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Saúde em dia

França: impacto das ferramentas digitais no cérebro desafia pesquisadores

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Qual o impacto do uso das telas no cérebro ? Desde que os computadores e os celulares invadiram nosso cotidiano, os cientistas tentam identificar os efeitos dessa exposição em adultos e, principalmente, crianças. Na França, um movimento formado por neurocientistas, psicólogos, médicos e outros profissionais se dedica ao assunto e também tenta alertar a população sobre a necessidade de aprender a utilizar as novas tecnologias para evitar consequências nefastas.

Conferência do Instituto de Pesquisas Médicas na França discutiu efeitos das telas no cérebro
Conferência do Instituto de Pesquisas Médicas na França discutiu efeitos das telas no cérebro (Foto: Taissa Stivanin/RFI Brasil)
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O assunto foi tema de uma conferência promovida em setembro pelo Inserm (Instituto Nacional da Ciência e da Pesquisa Médica), na Cité des Sciences (Cidade da Ciência em tradução livre), no 19 ° distrito da capital. O encontro reuniu três profissionais, entre ele o psiquiatra francês Serge Tisseron. Autor de diversos livros sobre o tema, ele criou uma ONG, batizada de 3-6-9-12, para informar pais e profissionais da educação.

Os números se referem às idades consideradas cruciais para o desenvolvimento cerebral e cognitivo. Antes dos três anos, sublinha o especialista, nenhuma criança deveria ter acesso à TV ou a outras ferramentas digitais. Nessa fase, explica, totalmente sensorial, o bebê precisa do contato direto com os pais e as telas prejudicam a construção dessa relação. Aos seis anos, a criança aprende a escrever, aos nove, começa a entrar na pré-adolescência, aos 12 ganha em autonomia mas deve saber se defender dos perigos que rondam a internet, como a pornografia infantil, por exemplo.

“Há dez anos, novos dispositivos, como tablets e celulares, começaram a aparecer dentro das famílias. Inicialmente os pais não se preocuparam muito, mas perceberam que seus filhos usavam muito essas ferramentas e isso mudava o comportamento delas. As crianças apresentavam dificuldades de relacionamento e linguagem. Assim surgiu nosso movimento, que visa sensibilizar os pais sobre como utilizar as telas, de maneira educativa”, explica o psiquiatra francês. O objetivo não é banir os dispositivos, mas usa-los com parcimônia, de forma a estimular o aprendizado.

Em 2008, Serge Tisseron formou uma equipe que orienta pais e escolas. “Os pais devem escolher com as crianças programas de qualidade, conversar com eles sobre o que assistem, para estimular a chamada competência narrativa – saber contar o que fazem. Insistimos também sobre o uso de práticas criativas, principalmente a partir dos seis anos”, diz o psiquiatra. A questão também envolve a forma como os pais utilizam as telas. Eles mesmos devem limitar o uso do celular, por exemplo.

“Quando o pai ou a mãe entra no quarto no bebê segurando o celular, a criança não vai olhar para os pais, mas para o telefone. Então ele interioriza rapidamente que o telefone é um objeto formidável, e quando vê o celular em cima de uma prateleira, se joga em cima. Não porque tenha uma noção do uso que o celular possa ter, mas porque percebe a importância que os pais dão para o objeto”, explica o psiquiatra.

Telas privam bebês do toque

Além do aspecto comportamental, a Ciência agora busca entender em termos fisiológicos os efeitos que as telas provocam no cérebro de adultos e crianças. Os estudos ainda estão começando, mas algumas constatações já podem ser feitas. No caso de bebês até 3 anos, sabe-se que o estímulo dos cinco sentidos é necessário para um desenvolvimento cerebral normal. As telas solicitam a visão e a audição, privando uma criança que abusa do seu uso da interação com outro humano, do toque.

Segundo o psiquiatra, o uso indiscriminado dos dispositivos digitais provoca nas crianças problemas de motricidade, que se traduz pela incapacidade de utilizar os dez dedos da mão, de compreensão da noção espaço-tempo, de concentração, de sono e de construção da empatia. As consequências a longo prazo ainda são desconhecidas dos cientistas.

A maioria dos problemas é reversível, mas necessita de um acompanhamento profissional. E no cérebro de um adulto? De acordo com o Serge Tisseron, tudo depende do tempo diante das telas, que em excesso pode se tornar um freio à vida afetiva, amorosa e profissional.

Sistema de recompensa

As redes sociais, diz Serge Tisseron, são um bom exemplo. O psiquiatra diz que, quando surgiram, a ideia das redes partia de um bom princípio: conectar as pessoas. Infelizmente, ressalta, evoluiu para um modelo mercantilista, onde tudo é feito para que as interações levem seus usuários a fornecer cada vez mais informações sobre seus interesses. Dados que são coletados, estocados e que valem ouro.

As empresas que gerenciam as redes sociais, diz, incitam os internautas a passarem o maior tempo possível nos sites. O objetivo é gerar dependência, recorrendo a uma química cerebral bem conhecida dos pesquisadores. Ao ganhar um “like” no Facebook, o cérebro ativa o chamado sistema de recompensa no usuário, que não pode evitar a tentação de buscar outros “likes” no site e de passar cada vez mais tempo. De acordo com o psiquiatra, o problema surge quando o internauta compete com outros usuários para obter mais aprovação, fãs e comentários, o que o leva a ficar cada mais tempo conectado.

Perda de memória

O engenheiro de computação e especialista em Inteligência Artificial Jean-Gabriel Ganascia questiona o efeito do que chama de “memória externa”, como se refere às telas e suportes tecnológicos, no cérebro humano. Segundo ele, sem negar as consequências provocadas pelo excesso, a internet e os dispositivos digitais permitiram um acumulo do conhecimento nunca antes imaginado na história da humanidade. “Como dizia Platão, internet é um pharmakon, um remédio. Desse ponto de vista, positivo, a rede nos ajuda a curar os defeitos da nossa memória. Mas também pode ser um veneno, destruindo essa mesma memória”, diz Ganascia.

De acordo com ele, as tecnologias de informação possibilitam aos pesquisadores irem cada vez mais longe em seus estudos. “ Não sou um entusiasta das novas tecnologias, mas é preciso observa-las de maneira serena. Não ser positivo demais, porque elas envolvem, claro, alguns riscos. O excesso de solicitações cognitivas, por exemplo, pode prejudicar nossa capacidade de atenção. Fazer muitas coisas ao mesmo tempo pode, claro, ter consequências negativas. Passamos menos tempo em apenas uma tarefa. Seria preciso medir a evolução da nossa cognição. Mas os testes que existem não são pertinentes, principalmente na avaliação da memória”, conclui.

 

 

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