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Planeta Verde

O mundo está mais verde, mas isso não é tão bom quanto parece

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Dados recolhidos de satélites da Nasa em duas décadas revelaram que as superfícies verdes aumentaram 5% de 2000 a 2017, o que significa ganhar uma área equivalente a uma Amazônia, em 17 anos. O planeta está cada vez mais verde – mas isso não necessariamente é uma boa notícia. A informação foi confundida por muitos céticos sobre as mudanças climáticas como um sinal de que o combate ao aquecimento global não passa de uma farsa dos “ecochatos”.

Bosque de Bialowieza, na Polônia, é uma das últimas florestas virgens da Europa.
Bosque de Bialowieza, na Polônia, é uma das últimas florestas virgens da Europa. REUTERS/Kacper Pempel /File Photo
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No entanto, a realidade é que o “esverdeamento” crescente dos últimos anos é um resultado direto da destruição acentuada das florestas, um dano ambiental que, além de irreparável, torna ainda mais difícil conter a elevação da temperatura global. Por quê? A RFI ouviu dois especialistas para entender a questão.

Para começar, a maior parte das áreas verdes surgiu pelo aumento da área cultivada, principalmente na Índia. “Temos, realmente, um aumento das áreas verdes, mas a maior parte desse aumento é das áreas de agricultura, pecuária, irrigação ou áreas que não eram cultivadas e passaram a ser, com novas tecnologias. É a substituição de um verde por outro”, explica doutor em ecologia Ben Hur Marimon Junior, pesquisador da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unimat) e especialista na floresta Amazônica. “Quando derrubamos florestas tropicais, as que mais têm sido convertidas em outros usos, aquela área vai ser usada de outra forma, também verde. Mas o que era uma floresta primária, intacta, passa a ser uma outra coisa, com menos qualidade.”

Reflorestamento não compensa o desmatamento

Outro fator que influencia – esse, mais positivo -, é a expansão do reflorestamento. Na China, a questão virou política de Estado para evitar a desertificação, com o projeto Grande Muralha Verde. Segundo a pesquisa, publicada na revista Nature Sustainability, 42% das novas áreas verdes no país asiático são resultado do replantio de florestas, que compensam, em parte, as emissões colossais de gases nocivos pelo maior poluidor do planeta.

O problema é que, por mais louvável que seja esse esforço, uma mata replantada jamais será como a original, ressalta o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) e do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas). “Em sua grande maioria, são florestas para uso comercial. Florestas simples, como dizemos, de baixa diversidade e de monoculturas de árvores para o uso da madeira”, sublinha Azevedo. “E o que também tem muito são áreas em regeneração: áreas que foram abandonadas, depois de serem desmatadas, e agora se regeneram naturalmente. Acontece muito nos países desenvolvidos, na Europa, num longo processo que pode levar 30 anos.”

Conforme a Nasa, uma das regiões onde houve maior alta da superfície verde é no extremo norte do planeta. Campos pobres em vegetação ocuparam espaços onde, antigamente, só havia neve.

Equilíbrio da temperatura global

A queda da superfície das florestas gera consequências diretas no equilíbrio da temperatura global, já que a produção de chuvas é atingida. A capacidade de uma grande árvore de transpirar é muito maior do que uma lavoura de cana de açúcar ou uma pastagem, ressalta Ben Hur, que trabalha há mais de 30 anos na maior floresta tropical do mundo.

“Pela maioria das árvores da Amazônia, por exemplo, nós temos um efeito muito maior de transpiração e umedecimento da atmosfera. É vapor de água sendo transferido do solo para atmosfera”, indica o especialista. “Para se ter uma ideia, uma arvore adulta, grande, tem capacidade de até mil litros de água por dia de transpiração. A meu ver, esse é um dos maiores serviços da Amazônia.”

A floresta amazônica ajuda na regulação térmica de todo o continente sul americano. Além disso, ela também desempenha o papel de um gigantesco filtro de ar, ao retirar o excesso de gás carbônico da atmosfera e devolver oxigênio.

“Até pouco tempo atrás, a Amazônia conseguia neutralizar todas as emissões anuais de gás carbônico da América do Sul. Esse efeito está diminuindo, porque a floresta tem um limite”, lamenta o pesquisador da Unimat.

Questionamento “perverso” da ciência ambiental

O questionamento da degradação ambiental acompanha a história dessa ciência, mas ganhou força com a ascensão de líderes populistas no mundo ocidental. Informações científicas são retiradas do contexto para fortalecer as teses segundo as quais as mudanças climáticas não existem.

Ao noticiar o estudo da Nasa, por exemplo, a emissora conservadora americana Fox News ressaltou como positivo o papel da atividade humana no aumento das áreas verdes. As explicações dos estudiosos sobre o quanto a atuação do homem é, na realidade, a causa original do problema, foram ignoradas.

“Enquanto estavam questionando com ciência, poderia fazer sentido. Mas o que vemos hoje é uma desonestidade intelectual, que é você distorcer dados ou até omiti-los, para falar sobre uma determinada tese – e é uma tese moralmente muito perversa, porque é um tema que ameaça a humanidade como um todo”, avalia Tasso Azevedo.

Apesar da sensação de caça às bruxas aos ambientalistas, Ben Hur Marimon Junior prefere ver o lado positivo das polêmicas: jamais se falou tanto sobre o meio ambiente. “Apesar das informações contrárias, negando a ciência e as descobertas científicas, a gente tem o debate – e é do conflito que surge o fogo, a luz. Dentro do debate, a gente consegue colocar as ideias.”

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