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Educação/ Universidade

Filósofo processado por Olavo de Carvalho vai a Brasília entregar petição pela educação

Professor de Filosofia da Universidade Federal da Bahia, especializado em Filosofia Política e Kant, Daniel Peres criou no início deste mês uma petição on-line em defesa da universidade pública que recolheu mais de 1 milhão de assinaturas em menos de uma semana. Por conta disso, ele vai a Brasília nesta quarta-feira (15), dia nacional de luta pela educação, para entregá-la à Comissão de Educação da Câmara de Deputados, onde o ministro da pasta, Abraham Weintraub, irá falar sobre os cortes de verbas. 

Processado por Olavo de Carvalho, o professor de Filosofia da Universidade Federal da Bahia Daniel Peres é autor da petição contra o corte de verbas nas universidades públicas do Brasil.
Processado por Olavo de Carvalho, o professor de Filosofia da Universidade Federal da Bahia Daniel Peres é autor da petição contra o corte de verbas nas universidades públicas do Brasil. Arquivo Pessoal
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Mas, antes de ganhar notoriedade como autor deste abaixo-assinado em prol da educação superior pública, Peres ficou conhecido como alvo de um processo perpetrado por Olavo de Carvalho que foi devolvido pela juíza por conter xingamentos pessoais e linguagem inadequada. Daniel Peres falou com exclusividade à RFI sobre a petição, o processo e o papel da filosofia.

RFI - Você criou uma petição em defesa das universidades públicas brasileiras que, em poucos dias, alcançou mais de 1 milhão de assinaturas. Quais os próximos passos?

Daniel Peres - A gente pretende entregar esta petição em Brasília, no dia 15, que é o dia de luta pela educação. No dia 15, a Comissão de Educação da Camara vai receber o ministro [da Educação, Abraham Weintraub] para que ele preste esclarecimentos sobre as políticas e os cortes que vêm sendo implementados. A ideia é entregar ao presidente da Câmara [o deputado Rodrigo Maia] e aos demais membros da Comissão. Quem deve estar comigo é o Change, que é o site que hospeda a petição, e o Observatório do Conhecimento, uma ONG que agrega algumas associações de professores de universidades. Talvez a OAB também esteja presente, pois eles criaram uma comissão em defesa da autonomia da universidade e já me ligaram dizendo querer participar. A ideia é esta: entregar o abaixo-assinado, fazer pressão e se unir às mobilizações que acontecerão no Brasil inteiro não só pela universidade, mas pela educação como um todo.

RFI - O ministro da Educação justificou estes cortes de verbas nas universidades públicas pela “balbúrdia” que haveria nelas. Na sua opinião, por que ele e também pessoas que nunca frequentaram a academia têm esta imagem de balbúrdia da mesma? O que pode ser feito para mudar isso?

DP - Porque ele tem esta imagem – ele e as pessoas que intelectualmente, por assim dizer, orientam o governo. São pessoas que realmente consideram que a universidade é um espaço a ser combatido, a ser destruído, porque evidentemente onde há vida inteligente não pode deixar de haver oposição a este governo, porque é um governo obscurantista.

Agora, o problema é que de fato as universidades, em linha geral, nunca cuidaram muito bem de seu contato com a sociedade. Elas acabaram se constituindo como um mundo à parte. Nós cuidamos bem das nossas pesquisas, nós orientamos bem nossos alunos, nós damos os cursos, mas um vínculo maior, uma presença maior da universidade na sociedade e da sociedade na universidade, para além desta dimensão de pesquisa e impacto que a pesquisa tem no desenvolvimento econômico, não acontece.

E aí tem as fake news. Quer dizer, a ideia de ficar divulgando estas imagens como se aquilo fosse representativo da universidade é um ato criminoso, porque a universidade é tudo menos aquilo. Pode haver um ou outro evento mais irreverente dentro da universidade, sem dúvida, mas na universidade cabe esta irreverência, cabe um certo desvio da normalidade, até para colocar certos padrões em questão. Mas isso não é o cotidiano, não é representativo da universidade.

RFI - Recentemente, antes mesmo do anúncio do corte de verbas, o governo Bolsonaro disse que não investiria mais em cursos de Filosofia e Sociologia nas universidades públicas. Como vocês, professores destas disciplinas, estão se organizando em relação a isso?

DP - Tem várias coisas acontecendo. Não só a gente está se organizando nacionalmente como também a solidariedade internacional tem sido enorme. Algumas associações muito importantes, por exemplo a American Philosophical Society, juntamente com outras associações norte-americanas de Antropologia, Sociologia, Psicologia, fez manifesto em nossa defesa. A Sociedade Britânica de Filosofia e a Sociedade Francesa de Filosofia também fizeram manifestos em nossa defesa. Há um abaixo-assinado que teve início na Universidade de Harvard e que conta com mais de 8.000 assinaturas de pesquisadores internacionais muito importantes.

