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Sínodo da Amazônia

Povos da floresta exigem respostas concretas da Igreja Católica para a Amazônia

Os povos indígenas, ribeirinhos e as comunidades religiosas que atuam na região amazônica consideram o Sínodo da Amazônia, que teve início neste domingo (6) no Vaticano, uma oportunidade inédita para promover avanços na estrutura da Igreja Católica e reforçar seu papel na defesa dos que lutam pela defesa do meio ambiente.

Catedral Nossa Senhora da Conceição, em Manaus.
Catedral Nossa Senhora da Conceição, em Manaus. Foto: RFI / Elcio Ramalho
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Enviado especial a Manaus

Os moradores da vasta região Pan-Amazônica expressaram o desejo de que a Santa Sé dê respostas concretas e urgentes para as propostas de maior abertura e presença da Igreja Católica, e reforce o discurso de proteção das populações que se sentem fragilizadas e ameaçadas pelas políticas públicas ambientais.

A crise ambiental na Amazônia brasileira, provocada pelo aumento do número de queimadas na floresta tropical neste ano, amplificou o interesse pelo evento convocado em 2017 pelo papa Francisco. “Foi um ato profético”, defendem os fiéis católicos.  

Durante dois anos, cerca de 80 mil pessoas participaram das diversas assembleias, fóruns e encontros que resultaram na elaboração do documento pré-sinodal, que reúne as propostas discutidas pelas comunidades locais, com a ajuda de Ongs, líderes de outras religiões e cientistas.  “Dos 390 povos indígenas da região Pan-Amazônica, 179 estiveram presentes nos encontros, assembleias e reuniões para responder o primeiro documento de preparação para o Sínodo. Nenhum sínodo realizado até hoje teve tamanha participação da base. São mais de 1.200 páginas de síntese das discussões para a equipe pré-sinodal”, comemora o bispo Dom Edson Damian, de São Gabriel da Cachoeira, no Alto do Rio Negro, “a diocese mais indígena do Brasil”, ou seja, com o maior número de indígenas católicos do estado e a mais preservada da região amazônica com uma área de 293 mil km2.

“Aqui, como as distâncias são grandes, as madeireiras ainda não chegaram. Menos de 3% da floresta foi derrubada. Os povos indígenas estão conscientes de que são guardiães da Mãe Terra”, afirma.  

O Sínodo da Amazônia, o primeiro convocado pela Igreja para a região, é resultado também da disposição do papa franciscano de amplificar os desafios ambientais abordados na Encíclica Laudato Si (Louvado Seja), de 2015.

No documento, o sumo pontífice faz uma crítica contundente ao modelo de desenvolvimento econômico e posiciona a Igreja na defesa dos povos mais vulneráveis, que vivem nas regiões fragilizadas pela exploração de riquezas minerais e áreas desmatadas para o avanço do agronegócio.

"O Sínodo nos coloca em um momento histórico, único. Nunca antes se viu na Igreja algo parecido, nunca sentimos antes uma Igreja que caminha junto à periferia, junto aos povos que são considerados pelo sistema como um 'atrapalho' para o desenvolvimento. Muito pelo contrário, eles são sementes de solução. Uma solução milenar de equilíbrio de reciprocidade e cuidado mutuo com a mãe natureza. Então, o Sínodo nos coloca em um momento de buscar novos caminhos para a Igreja, e mais que isso, para uma ecologia integral”, diz o padre jesuíta espanhol Fernando López, coordenador da “equipe itinerante”, que reúne grupos de religiosos e leigos que percorrem comunidades isoladas e nas fronteiras da Amazônia.

Na missa de abertura do Sínodo, no domingo (6), o papa Francisco voltou a ressaltar sua preocupação com as queimadas na Amazônia e criticar os “novos colonialismos” na região.

O arcebispo auxiliar da Diocese de Manaus, Dom Luís Albuquerque, um dos 58 religiosos brasileiros a participar ativamente das discussões, explica que o Sínodo não tem um objetivo político, mas deixará uma mensagem para os líderes dos oito países e um território ultramarino que compõem o bioma amazônico (Brasil, Peru, Colômbia, Equador, Bolívia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa).

"Nós temos no Brasil questões difíceis em relação a isso (exploração ambiental). Então, a Igreja quer favorecer um diálogo entre instâncias governamentais, com as Ongs, e todos que querem, de algum modo, favorecer o desenvolvimento sustentável. Toda a reflexão que está sendo feito sobre ecologia é baseada em dados científicos. Gente muito competente está colaborando para que estas questões que dizem respeito ao meio ambiente. A Igreja não está questionando a soberania nacional dos países, não estamos em questões políticas, porque a gente acha que a democracia é importante para os países”, diz. 

Novos caminhos para evangelização

O Sínodo da Amazônia pretende ainda refletir sobre uma nova atuação da Igreja Católica na região, bastante afetada pelo avanço crescente das igrejas evangélicas e neopentecostais.

