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“Brasil atual lembra momentos sombrios da história do país”, diz escritor Godofredo de Oliveira Neto

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O escritor e professor titular de literatura brasileira da UFRJ, Godofredo de Oliveira Neto, veio à Europa dar uma palestra sobre seu romance “O Bruxo do Contestado”. Em entrevista à RFI, ele lembra a importância dessa revolta messiânica do sul do país, ocorrida no início do século 20, que ainda ajuda a entender o Brasil de hoje. “O momento atual me lembra momentos sombrios da história brasileira”, compara o escritor.

Godofredo de Oliveira Neto autor de "O Bruxo do Contestado".
Godofredo de Oliveira Neto autor de "O Bruxo do Contestado". Arquivo Pessoal
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“O Bruxo do Contestado” é o primeiro dos 10 romances de Godofredo de Oliveira Neto. Ele foi publicado inicialmente em 1996, teve excelente crítica e já está na quarta edição. O livro entrelaça três períodos históricos, o presente da narradora, a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Contestado.

Essa Canudos do sul do país, foi uma revolta de sertanejos pobres por terras, liderada pelo monge José Maria. Ocorrida durante 1912 e 1916, em um território contestado por Santa Catarina e Paraná, ela foi massacrada pelas forças governamentais. Mais de 3,5 mil fiéis foram mortos.

Ao contrário de outros livros de Godofredo, como “O Menino Oculto” ou “Amores Exilados” que já foram publicados na França pela Envolume, "O Bruxo do Contestado" ainda não foi traduzido. Mas o romance, que foi tema de uma palestra do escritor brasileiro na Universidade Ca’ Foscari de Veneza, interessa os europeus, primeiro pela questão do messianismo e, segundo, devido a situação dos imigrantes alemães e italianos no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial.

“O Brasil declarou guerra ao eixo apenas em 1942. Até então, havia uma hesitação do governo Vargas. Ficou um pouco esquecido como era a vida desses imigrantes, que foram inclusive proibidos de falar suas línguas maternas em público. O Matarazzo recebeu uma condecoração do Mussolini. Tinha uma dúvida do certo e do errado”, aponta Godofredo.

A declaração de guerra e o envio dos pracinhas da FEB para lutar na Itália, cria um conflito para esses imigrantes: “os italianos foram enviados para matar primos na Itália e houve um conflito contra isso. Eles diziam não queriam atirar nos parentes”. Godofredo lembra que essa é uma questão pouco desenvolvida no Brasil.

Contestado: conflito ideológico

A Guerra do Contestado foi, segundo Godofredo, um dos conflitos fundamentais para o entendimento da questão da disputa entre capitalismo e socialismo no século 20. Lideranças internacionais, russas ou inglesas, enviaram representantes para acompanhar essa revolta messiânica, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, que foi vista como o “primeiro movimento de greve organizada do país”. O escritor lembra que foi “a primeira vez que empregaram aviões com fins militares no continente americano. Armas, que seriam usadas na Primeira Guerra mundial, foram testadas”.

Godofredo não tem dúvidas de que essa guerra messiânica de pobres contra ricos ainda ajuda a entender o Brasil de hoje. “Esse messianismo saiu do campo e foi para a cidade. Os discursos do Antônio Conselheiro ou do monge José Maria, de que as coisas vão melhorar, é uma coisa que pega. Os fiéis, ou fanáticos, querem comida e saúde agora (e não na vida eterna)”, analisa.

Momento brasileiro difícil

Para o professor titular de literatura brasileira da UFRJ, o Brasil atravessa um momento difícil, de tensão entre a Justiça e a política. “Não é um momento de glória”.

O escritor afirma que não faz obras panfletárias, mas que “tenta transformar fatos políticos e sociais em estética”. “Mas meus livros não perdem de vista essa realidade que, repito, é uma realidade bastante difícil, que me lembra alguns momentos e épocas sombrias do Brasil”.

Pressões sobre a escrita

Como em outros de seus livros, o romance “O Bruxo do Contestado” tem cenas eróticas, de sedução. Nesse momento de críticas ao tratamento dado às mulheres e à questão feminina, Godofredo reconhece que sente uma certa pressão, um certo patrulhamento: “Há um certo conservadorismo em todos os aspectos, como na política, e não podia não ter também nos hábitos culturais”. Mas o escritor brasileiro não aborda a censura que sofreu na França. A editora Evolume cortou as passagens sexuais mais ousadas de seu livro “Amores Exilados” para não chocar os leitores.

A tradução do “Bruxo do Contestado” está sendo negociada e, no mês de agosto, chega às livrarias francesas a segunda edição de “O Menino Oculto”. “Fico super feliz por esse interesse. Vivi muito tempo aqui na França (na época da Ditadura Militar) e vejo que, infelizmente, o Brasil perdeu um pouco o interesse por aqui”, lamenta.

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