kirchner. Atualmente, o Uruguai exerce a presidência rotativa do Mercosul.
 

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