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A Semana na Imprensa

Esperanto sobrevive cem anos após morte de seu criador

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Há um século morria Ludwik Zamenhof. O pai do esperanto, ao inventar uma língua falada hoje por milhares de pessoas em mais de cem países, deixou uma herança e, sobretudo, uma ambição, a de um mundo pacífico, onde os homens se entenderiam sem conflitos, graças a uma língua comum. Uma intenção louvável, mas difícil de ser concretizada, como prova a história.

Ludwik Zamenhof (1859-1917), criador do esperanto.
Ludwik Zamenhof (1859-1917), criador do esperanto. Ảnh : Wikicommons/Association mondiale d'espéranto
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A imprensa francesa, como a revista Le Point, faz um balanço sobre esta língua artificial, lembrando que até o Google inclui o esperanto no seu serviço de tradução online. Em 2016, o 101° congresso anual reuniu em Nitri, na Eslováquia, cerca de 1.400 participantes de 60 países.

Zamenhof era médico oftalmologista, nascido em Bialystok (atualmente na Polônia), no final do século 19. Apesar de não ser conhecido do grande público, a Unesco inscreveu o centenário de sua morte na lista das comemorações importantes de 2017.

Ele tinha menos de 30 anos quando, em 1887, usando o pseudônimo de “Doktoro Esperanto”, publica o livro “Unua Libro”. Literalmente, “o primeiro livro”, aquele que comporta 16 regras fundamentais e um léxico da língua universal que Ludwik Zamenhof pretendia desenvolver.

Uma língua como elo de paz

Em sua Bialystok natal, Zamenhof vivenciou as divisões entre as comunidades judia, russa, alemã e polonesa. Com o seu livro, o médico sonhava em concretizar a paz. A princípio, entre esses grupos específicos, mas também entre os países.

Chamado de “majstro” (mestre) pelos esperantistas, Ludwik Zamenhof criou uma língua que se aprende rapidamente graças à lógica, à dedução e que não tem “exceções à regra”. Um gênio para uns, idealista, para outros.

Os esperantistas afirmam serem mais de dois milhões, mesmo se apenas alguns milhares falem a língua fluentemente. Atualmente, muitos sinais parecem indicar que o momento é propício para a expansão da língua.

Internet favorece expansão do esperanto

“Em primeiro lugar, o desenvolvimento da internet facilita as trocas e permite o aumento da nossa comunidade”, explica Mireille Grosjean, presidente da liga internacional de professores de esperanto e co-presidente da sociedade suíça de esperanto. “Em seguida, há os cursos pela internet, pelo celular, que facilitam ainda mais o aprendizado”.
Grosjean afirma que são mais de 800 mil pessoas inscritas em esperanto na plataforma de cursos gratuitos Duolingo. Outra prova do sucesso do idioma é o lançamento, no ano passado, de uma versão em espanhol, além da primeira em inglês, para se aprender o esperanto.

Além dos argumentos técnicos, o funcionamento e as orientações dos movimentos sociais modernos seriam outros fatores de impulso para o esperanto. Segundo Mireille Grosjean, o idioma atrai “alternativos, ecologistas e fóruns sociais – pessoas que representam a sociedade civil e querem ter o controle de suas vidas”, pois não confiam mais nos governos e querem se organizar de maneira transnacional. O esperanto, diz a professora, permite às pessoas dialogar diretamente. “É uma época muito favorável para o esperanto”, afirma.

A presidente da liga internacional de professores de esperanto leva as reivindicações dos esperantistas aos corredores das instituições internacionais. Ela julga que a língua de Zamenhof reflete os objetivos do Unicef, “de uma grande família humana, que compartilha o saber e a paz”. A ONU aliás, reconhece oficialmente a Associação Universal de Esperanto.

Fugir da dominação imposta pela língua

Esse sonho de transnacionalidade passa por cima dos Estados, que não se empenham o bastante para permitir o desenvolvimento do esperanto, segundo as pessoas que falam a língua. “Os chefes de Estado não querem que as pessoas se comuniquem entre si”, afirma, desconfiada, Mireille Grosjean. “E, a nível diplomático, eles preferem falar por meio de intérpretes, pois se houver algum mal-entendido, são estes que vão levar a culpa”.

O objetivo dos esperantistas é sair dos sistemas de dominação impostos pela língua. Durante muito tempo, foi a Igreja Católica quem dominava o mundo ocidental, graças ao latim. Atualmente são os países de língua inglesa, principalmente os Estados Unidos, que praticam um imperialismo idiomático. Uma discriminação para pessoas que não dominam a língua de Shakespeare, lamentam os esperantistas.

Idealismo em excesso?

O esperanto se inspirou principalmente no vocabulário e alfabeto do latim. Mas alguns linguistas críticos do idioma não se convencem. “É uma tentativa interessante, mas é idealista demais”, julga Fabrice Jejcic, do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS), da França. “Os tradutores automáticos online estão longes da perfeição, mas bastam para a compreensão mútua”, afirma.

“A sobrevivência das línguas regionais prova que as pessoas são muito ligadas à suas culturas e um idioma se desenvolve justamente ligado a uma cultura, a uma história”, diz Jejcic. Ele observa ainda que a expansão do esperanto também é limitada porque nenhuma elite fala o idioma fluentemente, carecendo de poder e organização suficientes para se impor. Jejcic lembra que “a experiência sempre mostrou que é a língua dos dominantes que se impõe”.

Empoderamento pelo esperanto

E se o esperanto virar a língua dos que não têm poder? Arnaud Jouve, jornalista da RFI, conta uma anedota. Durante um encontro anual de povos autóctones na ONU, um siberiano chegou da distante tundra do norte da Rússia para representar seu povo. Ele falava poucas palavras em russo, não o bastante para se comunicar. Um jovem tuaregue (povo seminômade de pastores da região do Saara e norte da África) serviu de tradutor usando o esperanto, língua que o siberiano aprende de etnólogos. Prova que se o esperanto não se tornou o meio de comunicação universal sonhado por Zamenhof, pode sempre servir de elo de união entre as pessoas.

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