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Aos 78 anos, Dona Onete mostra seu "carimbó chamegado" em Paris

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“Meu coração virou um grande brechó/Nele eu guardei minhas fantasias/Amores, paixão, felicidade/tristeza, saudade, alegrias/Mas eu vou desocupar meu coração/De verde esperança eu vou mandar pintar/Tô esperando outro amor chegar”. Os versos mostram a poesia singela da cantora e compositora paraense Dona Onete, 78 anos, que lançou o primeiro CD, “Feitiço Caboclo”, há apenas 5 anos. Ela realiza show nesta quarta-feira (12) em Paris, na casa La Bellevilloise, parte de uma turnê europeia que também inclui Alemanha, Reino Unido e Holanda.

A cantora e compositora paraense Dona Onete se apresenta em Paris
A cantora e compositora paraense Dona Onete se apresenta em Paris Augusto Pinheiro/RFI
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A canção acima se chama “Coração Brechó” e faz parte do segundo álbum, “Banzeiro”, lançado no ano passado. Foi criada para consolar uma amiga de uma desilusão amorosa. “Minha adorada Marcinha estava passando por um momento muito difícil, chorando, desabafou comigo. E eu tentei consolá-la e, de repente, criei ali mesmo um trecho da música, eu disse ‘o coração da gente é um verdadeiro brechó, hoje ele está cheio de mágoa, depois você joga para fora’. Ela riu. O choro virou risada. E essa música sempre abre meus shows”, contou em entrevista à RFI Brasil no hotel em Paris (veja vídeo com trechos da entrevista no final desta reportagem).

Show de Dona Onete em Sète, no sul da França
Show de Dona Onete em Sète, no sul da França Divulgação

Dona Onete, nome artístico de Ionete da Silveira Gama, nasceu em Cachoeira do Arari, na ilha do Marajó, em 1938, passou a infância em Belém e depois se mudou para Igarapé-Miri, conhecida como a “capital mundial do açaí".

Depois do primeiro CD, ela ganhou fama no Brasil e no mundo com seu “carimbó chamegado”. Ela transformou o ritmo tradicional paraense em um estilo próprio. “Chamego é o amor verdadeiro. E é uma coisa que eu procuro passar para o meu público, aquele amor gostoso, jogo beijos. Minhas letras são mais sensuais que do carimbó de raiz e também uso outros instrumentos, além dos tradicionais, o que resultou em um som para dançar agarrado, não apenas solto.”

Imitava Emilinha e Cauby Peixoto

A paixão pela música começou na infância. “Canto desde novinha. Ouvia músicas dos meus cantores prediletos, Angela Maria principalmente. Eu imitava Emilinha, Cauby. Todo mundo dizia que eu tinha uma voz bonita, para cantar na rádio, mas eu nunca ia”, lembra.

Dona Onete teve um público de 10 mil pessoas no festival de world music de Rudolstadt, na Alemanha
Dona Onete teve um público de 10 mil pessoas no festival de world music de Rudolstadt, na Alemanha Divulgação

“Eu casei, vivi minha vida, comecei a compor. Mas meu marido não deixava eu mostrar minhas músicas nem cantar. Depois de 25 anos, resolvi me separar, queria viver uma vida diferente do que aquela apenas de dona de casa, já tinha criado meus filhos. Daí eu saí para fazer a minha história. Tinha muitas músicas guardadas. Até que o Pim, irmão do Pinduca (lendário cantor paraense), gravou os meus carimbós em 1982. As primeiras músicas que eu gravei foram com o coletivo Radio Cipó e, além disso, outras pessoas gravaram minhas canções no Pará”.

O som original e o carisma da artista chamaram a atenção de produtores do eixo Rio-São Paulo e do exterior e, desde então, ela tem uma agenda cheia de shows internacionais. Cantou pela primeira vez em Paris em 2015 e já passou por Portugal, Reino Unido (uma turnê por várias cidades), Alemanha e Argentina.

Caetano Veloso virou fã

No ano passado foram cinco shows nos Estados Unidos, que culminaram em uma apresentação em Nova York, no Elebash Hall, na famosa Quinta Avenida. Na plateia, ilustres como Caetano Veloso e o cantor e compositor norte-americano David Byrne, ex-líder do Talking Heads, fãs confessos da artista.

“Cantei como se não estivessem lá. Não adianta se emocionar para errar a letra da música. No camarim, parecia que era a primeira vez que o Caetano ia pedir autógrafo para uma pessoa, do jeitinho dele. Aí eu disse: ‘vem cá, sei que queres um autógrafo e me dar um cheiro’. E ele disse: ‘é tudo isso que eu quero’, todo carinhoso, me abraçou e disse ‘que voz, mulher, você tem, e que lindas as suas músicas’. O David Byrne elogiou a banda, e disse que a rouquidão da minha voz lembrava as cantoras de jazz. Fiquei um pouco ‘empavonada’. Depois volto à realidade, quero estar sempre neste patamar”, lembra.

Sobre toda essa badalação, inclusive vários artigos elogiosos na imprensa internacional, e os show no exterior, Dona Onete responde: “Estou quietinha no meu canto, só observando, curtindo devagarinho, ainda não caiu totalmente a ficha e eu não quero que caia. Deixa ficar como está, não se mexe numa panela que está fervendo, não se joga água, né meu amor?”.

Capa da "Songlines"

A estrela amazônica brilha na capa da "Songlines"
A estrela amazônica brilha na capa da "Songlines" Reprodução

Dona Onete é capa da última edição da revista britânica de "world music" "Songlines", a mais importante publicação do gênero, distribuída para mais de 60 países. A manchete é "A vivaz estrela da Amazônia", e o CD "Banzeiro" ocupa o primeio lugar da parada mensal da revista. O disco também está em 16° lugar na parada mundial de "world music".

As composições da artista surgem por acaso, espontaneamente. “Hoje eu estava tomando café e precisava de uma música de boi bumbá para o meu próximo CD. Eu comecei a rimar e fiz a sonoridade batendo na mesa, já estava pronta. Eu faço rápido. Não uso celular, computador, para a minha cabeça não ficar paralisada naquilo. A minha cultura é outra.”

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