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Cannes

Brasil faz participação histórica em Cannes, mas cineastas temem cortes do governo Bolsonaro

O Brasil teve uma participação recorde no 72° festival de Cannes, que termina neste sábado (25). Ao apresentar sete produções e coproduções nas diferentes seleções, inclusive na disputa pela Palma de Ouro, o cinema brasileiro se tornou o quarto mais representado nas mostras oficiais do evento da Riviera Francesa. Mas apesar da performance nacional, os cineastas presentes na Croisette não escondiam a preocupação diante dos cortes no orçamento da Cultura anunciados pelo governo de Jair Bolsonaro.

O filme "Bacurau" foi um dos sete representantes do Brasil no 72° Festival de Cannes
O filme "Bacurau" foi um dos sete representantes do Brasil no 72° Festival de Cannes Victor Jucá
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Enviado especial a Cannes

O clima era de festa para os brasileiros nessa edição de Cannes, principalmente após o anúncio do prêmio Um Certo Olhar para “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão” de Karim Aïnouz, na noite de sexta-feira (24). Com “Bacurau” na disputa da Palma, “Indianara” elogiado na mostra Acid, “Sem Seu Sangue” no Quinzena dos Realizadores, e as coproduções “O Traidor”, “Breve História del Planeta Verde” e a animação “Bob Cuspe – Nós não gostamos de gente”, o país ficou atrás apenas da França, dos Estados Unidos e da Bélgica em número de filmes apresentados. Sem esquecer a presença de Rodrigo Teixeira, produtor brasileiro que desembarcou em Cannes com três projetos.

No entanto, basta abordar o assunto dos anúncios recentes de cortes no orçamento da cultura para a classe artística presente em Cannes mudar de tom. A decisão da Agência Nacional do Cinema (Ancine), principal fonte de financiamento público da 7ª Arte no país, de suspender o repasse de verbas para a produção de filmes e séries, aliado ao fim do apoio financeiro da Agência Brasileiro de Promoção e Exportações e Investimentos (Apex) ao programa Cinema do Brasil, que atua na exportação dos filmes nacionais, não foi bem aceita, mesmo por quem não conta apenas com fundos públicos para seus projetos.

“Nós fizemos nosso filme sem fundo público”, explica Aude Chevalier-Beaumel, co-diretora, com Marcelo Barbosa, de “Indianara”. “Mas para outros filmes, é lamentável o que acontece no Brasil no que diz respeito ao cinema, à cultura e à educação. Temos um presidente que quer acabar com todas as ciências sociais e as ciências humanas para desenvolver o pais economicamente. É algo dramático”.

Já Juliano Dornelles, que dirigiu "Bacurau" com Kleber Mendonça Filho, é mais categórico: “O que esses caras querem é tentar fazer com que a gente desapareça, pois discordamos deles”, se irrita o cineasta pernambucano.

Esse clima de revolta também foi sentido na projeção do filme "Sem Seu Sangue", primeiro longa de Alice Furtado. Ela defende que seria praticamente impossível realizar o projeto que apresentou em Cannes levando em conta o contexto atual. “Os critérios de financiamento mudaram e para uma produtora iniciante, de primeiro filme, para uma diretora estreante, com uma equipe no começo da carreira, seria muito difícil porque os critérios valorizam agora muito mais o currículo e quantidade de produções já feitas, mais do que a qualidade do projeto”, explica a carioca. “A gente teve muita sorte de ter conseguido fazer isso quando existia essa linha (de financiamento), que era voltada para produções mais autorais, projetos com proposta e inovação de linguagem artística”, conclui a diretora, que teve a estreia de seu filme em Cannes marcada por protesto de apoio às universidades públicas.

Corte na educação do brasileiro

Rodrigo Teixeira, o produtor brasileiro do momento em Cannes, também critica os anúncios de diminuição de verba. “Cortar orçamento da cultura representa um corte profundo na formação de público, na plateia e na educação do brasileiro. Você pode dialogar e discutir as formas, mas cortar, não. Até porque a cultura é altamente dependente dos incentivos fiscais no Brasil”, comenta o produtor dono da RT Features, que apresentou esse em Cannes “The Lighthouse”, de Robert Eggers, e “Port Authority”, de Danielle Lessovitz, além de “A vida invisível de Eurídice Gusmão”, de Karim Aïnouz. “O Brasil é um país que poderia ter planos, de médio e longo prazo, para que a gente não ficasse tão dependente desses subsídios governamentais”, sugere Teixeira.

Já Aïnouz aponta para problemas estruturais que, segundo ele, vão além dos cortes de verba. “Estamos atravessando uma fase onde a intolerância e um certo conservadorismo estão pautando as agendas e são questões que podem ser muito prejudiciais à cultura. Afinal, a cultura é exatamente o lugar da invenção, o lugar do sonho, de novas possibilidades”, analisa. “Mas acho que a imaginação do país é maior do que isso”, finaliza o diretor, que aposta em uma crise passageira.

“Vão fazer de tudo para que a gente não exista, mas eles não vão conseguir, porque a gente resiste e vai continuar fazendo cinema”, se revolta Dornelles. “Eles vão impor embargos e dificuldades, mas a gente vai dar um jeito de continuar. A força da criação e do amor é muito mais forte que a força do ódio e da destruição”, avisa o codiretor de Bacurau.

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