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Saúde em dia

Governo francês lança plano nacional contra doença de Lyme

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A doença de Lyme é um mal que atinge mais de um milhão de pessoas em toda a Europa. Ela tem esse nome em homenagem à cidade americana Old Lyme, onde um caso foi descrito pela primeira vez, em 1975, depois de uma misteriosa epidemia de artrite inflamatória infantil. Na França, a dificuldade em diagnosticar o mal transforma a vida dos pacientes em um verdadeiro calvário.

Foto da espécie de carrapato que pode transmitir a doença de Lyme
Foto da espécie de carrapato que pode transmitir a doença de Lyme AFP/BERTRAND GUAY
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Transmitida pelo carrapato infectado pela bactéria Borrelia, a doença de Lyme provoca uma grave infecção, que pode permanecer silenciosa por anos, até desencadear uma série de sintomas, como cansaço, dores musculares, problemas digestivos e violentas dores de cabeça.

É um mal-estar misterioso, que em geral demora anos para ser diagnosticado, já que pode estar associado a diferentes patologias. Para que possa ser tratado, o paciente deve se submeter a um exame de sangue para detectar anticorpos – isso se o médico suspeitar da doença, que, se detectada no início, na maior parte dos casos tem cura.

O problema, como explica a pesquisadora Muriel Vayssier-Taussat, do instituto francês Inra, é que ainda existem muitos resultados falsos negativos com os dois testes disponíveis no mercado. "A suspeita é de que haja um número bem maior de casos do que os 30 mil por mês estimados no país. Mas é preciso demonstrar isso, e estudos estão sendo feitos nesse sentido. Não sei se há uma epidemia, mas com certeza existe uma conscientização do poder público e uma forte atuação das associações que denunciam os problemas ligados às doenças transmitidas pelos carrapatos", diz.

Além disso, diz a pesquisadora, os cientistas estão descobrindo que essa mesma espécie de carrapato, Ixodes ricinus, pode transmitir outras bactérias que causam doenças com sintomas parecidos. Esses microorganismos, diz, ainda estão sendo catalogados. "Sabemos que há 40 espécies de parasitas, vírus e bactérias que podem ser transmitidos por esse carrapato. Recentemente, demonstramos isso no laboratório, que pode haver uma infecção paralela, com outros sintomas, que não são os mesmos da doença de Lyme, por causa dessa co-infecção".

A doença de Lyme é típica de países temperados, por isso não existe no Brasil, explica Eric Caumes, chefe do serviço de doenças infeciosas do hospital francês Pitié La Salpetrière - o clima tropical impede a bactéria de se reproduzir.  Na França, o risco de contrair o mal é maior na Alsácia, no leste de país, e em Limousin, no centro. Os parques da região parisiense e a própria Paris também abrigam o hospedeiro em suas folhagens e arbustos. O carrapato, aliás, é diferente daquele encontrado em cães, gatos e outros animais.

“Nem toda pessoa mordida por um carrapato corre o risco de desenvolver a doença”, diz Caumes. Para preveni-la, o melhor é evitar o contato com o vetor. É possível pegar a doença em um simples passeio no parque e o jeito é, mesmo com o calor, usar roupas compridas e repelente, e tentar, na medida do possível, evitar que o carrapato entre na pele. Mas a prevenção é difícil, reconhece Caumes, que dá outros conselhos. “É recomendável também colocar as calças dentro das botas, para evitar que os carrapatos subam nas pernas, colocar um chapéu para que eles também não caiam na cabeça”, explica.

Mal crônico não é reconhecido na França

Depois da picada, é necessário tomar três semanas de antibióticos, que podem ser prolongadas. Em alguns casos, o mal se torna crônico, mas oficialmente ele ainda não é reconhecido pelo sistema de saúde francês, o que complica a vida dos pacientes, que acabam sem acesso a tratamento e aos reembolsos previstos para outras doenças.

É o que explica a presidente da Associação Lyme Sem Fronteiras, Marie Claude Perrin, ex-professora de Letras que viu sua vida sofrer uma reviravolta depois de contrair a bactéria. Moradora de Strasbourg, seu médico decidiu pedir um teste depois de dois anos em que sua paciente descrevia violentas dores no corpo e um cansaço que a levaram a tirar uma licença médica de seis meses e antecipar sua aposentadoria.

"Deu positivo nos dois testes. Tomei antibióticos na veia por três semanas e meus sintomas desapareceram. No hospital da minha região, pedi novos exames e me mandaram embora dizendo que depois do tratamento, não haveria problema. Não acreditei muito, porque depois de entrar em contato com outros pacientes, sabia que a doença podia se tornar crônica", declara. "Foi o que aconteceu. Dois meses depois tive uma recaída e voltei praticamente ao mesmo estado."

Durante quatro anos, de recaída em recaída, ela teve que procurar um médico que aceitasse tratá-la e receitar mais antibiótico (tratamentos de longa duração exigem autorização da seguridade social francesa). Em Paris, ela buscou ajuda junto ao Chronimed, grupo de pesquisa gerenciado por ninguém menos que o professor Luc Montaigner, um dos laureados do Nobel de Medicina em 2008 pela descoberta do HIV, o vírus da Aids. Maria Claude começou a melhorar, considera-se curada desde 2014, mas sabe que pode ter outra recaída a qualquer momento. "Tem casos muito mais graves. Eu fiquei em um estado 'suportável', o que eu sentia, principalmente, era exaustão".

Governo francês lança plano

No final de setembro, o governo francês dará um primeiro passo para mudar esse quadro e melhorar a vida dos pacientes, lançando um Plano Nacional contra a doença de Lyme. Um avanço tímido, mas que traz esperanças para os doentes. "Alguns médicos são perseguidos e obrigados e reembolsar o governo pelos remédios receitados a seus pacientes. É um escândalo", declara.

 

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