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“Bolsonaro é uma ameaça aos indígenas do Brasil”, diz cacique Tanoné em visita à França

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Líder da etnia Kariri-Xocó, a cacique Tanoné está na França a convite da ONG Planète Amazone e da editora Actes Sud para uma série de atividades, entre elas a promoção do livro “Paroles des Peuples Racines – Playdoyer pour la Terre” (Palavras dos Povos Nativos – Apelo para a Terra, em tradução livre).

A cacique Tanaoné nos estúdios da RFI.
A cacique Tanaoné nos estúdios da RFI. Foto: RFI Brasil
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A obra, que contém a Declaração da Aliança dos Guardiães da Mãe Natureza, um movimento pela paz e justiça climática criado em Paris, traz o depoimento de 19 lideranças autóctones de várias partes do mundo. A cacique Tanoné integra a lista e foi escolhida por seu combate pelos direitos dos povos indígenas e também por ser uma das raras líderes femininas.

“Há muitas mulheres que não têm o título de cacique, mas que compartilham de todos os debates que fazemos dentro das aldeias”, afirma Tanoné. “Poderiam ser muito mais do que 19 ou 20 (caciques), poderia ser mil”, acrescenta, em referência ao número estimado de caciques mulheres no país.

Para ela, o machismo é um traço comum e está fortemente enraizado nas etnias espalhadas por todo o país, citando desde o Nordeste até o Mato Grosso. “Nas aldeais, as mulheres casadas não podem ser nada. O homem é que tem que ser tudo”, afirma. “Ele não vai querer sua mulher viajando sem ele. Igual a uma bolsa. Ele tem que ser a bolsa da mulher”, acrescenta. “Só que o homem tem dificuldade de dizer as coisas, tem vergonha. A mulher já é mais ousada, atrevida”, garante.

Superando preconceitos, a cacique Tanoné, diz ter alcançado a condição de líder de sua etnia, que tem uma população de menos de 2 mil pessoas, por ter se tornado viúva muito cedo, aos 34 anos. “Outras mulheres querem seguir sua liderança, mas não conseguem porque tem o rabo que prende, o marido e os filhos”, afirma. Ela também atribui sua condição a uma dádiva divina. “Fui marcada pelo Grande Espírito, para mim foi um grande presente e tenho que carregar até o resto da vida. E agora a luta só está começando, eu que pensei que estivesse terminando”, diz.

As ameaças do governo Bolsonaro

Em sua primeira viagem para fora do Brasil, Ivanice Pires Tanoné, como é apresentada na França, irá falar em uma mesa redonda intitulada “Os 100 dias do governo Bolsonaro”. A mensagem que pretende passar é de que o presidente é uma ameaça para os direitos dos povos indígenas do país.

“Ele (Bolsonaro) tem que parar de querer destruir tudo o que o Grande Espírito construiu para os povos indígenas inatos da natureza”, afirma. “Eu não aceito e quero pedir apoio aos outros países que entrem em consenso para impedir o que ele está fazendo”.

A transferência da FUNAI do Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura é um exemplo citado pela cacique para exemplificar a disposição do governo bolsonarista de enfraquecer a instituição.

“Nós somos agricultores natos, mas quem nos dava mais poder e atenção era o ministério da Justiça. A FUNAI não tem mais poder algum. Você chega lá e não tem ninguém que lhe atenda bem. Ele fez um mingau quer botar na boca da gente, mas não queremos esse mingau”, afirma.

A cacique denuncia a intenção já manifestada pelo presidente Bolsonaro de não mais conceder terras para as demarcações indígenas. “Você acha certo estar no seu território tradicional, com a sua cultura e ciência dentro de suas terras e ver uma pessoa ir lá e destruir? É difícil”, argumenta.

Tanoné diz que as terras de sua etnia, tanto na região nordestina, quanto nos arredores do Distrito Federal, não estão diretamente sob ameaças por já terem sido demarcadas e homologadas na Justiça. Mas ela se emociona ao lembrar da luta de outros povos. “Estou preocupada com os guarani-kaiowás, eu participei da luta e é muito sofrido”. Na entrevista à RFI, a cacique diz ter testemunhado assassinatos de índios por caminhoneiros, ruralistas e até policiais. “Já mataram muita gente, uma cacique era minha amiga”, disse em meio às lágrimas.

Sobrevivente

Tanoné diz ter sobrevivido a várias ameaças de morte sofridas há vários anos e durante diferentes governos, mas admite que o momento atual é particularmente perigoso para quem defende os direitos desses povos.

“Ele (Bolsonaro) quer nos matar, quer nos prejudicar e acabar com os nativos que ainda existem”, garante.

Como sinal de resistência, Tanoné lembra a realização do Abril Indígena, que durante um mês vai promover em Brasília diversas atividades relacionadas à cultura, às tradições e à história dos povos nativos do país. Tanoné diz que no evento irá formalizar uma agenda de demanda e formalizar um documento que pedirá apoio aos indígenas até fora do Brasil.  “Quero enviar para todos os países que quiserem apoiar e ajudar nossos povos”, explica.

Veja a íntegra da entrevista em vídeo abaixo

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