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Saúde em dia

Desigualdade social afeta saúde dos franceses mais pobres, mostra pesquisa

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Até que ponto o fato de pertencer a uma classe social pode influenciar os hábitos e consequentemente o bem-estar físico? Este é o tema de um relatório publicado recentemente por um grupo de pesquisadores do Inserm, o Instituto Nacional francês de Pesquisa Médica e Saúde.

Operarios em Saint Nazaire, na França, em 2014
Operarios em Saint Nazaire, na França, em 2014 LOIC VENANCE / AFP
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Uma das conclusões do documento é que, na França, mais do que em outros países da Europa, a condição social gera desigualdade na saúde. O documento mostra que a situação socioecônomica, avaliada em parâmetros como a faixa salarial, o nível de educação e a situação profissional, tem um efeito direto na mortalidade e na aparição de doenças crônicas.

Entre elas, o diabetes, a obesidade, os problemas cardiovasculares e principalmente o câncer, como explica o pesquisador do instituto francês, Cyrille Delpierre. Ele coordena uma equipe do Inserm que estuda as consequências das desigualdades sociais sobre a saúde.

Segundo ele, a falta de mobilidade social na França é cultural e faz com que uma criança que nasça em uma família mais pobre, por exemplo, dificilmente possa ter ascensão de classe. Desde cedo, ela não terá, dessa forma, as mesmas oportunidades educacionais e, consequentemente, de emprego.

As atividades profissionais fisicamente mais difíceis vão favorecer o aparecimento de diversas doenças. “A França se caracteriza por uma esperança de vida mais elevada, mas há muitas diferenças em função das características sociais, como entre operários e executivos, e isso não melhora com o tempo”, diz.

O relatório do instituto mostra que, na faixa dos 35 anos de idade, a esperança de vida de um operário na França é de seis anos menor do que a de um executivo. Vários fatores explicam essa diferença: além da alimentação e da atividade física, também há as condições de trabalho, que expõem os assalariados mais pobres a produtos químicos e horários em turnos, por exemplo.

O pesquisador francês Cyrille Delpierre dá como exemplo o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA), coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O documento cita a França como o pais da Europa que mais reproduz as desigualdades sociais. “Se você é filho de operário, terá mais chance de se tornar operário quando crescer que todos seus vizinhos europeus”, declara.

A esses aspectos sociais se somam um alto consumo de tabaco característico dos franceses, que favorecem a aparição de diferentes cânceres que atingem, diz o epidemiologista, principalmente a parcela mais pobre da população.

“Temos desigualdades que são reduzidas com as redistribuição financiada pelos impostos, mas as diferenças educacionais não diminuem e se reproduzem de geração a geração. Isso tem um impacto sobre o comportamento e sobre a saúde”, afirma. Este é o trabalho da equipe de Cyrille Delpierre: analisar, desde a gravidez e do início da vida, na infância, fatores que favorecem ou não a saúde.

“Uma das dificuldades da França é que, durante muito tempo, o país não olhou de frente para suas desigualdades. Existe essa noção de República, de que somos todos iguais. Se todos somos iguais, não é necessário implantar ações para aqueles que têm menos sorte do que os outros. Expondo essa desigualdade, pensamos que talvez tenhamos que ajudar mais aqueles que têm menos e dar menos àqueles que têm mais”, diz. “Nossa sociedade é baseada na noção de igualdade, mas não de equidade”, observa o pesquisador. “Se damos as mesmas vantagens para todos, quem tem mais desde o início vai continuar em vantagem”, conclui.

Café da manhã para alunos pobres

Medidas pontuais para situações urgentes, diz, são bem-vindas, como a proposta do governo de oferecer o café da manhã de graça para crianças que moram em bairros e regiões mais pobres. Ou ainda propor atividades esportivas gratuitas. Os franceses que ganham menos tendem fazer menos exercício e comer de maneira mais desequilibrada, explica o pesquisador.

Esses hábitos, gerados pelo próprio meio, começam na infância, continuam a adolescência e se manterão na terceira idade, trazem consequências diretas para o organismo e a saúde. “Em relação à alimentação, há um outro elemento: em função do dinheiro, você não poderá comprar o mesmo tipo de produto que os outros. Os produtos menos caros são mais calóricos e não são bons para a saúde”, explica. “Quanto mais você é exposto aos riscos ambientais, morando em casas insalubres ou comendo produtos com pesticidas, maior é o risco.”

Na França, a mortalidade entre operários de menos de 65 anos é maior em relação aos executivos. A obesidade também é 3,65% mais frequente entre os franceses que ganham menos de € 900 por mês, comparados àqueles com salários acima de € 5300 mensais, que consomem, de uma maneira geral, mais frutas e legumes. Entre os mais pobres, existem sérios riscos nutricionais associados, principalmente, ao baixo consumo de leite e proteínas – produtos de custo mais elevado.

Educação determina empregabilidade

Em relação à atividade física, a tendência é que franceses com salários mais altos pratiquem mais esportes no tempo livre, principalmente pelo custo que representa frequentar uma associação ou academia, por exemplo. De maneira geral, diversos estudos concluem que existe uma associação entre o nível educacional e o modo de vida. Isso porque a formação determina a empregabilidade.

Desta forma, o individuo pode recusar trabalho, por exemplo, que possa ser prejudicial à saúde. Além disso, a educação à alimentação e à importância da atividade física terá um papel importante na prevenção dos maus hábitos e das doenças. A conclusão, diz o pesquisador, é implantar ações desde cedo. O café da manhã gratuito é uma pista, mas a educação dos pais também é fundamental.

Franceses pobres têm mais dificuldade em seguir tratamentos

O acesso à saúde, ainda que generalizado na França, também é foco de desigualdades, lembra o epidemiologista. Muitos pacientes acabam protelando a ida ao médico para evitar o pagamento da consulta, que é reembolsada, muitas vezes, alguns dias depois. Além disso, seguir um tratamento é mais difícil para a população menos favorecida. “Tomar um remédio é complicado quando você precisa se levantar às 5h da manhã para ir trabalhar na fábrica, quando você não está em casa, ou na estrada. Em função de sua profissão, é extremamente difícil tomar os medicamentos da maneira correta, ou se alimentar da maneira correta”, declara. Aspectos que vão influenciar a saúde a médio e longo prazo.

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