E o que a gente pode fazer, no nosso caso, é continuar trabalhando, lendo, estudando, publicando e criticando todas as arbitrariedades que este governo tem realizado. Sem filosofia e sem sociologia, sem humanidades em geral, você esta impedindo o país de pensar a si mesmo. Um país que não pensa a si mesmo não tem futuro. Não é capaz de entender o seu passado e tampouco vai ser capaz de desenhar um futuro interessante para todos.

RFI - Você está sendo processado na Justiça por Olavo de Carvalho, que também já te atacou diversas vezes pelo Twitter. O que o levou a isso?

DP - Um jornalista de O Globo me procurou e pediu que eu analisasse algumas aulas de Olavo de Carvalho. Eu confesso que até então eu nunca tinha dado importância a esta figura, até porque eu acho que intelectualmente o seu trabalho não tem nenhum valor. Mas realmente ele acabou se tornando uma referência para o governo e para uma parte da população, pois têm pessoas que ainda acreditam que ele faz um trabalho sério, infelizmente.

Fomos ver os vídeos – são mais de 500 – para que eu escolhesse uma aula específica com a qual eu pudesse dialogar. E a aula é uma coisa horrorosa, uma completa deturpação da filosofia kantiana, é um tratamento de má-fé mesmo. Quando a matéria saiu, ele ficou furioso e começou a me agredir virtualmente.

Daí eu publiquei um texto no Le Monde Diplomatique, não mais acerca de Kant, mas explicitando o que seria exatamente o projeto filosófico dele. Que é claramente um projeto obscurantista, reacionário no pior sentido do termo. E eu acho que com isso ele sentiu bastante o baque e resolveu me processar. Eu não sou o único processado. Na verdade, ele processa todos aqueles que têm a ousadia de criticar o trabalho dele. Em geral, a Justiça não aceita os processos porque eles não têm fundamento.

RFI - Qual o fundamento do seu processo?

DP - Ele diz que eu o injuriei, que eu o caluniei, é uma queixa-crime. O curioso é que, no caso do meu processo, a juíza devolveu a inicial, dizendo que ele refizesse, porque na própria peça que ele e o advogado dele redigiram tem uma série de ofensas contra a minha pessoa. Então a juíza disse que eles retirassem, corrigissem a peça, porque como ela estava ela atentava contra a civilidade da Justiça. Acho que foi por isso que este processo acabou vindo a público. Mas é contumaz, ele processa a todos que ousam criticá-lo. É uma ação intimidatória. Se a juíza vai ou não acatar e o processo vai seguir, eu não sei. Agora está em segredo de Justiça, provavelmente pela grande atração que despertou na opinião publica e nos meios de comunicação.

RFI - Você já foi informado oficialmente pela Justiça?

DP - Não, não fui. É isso o que eu estava dizendo. Se a Justiça for dar prosseguimento à denúncia, eu serei notificado e vou me defender. Se o processo não for aceito, aí eu vou pensar o que fazer. Eu acho que disputas intelectuais, disputas de ideia, não se resolvem na Justiça. Querer mover o Poder Judiciário, o Estado contra mim revela muito bem o tipo de pessoa que este senhor é, um pseudo-intelectual. Ele sim gosta de transformar o espaço público numa grande balbúrdia, numa grande confusão. Num espaço onde o que impera é o xingamento, o grito, a ofensa e não o argumento, porque argumentar ele não sabe. Ele carece de toda e qualquer capacidade argumentativa e só convence os dele, aqueles que veem nele uma espécie de guru, vai saber por quê.

RFI - Para terminar, uma vez que ela está sob ameaça, gostaria que você discorresse sobre o papel da filosofia nos dias de hoje.

DP - Se a filosofia está sob ameaça é justamente porque ela é extremamente importante. A filosofia não está em ameaça apenas no Brasil, mas também na Hungria, no Irã, ou seja, no fundo o papel fundamental da filosofia é manter vivo o pensamento crítico, manter viva a defesa de certos valores ligados à liberdade, à igualdade, à tolerância, à solidariedade, na tentativa de pensar um pouco a nossa sociedade, os conceitos que orientam as nossas ações. Sem esta orientação, a ação acaba sendo cega.

No fundo, o que a filosofia pode é trazer luz, iluminar os nossos problemas, os nossos desafios. E encontrar respostas, que são provisórias, claro, são passiveis de discussão, mas não deixam de ser importantes, porque as perguntas são importantes. O valor da filosofia está no fato de que ela lida com perguntas que são fundamentais. Queiramos nós ou não, as perguntas se colocam, isso faz parte do que significa ser humano.

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