Diretor suíço Milo Rau discute pedofilia e homofobia na Mostra Internacional de Teatro de São Paulo
Autor do manifesto de NTGent [referência ao nome do teatro que dirige na cidade flamenga de Gante, na Bélgica], de 2018, um documento que propõe novos pontos de partida para uma das artes mais antigas do Ocidente, Milo Rau afirma que o teatro não se destina mais a mostrar o mundo, mas a “transformá-lo”. O diretor suíço avaliou, em entrevista exclusiva à RFI, o possível impacto das peças “A repetição” e “Cinco peças fáceis”, que abordam temas como a homofobia e a pedofilia no Brasil, onde a discussão sobre esses assuntos costumam engendrar escândalos e linchamentos virtuais, como o sofrido pelo performer Wagner Schwartz, em 2017, durante a programação do Queer Museu.
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Uma das agendas do diretor suíço Milo Rau durante a programação da 6ª edição da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MitSP) será uma conversa no sábado (16) com o performer brasileiro Wagner Schwartz, cuja obra “La Bête”, foi acusada de incitação à pedofilia. Seis meses depois, “La Bête” foi apresentada novamente, mas desta vez em Paris.
Schwartz declarou na ocasião à RFI não ter se recuperado facilmente do “linchamento virtual” que sofreu, com ataques violentos na internet e até ameaças de morte. “Conheço o contexto do que aconteceu com Schwartz, isso tomou uma dimensão absurda. Mas é preciso ler este acontecimento dentro da situação difícil da arte neste momento no Brasil”, diz.
Ex-discípulo de nomes como o sociólogo francês Pierre Bourdieu, Milo Rau diz que aprendeu com o mestre que “cada indivíduo descreve a sociedade”. Ele relatou que as peças estavam previstas anteriormente para serem apresentadas em três cidades brasileiras, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. “Publiquei uma carta aberta contra Jair Bolsonaro, após sua eleição, e acredito que foi mal visto. Publicaram fotos de uma das minhas peças dizendo que eu era pedófilo. As apresentações de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro foram canceladas. As razões apresentadas foram de ordem financeira, mas eu considero difícil de acreditar, uma vez que toda a viagem e estadia estão pagas, as outras duas cidades não teriam grande gastos. Talvez eu descubra outros motivos no Brasil”, afirmou Rau à RFI.
“Chego ao Brasil com uma peça sobre a pedofilia, outra sobre pedofilia, e uma terceira sobre o neocolonialismo”, diz Milo Rau. A dramaturga do grupo, Eva Bertschy, responsável pela pesquisa e pela escritura das peças do Institut of Political Murder (IPM), em Berlim, conta que um novo trabalho começa agora com vários movimentos sociais do Brasil, entre eles o MST, Movimento dos Sem Terra, mas também o MTST, o Movimento dos Sem Teto. “Devemos encontrar esta noite o Guilherme Boulos e a Sônia Guajajara”, conta a dramaturga de Milo Rau. O trabalho sobre a terra e as implicações políticas das ocupações no Brasil deve continuar em novembro de 2019, e posteriormente em março, abril de 2020: “ainda estamos recolhendo elementos”, diz Eva.
Em cada uma de suas peças, Milo Rau gosta de mostrar uma história onde existe um caso de manipulação, sem invalidar sua verdade. A cena é para ele este lugar onde nos regozijamos em decifrar. “A política começa aí”, diz. O artista pode ser considerado um herdeiro de Bertolt Brecht, um especialista em desmontagem, e Pierre Bourdieu, esse sociólogo francês que acreditava na força da palavra.
A Repetição e Cinco peças fáceis
A peça "A Repetição" aborda o assassinato do homossexual Ihsane Jarfi, ocorrido há seis anos, e Cinco Peças Fáceis, o Caso Dutroux, que aconteceu há 20 anos. Ambos são traumas coletivos na Bélgica. Algumas das vítimas, e mesmo os criminosos, e seus parentes estão vivos. “Por isso, antes de iniciarmos o processo, por uma questão ética, entramos em contato com todos os envolvidos e os convidamos para participar dos ensaios”, diz Milo Rau. “A relação é muito próxima. Além disso, temos a necessidade de nos apresentarmos onde os casos ocorreram. Por exemplo, a estréia de A Repetição foi em Liège, local do assassinato de Jarfi”, afirma o diretor.
"O verdadeiro assunto da peça é como colocar tal história em cena", diz Milo Rau. Quando eu faço um espetáculo, é com a ambição de projetar o público em uma realidade na qual eles devem acreditar, ao mesmo tempo em que mostro a eles como fazer a ilusão, a partir de quais ferramentas, quais dispositivos. Eu tento testar a força do teatro", diz o diretor suíço.
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