A ordenação de homens casados, novos ministérios para as mulheres e oficialização da “inculturação”, termo que designa a introdução de elementos das culturas indígenas nos rituais, estão entre as propostas encaminhadas pelo documento Instrumentum laboris, que serve de base para as três semanas de encontros no Vaticano, onde 184 bispos vão debater.

Para embasar as discussões, especialistas ambientais, organizações não-governamentais e líderes indígenas e de outras religiões foram convidados pelo papa a participar deste Sínodo.

Padre francês Robert Devalicourt, de 86 anos, defende a ordenação de homens casados para a região amazônica.
Padre francês Robert Devalicourt, de 86 anos, defende a ordenação de homens casados para a região amazônica. RFI/ Elcio Ramalho

O padre francês Robert Devalicourt, de 86 anos, que atua na Amazônia brasileira há mais de 40 anos, é coordenador da Pastoral Indígena na região de Manaus. Segundo ele, a Igreja deve rever sua presença na Amazônia, e promover uma “pastoral de presença” ao invés da “pastoral de visita”, como faz atualmente.

As últimas estatísticas do Censo brasileiro indicam um aumento progressivo de evangélicos no Amazonas. O número de fiéis era de 31% em 2010, um aumento em relação ao censo de 2000, que era de 21%. Mas o padre francês estima que entre os indígenas, a proporção é muito maior atualmente.

“Estima-se que 80% dos indígenas sejam evangélicos. Os católicos são poucos, uma minoria. Isso vem de vários fatores, precisa andar 12 horas de barco para chegar em uma comunidade no Alto do Rio Negro. Chegando lá tem um pastor, com sua mulher, que é professora, tem filhos. Tem uma ação direta. A Igreja Católica, não. Vai lá quando dá. Isso é um desafio que a gente colocou no Sínodo”, explica.

A irmã Joaninha, da Congregação Nossa Senhora da Imaculada Conceição, trabalha na tríplice fronteira BOLPEBRA, acrônimo para Bolívia, Peru e Bolívia, também está na lista dos participantes. Ela fez uma escala em Manaus antes de partir para Roma, onde vai participar das atividades paralelas na Casas Comum, ao lado do Vaticano. Sua mensagem é de reforçar o papel das mulheres na evangelização.

“Nas nossas igrejas, as mulheres estão na liderança. Padre é minoria, mas como temos uma história, o machismo na Igreja e no mundo, as mulheres estão ali num cantinho, mas elas estão muito ativas. Inclusive o Papa está convidando muitas mulheres para as reuniões no espaço sinodal. Isso é inédito e traz uma esperança muito grande”, afirma.

Padre da etnia Tuyuca, Justino Sarmento Rezende, de 58 anos, estima que a busca por um “rosto amazônico” para a Igreja vem de encontro à necessidade de valorizar as culturas locais e uma oportunidade de mostrar um novo papel de evangelização. 

"A Igreja continuou com uma fisionomia colonialista, não valorizando muito os agentes de pastorais. Aprova disso é que na Amazônia o clero é pouco, muitas regiões não têm religiosos indígenas, somos muito poucos. Isso também passa pelo processo de repensar. Por isso esse Sínodo é especial para nós, também porque anteriormente, em nenhum momento, nós tivemos uma palavra para sugerir, para expressar aquilo que nós víamos e sentíamos”, destaca o religioso, primeiro padre salesiano ordenado na comunidade de São Gabriel da Cachoeira. 

padre salesiano Justino Sarmento Rezende, um dos poucos padres indígenas da Amazônia.
padre salesiano Justino Sarmento Rezende, um dos poucos padres indígenas da Amazônia. Foto: RFI / Elcio Ramalho

"A Igreja se sente muito frágil. Há muito tempo a Igreja não consegue responder satisfatoriamente às comunidades católicas, pelo pouco número de funcionários, sacerdotes, fica reduzido o atendimento com qualidade. As Igrejas evangélicas são mais arrojadas, vão, ficam, e têm outro processo de formação das comunidades e dos pastores. Em pouco tempo, eles fazem formação básica fundamental, e vão constituindo as comunidades, nós demoramos séculos e séculos para tentar fazer nossos sonhos. Por isso também veio esse desafio de pensar como nós poderíamos responder de forma mais concreta a questão dos ministérios, do sacerdócio”, acrescenta.

Mensagem universal

Ao promover na sede da Santa Sé o Sínodo da Amazônia, o papa Francisco quer que o evento possa refletir, a partir de uma realidade local, temas capazes de enviar uma mensagem universal para toda a Igreja Católica, de acordo com o padre Ricardo Castro, coordenador do Itepes de Manaus, o Instituto de Teologia de formação de padres do Amazonas. 

“O que nós vivemos na Amazônia é o que vivem muitas Igrejas na África, na Ásia e muitos lugares no mundo. Nós estamos refletindo sobre temas que brotam de uma realidade local, mas que tem repercussões e relação com os desafios que a Igreja tem em muitos lugares”, resume.

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