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Acordo UE e Mercosul não é motivo para ufanismo em queda de preços, diz ex-embaixador Graça Lima

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Após quase vinte anos de negociações, a União Europeia e os países do Mercosul fecharam o maior acordo entre blocos econômicos da história, que deve impulsionar fortemente o comércio entre as duas regiões. Juntas, elas representam cerca de 25% do Produto Interno Bruto Mundial, ou €18 trilhões, formando um mercado integrado de 780 milhões de pessoas. A RFI conversou sobre esse assunto com o diplomata José Graça Lima, ex-embaixador da missão do Brasil junto à UE.

O embaixador José Alfredo Graça Lima
O embaixador José Alfredo Graça Lima Valter Campanato/Agência Brasil
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O pacto, anunciado durante a cúpula do G20, no Japão, eliminará tarifas alfandegárias em quase todos os setores da economia entre a União Europeia, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Em 2018, os dois blocos negociaram cerca de € 88 bilhões.

“O Brasil e o Mercosul nunca estiveram isolados, nunca estiveram a margem do sistema multilateral de comércio. Em primeiro lugar, porque são membros da OMC e porque esses países puderam se integrar, ao longo dos anos, através da agricultura”, explica José Graça Lima. “Talvez pelo lado da indústria e serviços, em que houve muita perda de competitividade e produtividade por parte das nossas economias que o tempo foi desperdiçado. Esse esforço para concluir um acordo exitoso com a União Europeia vai certamente ter um impacto sobre esses setores que estavam mais divorciados”, acrescenta o embaixador que atuou nas negociações em Bruxelas entre 1999 e 2003, ano de apresentação da primeira oferta agrícola europeia.

Além de eliminar impostos na indústria e no setor agrícola, o tratado inclui serviços, compras públicas, barreiras técnicas ao comércio, medidas sanitárias e fitossanitárias.

O acordo permitirá ao Mercosul exportar 99 mil toneladas de carne bovina para a Europa, com uma tarifa preferencial de 7,5%. Em contrapartida, os impostos do Mercosul sobre vinho (27%), chocolate (20%), biscoitos (16 a 18%), refrigerantes (20 a 35%) ou azeitonas serão removidos. As tarifas sobre as importações de carros (35%), peças de reposição e produtos químicos (até 18%) também devem desaparecer.

Enquanto ambientalistas atacam as possíveis consequências do acordo para o clima, agricultores europeus reclamam da situação já frágil do setor, que passará a enfrentar novos concorrentes.

A fim de garantir que o acordo seja vantajoso para todos e acalmar produtores locais, a Comissão Europeia informou que a abertura do mercado para os produtos agrícolas do Mercosul estará sujeita a cotas, cuidadosamente gerenciadas, para não haver risco de nenhum artigo inundar o mercado europeu. Estão previstas, por exemplo, cotas de 180.000 toneladas para o açúcar e de 100.000 para as aves.

“Os produtos agrícolas considerados sensíveis estão sob regime de cotas. Outros estão sujeitos a preferências tarifárias, então isso não é livre comércio. De modo que é necessário não ser muito ufanista ou otimista com relação a ganhos de acesso no curto e no médio prazo”, afirma Graça Lima. “Alguns produtos serão liberalizados ao longo do tempo. Só então os consumidores do Mercosul poderão esperar produtos com preços mais baixos para queijos e vinhos, por exemplo”.

Com a vinculação do Brasil às chamadas redes globais de valor, o Ministério da Economia calcula que o pacto representará um aumento do PIB brasileiro de US$ 87,5 até US$ 125 bilhões, em 15 anos.

“Para isso o Brasil teria que obedecer a todas as cotas, tudo deveria seguir um percurso de aumento do comércio muito expressivo. Mas isso vai depender do desempenho das economias. Pois, quando a economia brasileira está aquecida, as exportações caem, uma vez que os produtores dirigem a sua produção para o mercado interno”, explica o diplomata brasileiro.  

“Certamente deve ter havido, ao longo do tempo, concessões por parte do Mercosul que vão ao encontro do discurso que o governo adotou de liberalizar, de reduzir custos e imposto é custo”.

Retomada do Mercosul

O novo acordo com a União Europeia poderá promover um rearranjo do Mercosul. O bloco nasceu como uma plataforma de integração competitiva das economias da região, mas, segundo explica Graça Lima, foi logo dominado por relações que estiveram, num período histórico recente, contaminadas por ideologia. Assim, conversas sobre integração logística, energética e aduaneira acabaram ficando de lado.

“O Mercosul se tornou um grande sucesso político, apesar de ter tido episódios muito negativos, mas de qualquer maneira permitiu aos países se coordenarem e manterem a paz e a segurança dentro das fronteiras. Esses são ganhos não comerciais. Do ponto de vista comercial, ele deixou muito a desejar, quando, a partir de 1998, produtos importantes ficaram fora da zona de livre comércio e outros mantiveram tarifas muito altas, que agora tendem a cair”, acredita.

“A minha expectativa é de que na sua forma final, como os técnicos entregaram aos políticos, que o acordo seja equilibrado. Que tenha ganhos dos dois lados, tanto em termos de acesso quanto em termos institucionais. Especialmente em termos de Mercosul, que deixou de lado há muito tempo a sua vocação de ser um exemplo de um regionalismo aberto e que, portanto, através desse acordo pode retomar essa trajetória”, conclui o vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais.

Um longo caminho até a implementação

O compromisso negociado pela Comissão Europeia e o Mercosul ainda terá de ser aprovado pelos 28 Estados-Membros e depois pelo Parlamento Europeu. Um caminho que promete ser delicado.

“O acordo da União Europeia com o Canadá quase foi barrado porque o Parlamento belga tinha dúvidas. Além disso, tem os lobbies, sobretudo o agrícola. Lembremos que em março e abril deste ano havia agricultores despejando sua produção no Champs-Élysées ou no Arco do Triunfo. Esse setor da economia não aceita, não só a concorrência, mas se preocupa com uma questão de manutenção de preços e competitividade para a produção local”, diz o ex-embaixador da missão do Brasil junto à UE.

 
Choque de modernidade  

Segundo alguns observadores internacionais, essa nova fase pode servir como estímulo para o fechamento de outros acordos, através dos quais o Brasil possa aproveitar mais os fluxos dinâmicos da economia mundial.

Pela experiência de outros países, tratados internacionais desse porte podem funcionar como catalizadores de reformas internas. No entanto, conforme explica Graça Lima, um choque de modernidade e de competitividade não virá apenas por meio de uma inserção maior do Brasil na economia mundial.

“Eu acho que o choque só virá de forma autônoma, quando o próprio Brasil e eventualmente os outros países do Mercosul traduzirem essa vontade em programas de redução tarifária, eliminação de medidas não tarifárias, diminuam os seus custos e melhorem o ambiente de negócios”, argumenta.  

 

 

 

 

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