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Rendez-vous cultural

Quem é Scholastique Mukasonga, a escritora africana que vai à Flip ?

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A premiada autora, que vive na França, foi convidada para a 15ª Festa Literária Internacional de Paraty. Uma oportunidade para os brasileiros conhecerem uma das maiores vozes literárias da África, de expressão francesa.

A escritora ruandesa Scholastique Mukasonga participa da 15ª Flip
A escritora ruandesa Scholastique Mukasonga participa da 15ª Flip AFP / PATRICK KOVARIK
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Ela nunca foi publicada no Brasil. E sua entrada no país será justamente pela Flip, onde vai lançar dois livros pela Editora Nós: “Nossa Senhora do Nilo”, vencedor do prestigioso prêmio francês Renaudot, em 2012, e “A mulher de pés descalços”.

Pertencente à etnia tutsi, Scholastique foi atingida pessoalmente pelo genocídio de Ruanda, em 1994; seus pais, irmãos e sobrinhos, 37 pessoas ao todo, foram assassinados. Ela já vivia na França há dois anos quando o drama aconteceu, mas carrega esse duro passado na sua própria trajetória literária. Não tendo presenciado o extermínio dos tutsis, ela tenta dissecar a história e as raízes que levaram à perseguição e morte de 800 mil pessoas, em 1994.

Nascida em 1956 em Guikunguro, em Ruanda, foi criada na cidade de Abutaré; no começo dos anos 60 começaram os primeiros massacres impetrados pelos hutus contra os tutsis ; uma parte se exilou e outra, como sua família, foi deportada para Nyamata, nas proximidades da capital Kigali, para um centro de acolhimento para tutsis. Ela descreve esse lugar, onde viveu dez anos, como um mini-deserto: "Era uma região para onde o rei enviava as pessoas que caíam em desgraça, uma região onde praticamente não chove, uma savana seca onde vivem grandes animais como leões, elefantes e, ainda por cima, tinha aquela mosca tsé-tsé, que dá a doença do sono, e os raros habitantes locais morriam dessa doença”, relembra.

A África no sotaque e na obra

O período de fome e penúria passado em Nyamata marcou a alma da autora. E mesmo em condições penosas, ela continuou a estudar e obteve seu diploma, caminhando 10km para ir a Kigali frequentar as aulas em um liceu. Depois, ela partiu para Burundi, onde trabalhou para a Unicef.

Em entrevista à RFI, com um francês perfeito marcado pelo sotaque africano inconfundível, Scholastique observa que sua carreira está ligada a Ruanda, sua terra natal, que ela define como “um país ferido”. E escrever é, para ela, uma missão. "Quem tinha ouvido falar de Ruanda antes desse drama? Infelizmente, essa tragédia permaneceu camuflada, escondida, o que é triste, até atingir o inimaginável. Então hoje, que eu escrevo, e é verdade que com o prêmio Renaudot eu sou lida, eu quero, por um lado, me reconstruir como pessoa, porque a gente reconstrói Ruanda mas se reconstrói também como ser humano; ao mesmo tempo, eu quero dar informações complementares aos meus leitores".

A experiência de pertencer à minoria tutsi é fator essencial em sua obra, como demonstram os livros que vai lançar no Brasil, "A mulher de pés descalços", de 2008, uma homenagem à sua mãe, e "Nossa Senhora do Nilo", o ganhador insperado do prêmio literário Renaudot de 2012. Saibam como Scholastique recebeu a notícia do prêmio. "Foi uma bela surpresa, foi como se eu estivesse sonhando acordada, mas logo veio algo na minha mente, eu me disse que o destino não pode ser definitivamente sombrio. Quando ficamos em pé, ainda mais no meu estatuto de representar e viver os que morreram injustamente, existe em algum lugar, um reconhecimento, uma justiça".

Hipocrisia e sangue

“Nossa Senhora do Nilo” é um romance com elementos autobiográficos que se passa nos anos 70 em um colégio perto do rio Nilo e da estátua de Nossa Senhora, construído em 1953. É um colégio interno para meninas de classe alta, meninas hutus, onde eram admitidas apenas 10% de alunas tutsis. A escola, que deveria preservar as garotas das tentações do mundo exterior é, na realidade, um campo de hipocrisia, com tramas, crimes e conflitos políticos. A escritora descreve o clima reinante, que já antecipava o genocídio que viria em 1994: "Escolhi projetar o livro nos anos 70, que eu conheci como jovem estudante, eu tinha a idade das minhas personagens, que são fictícias, é claro, pois se trata de um romance. Esses anos foram marcados pela escalada do ódio, e a determinação de ir até o fim no extermínio dos tutsis, ali o genocídio já estava sinalizado ".

As conversas das alunas refletem a realidade de Ruanda da época, os conflitos étnicos, o cotidiano, e ao longo das páginas, a tensão política vai crescendo em clima de “catástrofe anunciada”: "O livro 'Nossa Senhora do Nilo" é um recorte porque o romance todo tem elementos autobiográficos, só que eu fui mais além, ao contrário dos meus três primeiros livros, que são realmente autobiográficos. Neste romance tive a liberdade de expressão, a distância necessária, e com essa distância, eu não sou mais a testemunha de dentro, mas me torno a testemunha de fora, com toda a força, a lucidez, a objetividade, que me deram justamente a possibilidade de observar as coisas. De fato, na história há uma hipocrisia total. Estamos num colégio da elite feminina, para justamente, como diz a madre superiora, representar a evolução feminina. Mas, no final das contas, há muito mais lugar para a política, como prova a personagem da aluna chamada Gloriosa, que acaba nem indo mais às aulas; seu projeto diário, e que acaba crescendo, é de preparar sua carreira política e o extermínio das tutsis no colégio".

Presença na Flip

Na Flip, Scholastique Mukasonga participa da Mesa 6, no dia 27 de julho, dedicada a histórias de guerras e de sobrevivência, de invenções e reconstruções artísticas, a partir do ponto de vista feminino. Ela divide a sessão com a brasileira Noemi Jaffe, filha de uma sobrevivente de Auschwitz.

 

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