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“O Cinema Novo praticamente nasceu em Cannes, em 1964”, conta Cacá Diegues

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“Sou um íntimo de Cannes”, brinca o cineasta Carlos Diegues, 77 anos, que está de volta à Riviera Francesa para apresentar O Grande Circo Místico, em sessão especial fora de competição. Ele conversou com exclusividade com a RFI Brasil.

Cacá Diegues fala à RFI Brasil sobre "O Grande Circo Místico".
Cacá Diegues fala à RFI Brasil sobre "O Grande Circo Místico". Victor Uhl/RFI
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Enviada especial ao Festival Internacional de Cinema de Cannes

Patricia Moribe: Quais são as suas lembranças de circo?

Cacá Diegues: São muitas, sobretudo porque venho de um estado pequeno, o Alagoas, no Nordeste, onde não havia muita diversão, a não ser o circo. Eu aprendi muito com o circo. Acho que o cinema é o circo moderno, o herdeiro eletrônico do circo. Eu adoro circo e me sinto muito à vontade nele.

PM: E como é que surgiu a ideia de filmar esse poema de Jorge de Lima, de 47 versos, O Grande Circo Místico?

CD: Eu leio o Jorge de Lima desde que sou adolescente. Adoro Jorge de Lima. Para mim é um dos maiores poetas da língua portuguesa, talvez um dos dois ou três grandes. E nunca consegui pensar em uma obra dele para filmar, pois é sempre muito difícil, ele é um poeta muito literário demais, surrealista, barroco. E um dia, no início dos anos 1990, descobri que tinham feito um balé com um poema de Jorge de Lima, com músicas do Edu Lobo e Chico Buarque. Ouvi a trilha e fiquei fascinado e disse ‘é isso que eu vou fazer’. Então comecei a escrever o roteiro do filme pensando na trilha também. A música me ajudava muito. Mas o poema não era suficiente para fazer um filme, tem só 47 versos, como você disse.

O Grande Circo Místico, de Cacá Diegues.
O Grande Circo Místico, de Cacá Diegues. DR

PM: Ele te dá uma linha, né?

CD: Ele te dá a história da família, mas eu tive que cobrir o tempo. O que eu fiz então? Usei outras obras do Jorge de Lima. Ao longo do filme fui citando, por exemplo, uma ave noturna que ele inventou, a história da Graça, a imperatriz. Enfim, há vários pedaços do filme que são citações de outras obras do Jorge de Lima. E com isso pude construir o filme.

PM: O seu filme tem o Celavi, um mestre de cerimônias muito poético, que acompanha o filme todo, como um fio condutor. Eu me lembrei de um outro mestre de cerimônias, o Lorde Cigano, vivido por José Wilker, em Bye-Bye Brasil.

CD: Bem lembrado, eu não tinha pensando nisso (risos). É uma lembrança oportuna porque tem muito a ver mesmo. O Celavi é um filho do Lorde Cigano, de certo modo.

PM: E a parte visual? É um filme muito estético, você tinha bem definido que imagem você queria?

CD: Isso foi muito trabalhado, pensei muito na preparação da fotografia, na direção de arte. Tudo foi muito elaborado, a única coisa que existia no começo era a ideia de fazer um filme barroco, retomar a cultura barroca brasileira que a gente esqueceu um pouco nos últimos tempos. Nos anos 1960, na minha geração, a do Cinema Novo, o cinema tinha muitas referências ao barroco brasileiro e eu queria resgatar isso. Nada contra os filmes modernos brasileiros que são muito importantes e muito bons, mas são filmes realistas e naturalistas, sobre acontecimentos pontuais, são quase crônicas sobre a realidade. Eu não queria fazer isso. Eu queria experimentar novamente a poesia barroca no cinema.

Vincent Cassel no filme "O Grande Circo Místico".
Vincent Cassel no filme "O Grande Circo Místico". DR

PM: E como foi a escolha dos atores?

CD: Com exceção do personagem Celavi, tive que trocar de ator, mas foi uma troca feliz. Eu já tinha todos os outros em mente e, ainda bem, todos puderam estar no filme. São alguns atores bastante conhecidos como Mariana Ximenes, Bruna Linzmeyer e Antonio Faguntes. E outros fui buscar no teatro, em outros cantos. É uma mistura de atores novos com clássicos da interpretação brasileira.

PM: Você veio a Cannes pela primeira vez em 1980, com Bye-Bye Brasil, em 1984, com Quilombo e, em 1987, com Um Trem para as Estrelas. Qual a importância de Cannes na sua carreira?

CD: Vou te corrigir. Eu vim a Cannes pela primeira vez em 1964, com Ganga Zumba, meu primeiro filme, na Semana da Crítica. Foi o ano também de Deus e o Diabo na Terra do Sol (de Glauber Rocha) e Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos) na competição oficial. Quer dizer, praticamente o Cinema Novo nasceu em Cannes, em 1964. Eu tinha 24 anos e foi uma experiência muito importante, pois era a primeira vez que eu saía do Brasil com um filme. Tive outros filmes na Quinzena, depois de Ganga Zumba, e esses três que você citou, na competição.

PM: E foi presidente do júri da Câmera de Ouro.

CD: Eu sou íntimo de Cannes (risadas).

PM: E a trilha sonora, feita para o espetáculo de Naum Alves de Souza, com o Balé Teatro Guaíra, estava pronta?

CD: Eu regravei algumas canções, com novos arranjos. Mas não dava para substituir a versão de Milton Nascimento para Beatriz, por exemplo.

PM: E um próximo projeto?

CD: Vou fazer um filme que é o oposto de Circo Místico, com apenas seis atores e um cenário. Nada de leões e elefantes. Tudo acontece durante um fim de ano, é tudo o que posso contar.

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