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“Postura de Bolsonaro com a imprensa tem inspiração autoritária”, diz Eugênio Bucci

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A poucos dias da posse de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, há muita expectativa sobre o seu relacionamento com a mídia e a comunicação feita pelo governo. Desde a campanha eleitoral, o novo presidente vem firmando um novo paradigma, ao se comunicar com a sociedade, sobretudo, através das redes sociais, algumas vezes privilegiando esse meio à chamada mídia tradicional.

Eugênio Bucci é jornalista e professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
Eugênio Bucci é jornalista e professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Acervo pessoal
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As diretrizes para a Secretaria de Comunicação, a partir de janeiro, também ainda são pouco conhecidas e o órgão deverá perder quase a metade de seu orçamento. Recentemente, Bolsonaro informou que o orçamento e o quadro de pessoal do órgão deverão ser reavaliados. O valor aprovado para 2019 é de R$ 150 milhões, 45% do pleiteado pelo governo de Michel Temer. Bolsonaro disse que não pedirá o aumento desse valor.

A RFI conversou sobre esses assuntos com o jornalista Eugênio Bucci, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA).

“Há um mistério sobre qual será a conduta do governo em relação à imprensa, mas de saída podemos estabelecer dois níveis deferentes de preocupação. O primeiro, em relação ao governo e às autoridades do governo, e os sinais são ruins, porque o presidente eleito já afirmou que retiraria verbas publicitárias do governo do jornal Folha de São Paulo. Esse e um exemplo muito ruim”, diz Bucci. “O problema é que nas compras públicas e compras de espaço publicitário com verbas públicas não pode haver interferência de preferências pessoais do governante ou da autoridade, porque isso fere o princípio da impessoalidade consagrado na Constituição do Brasil”.

“Essa frase do presidente eleito significa que nós teremos problemas possivelmente de perseguição, de pressões políticas indevidas e às vezes de pressões psicológicas contra jornalistas individualmente, e já houve sinais disso”, completa Eugênio Bucci.

Em uma nota oficial divulgada após a eleição de outubro, a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), representante máxima da categoria no Brasil, expressou sua preocupação com o futuro incerto, segundo a entidade, do trabalho dos jornalistas no novo governo. A FENAJ repudiou, especialmente, a violência contra jornalistas na cobertura da campanha e nas comemorações da vitória de Bolsonaro em mais de um estado brasileiro.

“Há um segundo plano de preocupação que é o comportamento dos apoiadores do governo e não especificamente das autoridades. Muitas dessas cenas de violência que aconteceram, infelizmente, e que foram apontadas pela FENAJ, não foram promovidas por pessoas que ocuparão cargos públicos, mas são agrupamentos informais ou mesmo clandestinos que promovem violência de forma espontânea ou não oficial”, explica o professor da USP.

“Essa é uma face das ascensões de políticos autoritários e populistas de um viés de direita em vários países que fica fora de controle, que é a exacerbação do potencial agressivo das manifestações sociais indistintas, sem um comprometimento direto ou aparente da autoridade, mas é um problema da explosão de uma vertente violenta de forma difusa na sociedade”, conclui.

O papel da imprensa na democracia

Ainda segundo a Federação Nacional dos Jornalistas, Jair Bolsonaro teria se mostrado avesso a críticas e questionamentos, mesmo em questões que dizem respeito à sua atuação como homem público.

“Nenhum governante gosta das críticas que surgem na imprensa. Não existe um governante que fique satisfeito com o comportamento da imprensa livre nos países democráticos, sendo natural e desejável que seja assim, porque a função da imprensa inclui uma fiscalização, com olhar crítico e independente em relação à condução dos negócios do Estado e do governo”, explica Eugênio Bucci.

“Então, não se pode esperar de nenhum governante, qualquer que seja a coloração ideológica, um entusiasmo, euforia ou adoração com relação aos jornalistas. Esse esclarecimento é necessário porque senão fica parecendo que o presidente eleito é antipático em relação à imprensa e todos os outros adoravam os jornalistas no Brasil, mas não foi isso que aconteceu. Fernando Henrique Cardoso teve problemas sérios de insatisfação com o jornalismo, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer também tiveram”, lembra. “Agora, a postura de um presidente, quando envereda por ameaças de inspiração mais autoritária, é um dado diferente e é isso que a gente teve em relação ao atual presidente eleito”, alerta Bucci. 

Durante a campanha presidencial, houve certa polêmica com o fato de determinados jornalistas terem sido barrados nas coletivas de imprensa de Bolsonaro, sugerindo uma forma de privilegiar determinados veículos.

“Eu senti mais esse problema depois da eleição, quando houve entrevistas na casa do presidente eleito em que foram barrados certos veículos nominalmente. Isso pode indicar um despreparo da assessoria do presidente eleito e pode indicar um mau humor ou ausência de cerimônia que é muito ruim”, analisa o jornalista.

“Agora, até nos Estados Unidos, já no exercício do mandato, Donald Trump, através de seus assessores, barrou veículos nominalmente em sessões de coletivas tradicionais e regulares na Casa Branca. Essas atitudes, que contrariam a tradição democrática de relacionamento entre o governo e a imprensa nos Estados Unidos, também chamaram a atenção e são até mais preocupantes do que eventos pequenos acontecidos até agora no Brasil”, compara.

O uso da internet para comunicação direta

Jair Bolsonaro tem uma atuação bastante forte na Internet. Ainda candidato, fazia as famosas ‘lives’ (pronunciamentos ao vivo pelo Facebook) para se comunicar diretamente com os eleitores. O político também utilizou bastante o Twitter para alcançar seus interlocutores. E depois de eleito, continuou fazendo anúncios de sua equipe por meio dessa plataforma.

“Parece que isso deverá continuar e essa é uma cópia do estilo Trump, sem dúvida. No discurso da sua diplomação há uma frase que passou sem maior registro, que é a frase em que ele diz que a política dos nossos tempos não precisa mais de intermediários e ele faz menção explícita à possibilidade de o governante se comunicar diretamente com o público sem precisar de intermediação”, lembra. “Isso também pode indicar um problema sério, porque a política na democracia nada mais é do que a intermediação. A existência dos partidos políticos não faz outra coisa que não seja intermediação”, afirma Bucci.

À moda Bonaparte?

Segundo o professor da ECA, “a instância do Estado e a própria concepção do fluxo das decisões na democracia se dá a partir de intermediações. A ideia de que há um vínculo direto sem a intermediação entre o governante e a sociedade é antiga, não tem nada a ver com tecnologia e é uma ideia desastrosa. Ela aparece na França a partir da figura de Luís Bonaparte [Napoleão III], de onde tiramos a expressão ‘bonapartismo’, como uma forma de exercício do poder viabilizada por um vínculo direto entre os governantes e os governados, sem as mediações próprias das instituições”.

O problema, de acordo com Bucci, está no desrespeito às instituições consagradas do tecido social. “É portanto perigoso quando um governo, num discurso escrito, manifesta esse tipo de convencimento, porque isso, além de ter uma relação com tecnologia, inclui também uma visão de poder antiga, autoritária e que não respeita as instituições encarregadas de, por meio das mediações, fiscalizar o andamento das decisões e garantias aos direitos individuais”, conclui.

   

 

 

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