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Linha Direta

Renegociação do acordo sobre Itaipu não põe fim à crise política no Paraguai

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A crise política não dá trégua em Assunção, mesmo após o cancelamento do acordo sobre Itaipu entre o Brasil e o Paraguai que evitou a abertura do processo de impeachment do presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez. Agora um novo acordo precisará ser negociado, com riscos para ambos os países.

Brasil e Paraguai cancelaram o acordo sobre Itaipu que causou uma crise política em Assunção.
Brasil e Paraguai cancelaram o acordo sobre Itaipu que causou uma crise política em Assunção. NORBERTO DUARTE / AFP
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Márcio Resende, correspondente da RFI

Quando o processo de impeachment do presidente paraguaio, Mario Abdo Benítez, estava a ponto de ser deflagrado, o governo do Paraguai cancelou o acordo com o Brasil sobre Itaipu na quinta-feira (1°).

O risco de impeachment, por enquanto, foi afastado. Para isso, foi crucial a amizade entre os presidentes Jair Bolsonaro e Mario Abdo Benítez.

O Brasil concordou com o cancelamento do acordo para evitar a queda do presidente paraguaio. Mas o acordo considerado "uma traição à pátria" pela população do Paraguai é o pivô de uma crise política e um novo compromisso precisará ser negociado.

Amizade e pressão diplomática

O Brasil desempenhou um papel de amizade, mas também fez pressão diplomática, visando sempre que o presidente Mario Abdo continuasse no poder.

O governo paraguaio queria que o Brasil apoiasse a anulação do acordo com uma manifestação pública. Mas o governo brasileiro, embora estivesse a favor do cancelamento para salvar o presidente paraguaio, preferiu que a decisão fosse unilateral.

Para o Brasil, o acordo sobre Itaipu era positivo. Ou seja: Brasília queria o tratado, mas não queria que ele fosse o pretexto para retirar do poder o presidente Mario Abdo, um aliado do presidente Bolsonaro.

O presidente paraguaio anunciou o fim do acordo. Com isso, conseguiu desarticular o processo de destituição que começaria na mesma hora. No entanto, não conseguiu terminar com uma crise político-institucional.

Sem quebra da ordem democrática

O Itamaraty divulgou uma nota, aparentemente escrita pelo próprio chanceler Ernesto Araújo, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, na qual o Brasil fez uma sutil advertência. A nota diz que "o Brasil confia que o processo no Paraguai seja conduzido “sem quebra da ordem democrática" e recorda a chamada "cláusula democrática do Mercosul".

Ou seja: diplomaticamente, o Brasil adverte que um impeachment do presidente Mario Abdo poderia ser interpretado como "ruptura da ordem democrática" e que o Paraguai poderia ser suspenso do Mercosul. Isso já aconteceu em 2012, quando o então presidente Fernando Lugo foi destituído em apenas 36 horas.

A nota também ressalta a "inteira convergência" e a "excelente relação pessoal" entre os presidentes Jair Bolsonaro e Mario Abdo. E ainda afirma que o Brasil espera que essa relação possa prosseguir.

No Paraguai, um processo de impeachment pode demorar menos de 24 horas porque basta uma votação na Câmara de Deputados e outra no Senado. Na quinta-feira, a oposição a Mario Abado já contava com os votos para as duas votações.

Futuro do governo paraguaio

Se o presidente Mario Abdo já não tinha muita força política, agora tem menos ainda e ficou mais dependente do Brasil.

No Paraguai, não existe segundo turno. Mario Abdo ganhou com uma diferença de apenas 3,2 pontos e assumiu, há um ano, sem maioria no Congresso.

A crise política já tinha provocado a renúncia de quatro altos membros do governo, inclusive a do chanceler, Luis Castiglioni.

Outro que agora pode renunciar ou mesmo ser destituído é o vice-presidente paraguaio, Hugo Velázquez, acusado de acordos secretos para vender a energia mais barata a empresas brasileiras no Paraguai que, por sua vez, revenderiam essa energia mais cara a empresas no Brasil.

O presidente paraguaio terá de renegociar o acordo com o Brasil. Se não negociar um acordo favorável ao Paraguai, corre risco político.

Por outro lado, se o governo brasileiro ceder na negociação para ajudar o lado paraguaio, quem ficará mal é Jair Bolsonaro porque são os consumidores brasileiros que pagam a conta de energia mais barata para o Paraguai.

Se o acordo fechado em maio foi secreto, agora terá de ser mais do que transparente. Toda atenção agora estará em quem vai ceder e quem vai ganhar nessa negociação, com possíveis consequências para os dois governos.

O que está em jogo

Cada país tem direito a 50% da energia gerada por Itaipu. É a chamada "energia garantida". Mas o Paraguai não consome toda a energia gerada e revende ao Brasil essa energia chamada de "adicional".

Essa energia adicional abate a dívida que o Paraguai tem com o Brasil por ter construído Itaipu. Mas existe uma energia chamada de "excedente" que é aquela produzida acima da potência de Itaipu. Esse "excedente" acontece quando os reservatórios estão acima da sua capacidade devido às chuvas.

Essa energia excedente tem valor inferior à energia adicional porque não paga juros nem impostos. O Paraguai vem declarando como excedente a energia que é adicional. Com essa maquiagem, paga menos pela tarifas.  Fica com a energia mais barata e vende a adicional ao Brasil.

Mas o Brasil quer acabar com essa artimanha. Pelo acordo agora cancelado, o custo da energia para o Paraguai aumentaria em US$ 200 milhões por ano e, na conta dos consumidores paraguaios, isso representaria um aumento de 30% em média.

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