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Saúde em dia

Uso prolongado de lâmpadas LED pode danificar retina, aponta relatório

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A luz azul do dispositivo também altera o relógio biológico e prejudica o sono, aponta documento divulgado em maio pela Agência Nacional de Segurança Sanitaria francesa.

A pesquisadora Alicia Torriglia em seu laboratorio na Faculdade de Medicina de Paris
A pesquisadora Alicia Torriglia em seu laboratorio na Faculdade de Medicina de Paris (Foto: Taissa Stivanin/RFI Brasil)
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As lâmpadas LED (sigla em inglês para “diodos emissores de luz”) azuis, no início dos anos 90, são uma grande invenção que permitiram criar luz artificial com menos gasto energético e mais durabilidade. O trabalho que levou à sua criação rendeu o prêmio Nobel de Física em 2014 a três cientistas japoneses: Isamu Akasaki, Hiroshi Amano e Shuji Nakamura.

Mas, apesar das LED terem contribuído para preservar o meio-ambiente, pesquisadores alertam para o perigo que elas podem representar para a visão. Há cerca de duas semanas, a Anses (Agência Nacional de Segurança Sanitária, Alimentação, Meio-Ambiente e Trabalho), na França, publicou uma recomendação alertando para os riscos dessas lâmpadas para a saúde em caso de excesso de exposição.

A preconização é privilegiar as LED “branco quente”, abaixo de 3.300 kelvins (temperatura de cor) e restringir as lâmpadas do tipo 2, usadas nos faróis de carro, por exemplo, ao consumo. Dois pontos essenciais são citados no documento: a toxicidade da luz chamada luz azul na retina e a perturbação do relógio biológico e do ciclo do sono, provocada pela exposição noturna, questão que já havia sido discutida em outro relatório, apresentado em 2010.

Desde então, novos estudos mostraram que as lâmpadas LED podem ter um efeito tóxico para os olhos a curto prazo em caso de “exposição violenta”. Mas, além disso, a exposição a longo prazo aumenta o risco de Degeneração Macular. Trata-se de uma doença grave, que provoca uma perda gradual da visão, provocada pela deterioração da porção central da retina. O risco maior, aponta o estudo, envolve o uso excessivo de celulares, computadores e tablets.

A diretora de pesquisa do Inserm (Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica), Alicia Torriglia, estuda os efeitos da toxicidade da luz artificial na visão em seu laboratório na Faculdade de Medicina de Paris, no 6° distrito. Ela participou do grupo de trabalho formado pela agência francesa que definiu as novas recomendações de uso das lâmpadas. Para isso, durante quatro anos, eles revisaram todos os estudos publicados sobre o tema.

Ela está convencida de que as lâmpadas azuis LED afetam microscopicamente a retina. “O grande problema da luz azul, e da luz em geral, é o tempo de exposição. Esse é a grande questão, que conhecemos e estudamos há bastante tempo”, diz a pesquisadora.

“Sabemos muito bem que a luz azul é muito energética, sabemos muito bem que as células da retina terão dificuldades em gerenciar toda essa energia, comparada a uma luz menos potente. A questão é saber em qual medida isso poderia atingir o homem, e a partir de qual quantidade de exposição”, declarou.

Retina tem relógio biológico próprio

Ao realizar seus estudos, a equipe da pesquisadora levantou diversas questões. Uma delas é que as normas adotadas relativas à toxicidade das lâmpadas sempre foram determinadas por físicos, mas o assunto é principalmente da alçada de biologistas.

Segundo Torriglia, não havia comunicação entre as duas áreas. A médica então passou a trabalhar com físicos em suas análises em ratos para determinar a quantidade de luz e a construção dos aparelhos utilizados nas pesquisas. Outra variável levada em conta foi como a luz afetava o ritmo circadiano, ou relógio biológico, da retina -cada órgão segue um ritmo específico.

“Os organismos na Terra foram submetidos a algo constante e importante que é a variação do Sol. Eles não funcionam da mesma maneira de dia e de noite. Isso vale para a visão e para o resto, como a temperatura corporal, por exemplo”, diz. Os animais e o homem, diz, tiveram que se adaptar a essa variação em sua evolução.

O relógio biológico é a antecipação desse fenômeno: o organismo sabe qual é a hora de se alimentar ou dormir e se prepara para isso. A retina segue essa regra, explica a pesquisadora, e se adaptou a conviver com 100 000 lux de luz do sol durante o dia e à luz da lua. O resultado é que o órgão diminuiu sua sensibilidade de dia e a aumentou à noite para que o homem pudesse enxergar melhor.

“Da mesma maneira que a sensibilidade à luz muda, a fotossensibilidade também. De dia somos mais resistentes à luz do que noite. E quando usamos luz artificial azul? De noite. Isso nunca foi feito na história da Humanidade. Até o surgimento das LED, usávamos a luz vermelha, como o fogo, a vela, as lâmpadas incandescentes”, exemplifica.

Em resumo, essa é a primeira vez na história que o olho humano é submetido a uma de forte intensidade à noite, quando é mais fotossensível. Todos esses elementos, cruzados com diversos estudos, levaram o grupo de trabalho da agência francesa a pedir prudência com o uso da luz azul das LED.

Incidência precoce de doenças

“O que pensamos, porque ainda não foi demonstrado, é que teremos uma incidência mais precoce de doenças ligadas à idade. Entre elas, a Degeneração Macular. Porque vamos esgotar os recursos de reparação da retina, a submetendo de noite a uma luz de forte energia", explica Torriglia;

Uma afirmação, ressalta, que só poderá ser feita dentro de muitas décadas, depois da confirmação pelas pesquisas. A questão é que, na avaliação dos riscos, é preciso alertar a população sobre o problema. “Pensamos que é necessário tomar precauções agora para evitar que dentro de 20 ou 30 anos tenhamos casos de Degeneração Macular aos 50 anos”.

No laboratório da Faculdade de Medicina, a equipe de Alicia Torriglia fez experiências em ratos que constataram alterações nas células das retinas dos animais. Ela lembra que os resultados não podem ser aplicados em humanos, mas é possível imaginar o que acontecerá em breve com o olho do homem dentro de vários anos. Estudos feitos com primatas em outros países, ressalta, mostraram conclusões similares.

Crianças são mais sensiveis

Outra preocupação, diz, é em relação às crianças de hoje, que crescem expostas às telas de computador e tablets. Com o envelhecimento, o cristalino, que focaliza a luz que entra no olho e define a imagem formada na retina, se torna amarelo, absorvendo mais luz azul - é um processo fisiológico da membrana, que acumula foto-produtos dessa coloração.

Desta forma, a velha geração está mais protegida da luz azul das lâmpadas LED e telas em relação às crianças e adolescentes. “Nas crianças, toda essa luz azul emitida pelas LED vai passar na retina. Para as crianças é dramático. Por isso nas recomendações emitidas pela agência, que é preciso protegê-las".

Para isso, é preciso priorizar lâmpadas quentes ou frias, evitar decoração com luz azul e diminuir à exposição às telas, que alteram o ritmo circadiano e afetam a retina, alerta a agência francesa. A pesquisadora também lembra que, quanto menor a superfície e a distância, maior a quantidade de luz. Pela lógica, celulares são mais nocivos que tablets, PCs e TVs. Infelizmente, os filtros usados nos óculos para diminuir a absorção de luz azul são pouco eficazes, aponta o relatório. Outras recomendações são privilegiar luzes de temperatura de cores fracas, como amarelas e a iluminação indireta.

 

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