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Radar econômico

Para analistas, Ministério do Trabalho deve manter atuação forte

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O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), voltou atrás nesta terça-feira (13) e disse que o Trabalho manterá status de ministério, sendo reunido com outra pasta, ainda indefinida. Especialistas ouvidos pela RFI advertem para os prejuízos às políticas de criação de emprego e de fiscalização do trabalho no Brasil, caso ocorra um enfraquecimento da pasta.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, aguarda início de reunião no Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília.
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, aguarda início de reunião no Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília. REUTERS/Adriano Machado
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Bolsonaro não detalhou se irá deslocar atuais atribuições do Trabalho para outras pastas ou simplesmente enxugá-las para cortar gastos públicos. O presidente eleito disse apenas que o Trabalho não deverá figurar ao lado da Indústria e Comércio, setor que será incorporado ao "superministério" da Economia, pilotado por Paulo Guedes.

O Ministério do Trabalho, da Indústria e do Comércio tem uma longa história de serviços prestados na estruturação e regulação do mercado de trabalho, na formulação de políticas públicas de emprego e de renda, destaca o sociólogo Adalberto Cardoso, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), atualmente professor convidado do Observatório de Sociologia da Mudança da Universidade Sciences Po Paris.

Ele lembra que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, foi desenhada dentro da pasta, e que a secretaria das Relações do Trabalho desempenha um importante papel na mediação dos conflitos entre capital e trabalho. Além de ter tido um papel importantíssimo no combate ao trabalho infantil e escravo, de reconhecimento internacional, o Ministério do Trabalho também contribuiu nos últimos anos para o aumento das receitas do Estado.

"A rede de fiscalização de aplicação da legislação trabalhista se tornou uma secretaria de aplicação de multas por não recolhimento do FGTS", explica Cardoso. Segundo o especialista, o Estado passou a arrecedar entre R$ 5 e R$ 7 bilhões por ano de FGTS sonegado pelas empresas devido à atuação do Ministério do Trabalho.

O professor visitante da Sciences Po Paris critica a visão de que a pasta tenha viés ideológico e que ela tenha servido para sustentar sindicatos, centrais sindicais e o Partido dos Trabalhadores (PT). "Trata-se de um ministério com grandes funções dentro do Estado brasileiro, e extingui-lo para redução de gastos é a antípoda, para usar um termo mais forte, da política de emprego", argumenta Cardoso. O sociólogo falou à RFI antes do passo atrás de Bolsonaro.

A socióloga Nadya Araujo Guimarães, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), também teme retrocessos na fiscalização de abusos cometidos contra os trabalhadores.

"Nem todos os empresários são predadores, mas existe uma tensão entre aqueles que buscam aumentar sua produtividade por meio de abusos, enquanto outros extraem sua possibilidade de competir nos mercados explorando tecnologia e melhores métodos de produção. Agora, o problema existe e ele se acentua quando a fiscalização é atenuada", salienta.

Delfim Netto minimiza consequências

O economista Antônio Delfim Netto, que foi ministro da Fazenda e também da Agricultura e do Planejamento nas décadas de 60 e 70, durante os governos militares, estima que o projeto de Bolsonaro e do economista Paulo Guedes "em si é bastante aceitável".

"Nós estamos caminhando para aquele grande ministério que juntou Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio. Um ministério que será extremamente poderoso. Tudo vai depender da organização. O ministro vai ser um coordenador, com um secretário-geral por área. Até hoje não se tirou nenhum direito do trabalhador, nem é possível porque os direitos estão fixados na Constituição, são cláusula pétrea da Constituição", diz Delfim Netto.

Na opinião do ex-ministro, a experiência pode ser "muito interessante". "Essa concentração de poder pode ter a grande vantagem de unir a política econômica inteira sob uma única orientação, e pode ter grandes inconvenientes, que é não haver uma discussão interna em nível de mesmo poder. Isso depende muito de como vai funcionar."

Durante a campanha, Bolsonaro defendeu para o Brasil algo parecido com o que ocorre nos Estados Unidos, onde empresas e funcionários negociam diretamente, sem a predominância de acordos coletivos entre patrões e sindicatos. A questão é que num contexto de forte desemprego, o trabalhador fica enfraquecido no momento de defender direitos e condições corretas de trabalho.

Estado mínimo

A socióloga Maria Rita Loureiro, professora da Fundação Getúlio Vargas na área de Administração Pública e Governo, especialista em instituições governamentais, diz ser totalmente contra a ideia do Estado mínimo. Ela destaca que diminuir o número de ministérios não reduz automaticamente os gastos públicos. Para ela, o que está em jogo no Brasil é a visão entre o Estado e a sociedade.

"Hoje, temos uma visão de que o Estado tem de estar a serviço do financiamento da dívida. Todos os Estados estão sendo levados, com o desmonte da atividade produtiva – geradora de receitas, de emprego e de desenvolvimento econômico – a servir ao mercado financeiro, que produz riqueza mas sem lastro de produção real. É uma riqueza fictícia. Nosso desafio é retomar a atividade econômica, mas ao mesmo tempo ampliar as políticas sociais. Para aqueles que não podem viver do mercado, o Estado precisa prover os mais fracos e regulamentar o mercado, que não dá conta da humanidade", diz a especialista.

Loureiro lembra que tentativas de reduzir o número de ministérios e de funcionários públicos já ocorreram no passado no governo Collor (1990-1992) e resultaram num caos e num desmonte do Estado brasileiro. "Suponho que isso vá acontecer novamente, a probabilidade é alta", declara a professora da FGV-SP. "O gasto público se faz no pagamento da dívida e esse elemento se tornou intocável", critica Loureiro.

Ela estima que o maior desafio do Brasil é retomar a atividade econômica, mas ao mesmo tempo ampliar as políticas sociais. "Cada vez mais o capitalismo prescinde de empregados. Nosso desafio enquanto Estado e projeto de nação é produzir trabalho e ocupação que possam levar à emancipação dos indivíduos através de atividades como ensino, educação, cultura e outras atividades humanas de sociabilidade. Os recursos produzidos pela sociedade precisam ser distribuídos de forma mais justa", defende Loureiro.

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