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Brasil

Apesar de grande representatividade, evangélicos não têm protagonismo no governo Bolsonaro

No esteio eleitoral de Jair Bolsonaro na campanha, os evangélicos foram dos mais empolgados e aguerridos. Pediram votos, apareceram em transmissões ao vivo ao lado do candidato, divulgaram e defenderam a pauta conservadora que embasou o discurso na disputa. O clã Bolsonaro sabia da importância das igrejas evangélicas pelo peso dos fiéis. Os pastores, por sua vez, viam na eleição do militar uma chance de ocupar lugar de destaque no jogo político. Em outros pleitos, governantes e candidatos já haviam se aproximado e cortejado a bancada evangélica mas, desta vez, ela tinha peso de protagonista. A RFI conversou com alguns representantes deste bloco no Congresso.

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, (centro) em encontro com empresários e líderes evangélicos no Rio de Janeiro, em 11 de abril.
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, (centro) em encontro com empresários e líderes evangélicos no Rio de Janeiro, em 11 de abril. Mauro Pimentel/AFP
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Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

Passados quase quatro meses da atual gestão, a relação é marcada por altos e baixos. Tanto que o peso numérico da Frente Parlamentar Evangélica não se refletiu até aqui nos principais desafios do governo na Câmara, como a reforma da previdência. São quase duzentos parlamentares que integram o grupo, mas a união aparece mesmo quando os temas são ligados a costumes, como aborto ou a “Escola Sem Partido”. Nos demais, o peso maior são das bancadas partidárias e das demais ligações políticas de cada deputado.

“A bancada terá acesso ao próprio presidente Jair Bolsonaro, ao governo por razões óbvias, já que o voto evangélico foi importante na eleição e é importante para a avaliação positiva do governo. Mas a relação mais próxima é a pauta de costumes, de valor, onde há uma afinidade grande entre governo e esse grupo. Outras pautas, como previdência, exigirão mais conversa, mais negociação. E pesa aí a postura de cada parlamentar, podendo também haver sim conversa e discussão sobre a participação na estruturação do governo”, disse o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio. 

Ele também destaca que no grupo não há um só comando. “Não se pode dizer que é um bloco monolítico, que há uma liderança única. Há vários líderes presentes, de várias igrejas evangélicas ali representadas. Eles são um coro único em alguns temas, mas há divergências nos pleitos, nos projetos.”

Polêmicas e afagos

Ao mesmo tempo em que o governo segurou a pauta de valores, concentrando as forças nos assuntos econômicos, Bolsonaro afaga o grupo religioso. A defesa da mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, por exemplo, visou aproximar o discurso de Brasília com o de Washington de Donald Trump, e também agradar evangélicos, que apoiam Israel porque vêem na existência do estado judaico a condição para o retorno de Jesus.

O resultado até aqui não agradou totalmente nenhum lado. O novo local da embaixada virou apenas a promessa de um escritório de negócios, e o governo também teve de conter danos para não prejudicar as relações comerciais com o mundo árabe, que não escondeu a insatisfação diante da insistência do Brasil no assunto.

Também houve queixas veladas nos bastidores de evangélicos contra a influência demasiada de Olavo de Carvalho, por exemplo, no Ministério da Educação. Um dos políticos chegou a dizer que o linguajar do escritor incomodava e dificultava o avanço de temas importantes para o grupo na área.

Antes mesmo da posse de Jair Bolsonaro, houve rusgas dos articuladores do governo com a bancada evangélica pela indicação de representantes na nova administração.  Nomes que chegaram a ser apresentados após reunião do grupo para ocupar o primeiro e segundo escalões não foram efetivados. Mas para o deputado Lincoln Portela, do PR de Minas Gerais, a representatividade dos evangélicos nos postos públicos hoje é grande.

“Como membro da Frente Parlamentar Evangélica, eu não tenho ouvido nenhuma insatisfação com o governo. Pelo contrário. Nunca o grupo, na minha avaliação, foi tão prestigiado. Nós temos vários secretários nacionais, temos três ministros e um presidente que sempre tem ouvido os parlamentares evangélicos e vão trabalhar juntos em vários temas importantes às famílias e ao país, que é o que importa”, disse o deputado. 

Nos cargos de primeira linha na esplanada, o parlamentar se refere aos ministros do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, da Casa Civil, Onix Lorenzoni, e à ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, ligados a igrejas evangélicas. Este mês Damares levou ao Congresso um projeto de lei que regulamenta o ensino domiciliar, um dos pleitos de religiosos evangélicos e católicos.

Porém, as mesmas reclamações que se ouvem de partidos que querem integrar o governo também são percebidas entre políticos religiosos que apoiam Bolsonaro: de que eles não são recebidos como gostariam, de que seus projetos não contam com apoio do Planalto como eles queriam, e que falta protagonismo dos deputados que hoje do lado do governo.

“A articulação ainda é deficitária. Lógico que o governo só tem cem dias, tem muito a evoluir, a aprimorar, mas a relação política deixa a desejar”, queixa-se o deputado Sóstenes Cavalcante, do Democratas do Rio de Janeiro.

Para ele, ainda não há uma relação mútua entre Legislativo e Executivo. “Os parlamentares ainda têm dificuldade para serem recebidos pelos ministros do governo. O bom diálogo, não aquele que envergonha, aquele do toma lá dá cá, mas o diálogo republicano e produtivo é necessário e hoje ainda é ruim. O Parlamento precisa ser tratado de forma melhor pelo governo, para que a relação seja mais próxima”.

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