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Moda

Mistura de moda e religião gera polêmica, mas também muita criatividade

O Metropolitan Museum of Art de Nova York inaugura na próxima segunda-feira (7) uma grande exposição sobre as relações entre moda e catolicismo. O evento levanta mais uma vez o debate sobre o uso da iconografia religiosa na criação de roupas, em um momento em que o Modest Fashion nunca teve tanto espaço.

Vestido Valentino (e), traje escultural de Viktor & Rolf e conjunto bordado com pedraria de Dolce & Gabbana (d) fazem parte da exposição do Metropolitan
Vestido Valentino (e), traje escultural de Viktor & Rolf e conjunto bordado com pedraria de Dolce & Gabbana (d) fazem parte da exposição do Metropolitan The Metropolitan Museum of Art
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Os olhos do mundinho da moda estarão voltados na semana que vem para a Big Apple, onde acontece a exposição anual do Costume Institute, o museu da moda do Metropolitan. As estrelas do setor estarão reunidas na cidade para a inauguração, mas principalmente para a festa – o MET Ball –, e o tapete vermelho digno de um Festival de Cannes. O evento, que faz parte do calendário da cidade e já foi tema até de documentário (The First Monday in May), atrai tantas celebridades que foi apelidado por alguns de “cerimônia do Oscar da costa leste americana”.

Mas este ano, a exuberância dos trajes na festa vai disputar a atenção com outra opulência: a das cerca de 40 peças vindas especialmente do Vaticano para a exposição. Algumas das batas papais, joias e outros tesouros eclesiásticos, capazes de deixar muito desfile de alta-costura com cara de baile de formatura, saem de Roma pela primeira vez para a mostra Heavenly Bodies : Fashion and the Catholic Imagination (Corpos celestes: a moda e a imaginação católica), evento que abre suas portas para o público no dia 10 de maio, e fica em cartaz até 8 de outubro.

Além dos objetos vindos do Vaticano, a exposição explora, por meio de mais de 150 trajes, principalmente femininos, o diálogo entre o mundo das passarelas e as práticas devocionais do catolicismo. “A moda e a religião foram entrelaçados durante muito tempo. Elas se inspiram e se informam mutuamente”, comenta Andrew Bolton, curador encarregado da mostra do Costume Institute do MET. “Mesmo se essa relação foi complexa e às vezes contestada, ela produziu algumas das criações mais inventivas e inovadoras da história da moda”, continua.

John Galliano imaginou uma versão feminina do papa para Dior
John Galliano imaginou uma versão feminina do papa para Dior The Metropolitan Museum of Art

O curador tem certamente em mente alguns estilistas que construíram suas carreiras influenciados pela religiosidade, como os italianos Dolce & Gabbana, com seus bordados extremos ou os moletons com a mensagem “Fashion Devotion”, como os apresentados em fevereiro passado nas passarelas de Milão. Outros nomes, como o britânico Alexander McQueen, ou ainda o francês Jean Paul Gaultier, também fazem parte da lista dos estilistas que se inspiram da religião, de forma irônica ou bem mais respeitosa.

Nos corredores do MET, os visitantes vão poder apreciar peças como a impressionante bata papal feminina imaginada por John Galliano para a Dior em 2000, ou ainda o vestido criado por Gianni Versace em 1997, com uma cruz gigante. A marca italiana, aliás, é uma das patrocinadoras da exposição nova-iorquina, comprovando que os italianos nunca estão muito longe quando o assunto é Igreja Católica. Aliás, a inesquecível cena de desfile eclesiástico do filme Roma, de Fellini (1972), também confirma que é possível falar desse diálogo com humor e irreverência.

Bem além do catolicismo

No entanto, essa relação entre moda e religião vai bem além do catolicismo, mesmo se o diálogo nem sempre é cordial. Basta lembrar do escândalo de Gaultier, em 1993, com a coleção Rabbi Chic, inspirada das roupas tradicionais dos judeus, ou ainda da burca proposta pelo estilista turco Hussein Chalayan, que ia diminuindo de tamanho até deixar a modelo nua na passarela. Chanel também brincou com o islamismo, ao bordar trechos do Corão em um vestido em 1994 – tendo que pedir desculpas oficiais após as críticas severas do rabino de Paris.

Fora das passarelas, o debate sobre o burquíni na França também mostrou que misturar moda e religião pode ser delicado, principalmente quando o traje ganha uma dimensão política. Para Reina Lewis, professora no London College of Fashion e autora do livro Muslim Fashion: Contemporary Style Cultures, a jovem geração de muçulmanas, muitas delas nascidas em países laicos, pode até estar voltada para a religião, mas também está aberta ao capitalismo. Muito mais que um ato militante, elas procuram uma maneira de inserir suas crenças na modernidade, comenta a especialista. Mesmo assim, “independentemente da motivação, o uso do hijab, ou quelquer outro tipo de véu, se tornou para as mulheres uma das decisões mais vigiadas do século 21”, teoriza a professora.

Modest Fashion: um mercado em expansão

Além disso, não se pode esquecer a dimensão comercial que, no caso da “Modest Fashion”, dilui as críticas e faz qualquer um esquecer as acusações de apropriação cultural. Essa expressão, que reúne não apenas os trajes para muçulmanas, mas também toda forma de roupa dita “pudica”, seguindo os preceitos religiosos, visa um mercado gigantesco, que vai desde as praticantes de judaísmo, até os mórmons nos Estados Unidos, passando pelos evangélicos na América Latina.

Macy's aderiu ao Modest Fashion com coleção Verona
Macy's aderiu ao Modest Fashion com coleção Verona Macy's/Emily Hawkins

Só para dar uma ideia, apenas no Brasil os evangélicos representam mais de 50 milhões de clientes potenciais. Já entre os muçulmanos, estima-se que o grupo consumiu mais de US$ 250 bilhões no setor do vestuário em 2016 e essa cifra pode ultrapassar os US$ 370 bilhões em 2022, segundo o mais recente estudo do Global Islamic Economy.

Não é à toa que várias marcas, de Tommy Hilfiger a Mango, passando pela própria Dolce & Gabbana, lançaram suas linhas de hijabs, abayas ou véus. A mais recente na lista é a loja de departamentos norte-americana Macy’s, que acaba de propor uma acessível coleção Verona.

Além disso, iniciativas como a primeira fashion week de Riad, na Arábia Saudida (na qual nenhum homem podia entrar, nem mesmo os fotógrafos), e a edição inaugural da Pret-A-Cover, uma semana de eventos de moda em Dubai, organizada pelo Islamic Fashion and Design Council (IFDC), mostram que ninguém quer perder sua fatia desse bolo. Quem sabe o Modest Fashion não será o tema da próxima exposição do Costume Institute do Metropolitan?  

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