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"Brasil caminha muito mais para o isolamento do que para uma relação integrada com a comunidade internacional," diz cientista político

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Professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, o cientista político Cláudio Couto falou à RFI sobre os prognósticos para um futuro governo de Jair Bolsonaro.  

Cláudio Couto, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP)
Cláudio Couto, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) Captura de vídeo
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RFI - O presidente eleito, Jair Bolsonaro, desperta muito interesse na comunidade internacional. O Brasil vai permanecer isolado ou a agenda liberal poderá seduzir alguns países? 

Claudio Couto - Eu creio que ele caminha muito mais para o isolamento do que para uma relação mais integrada com a comunidade internacional. A gente tem mostras disso, a exemplo do que disse o futuro todo poderoso ministro da economia, Paulo Guedes, com relação ao Mercosul. Ele reagiu dizendo que o Mercosul não era prioridade, que era ideológico e feito para negociar com países bolivarianos. Porém, quando olhamos a história do Mercosul, vemos que é muito diferente. O Mercosul começou a ser construído ainda na transição democrática, no governo Sarney, que podia ser tudo menos um governo de esquerda. Ele seguiu no governo Collor, com uma série de acordos importantes que deram formato àquilo que o Mercosul é hoje, como o acordo da indústria automotiva. Ele continuou durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, aí sim chegando ao período do governo Lula. É claro que ele poderia ter dito, eventualmente, que o Mercosul não é a melhor estratégia para o Brasil, tendo em vista que amarra o país aos compromissos com seus parceiros de bloco. Mas definir um bloco regional como esse como sendo ideológico, algo que ele não é, por conta da sua história, mostra como esse governo pensa a política externa. Como nós temos uma deriva de ultradireita mundo afora, nos Estados Unidos, na Itália, na Hungira e na Polônia, talvez Bolsonaro se aproxime mais desses governos. 

RFI - Observa-se uma proximidade no estado de espírito entre Donald Trump e Jair Bolsonaro. Trump cumprimentou o presidente eleito do Brasil, dizendo que pretendia trabalhar ao seu lado, ainda que o Brasil, anteriormente, não estivesse no radar dos Estados Unidos, que enfrentam as eleições de meio de mandato. Seria apenas retórica ou Trump tem mesmo interesse em trabalhar com Bolsonaro?

Claudio Couto - São líderes políticos que atuam de uma forma tão colada a uma retórica inflamada, do insulto como forma de comunicação, de declarações contraditórias, que a gente fica na dúvida sobre o que eles realmente querem dizer. Porém, é claro que Bolsonaro e Trump têm uma série de características em comum, além do alinhamento mais à direita. Eles tiveram, inclusive, uma aproximação indireta durante a campanha através do diálogo que o grupo de Bolsonaro estabeleceu com o Steve Bannon, que foi o estrategista de Donald Trump. Então eu acredito que essas afinidades produzem uma certa aproximação. Alguém mencionou esses dias que se construía uma "internacional nacionalista", uma contradição nos termos, mas que aponta para as afinidades ideológicas desses governantes de direita. Para Donald Trump é uma vitória ter alguém que se identifica com ele e não tem vergonha disso, muito pelo contrário, até gosta.

RFI - O Secretário do Departamento do Tesouro norte-americano diz que a Venezuela é uma ameaça e pode prejudicar o Brasil. Considerando a proximidade entre Trump e Bolsonaro, existe alguma ameaça de uma ação conjunta dos Estados Unidos e do Brasil contra o governo Maduro?

Claudio Couto -  Acho que isso tem mais chance de ser pura retórica do que algo que leve a uma ação efetiva. Pois todos nós sabemos dos custos que uma ação efetiva nesse campo produziria. O general Augusto Heleno, que deve ser o ministro da Defesa do governo Bolsonaro, rechaçou numa entrevista qualquer possibilidade de uma intervenção brasileira na Venezuela, sinalizando que o Brasil não tem uma tradição intervencionista. Porém, disse que a Venezuela deve mudar e que o Brasil torce por isso. Claro que setores mais ligados a Bolsonaro fazem críticas à Venezuela, mas não são só eles. Setores inclusive da esquerda cobram do PT, inclusive, uma posição diferente daquela que assumiu. Portanto, não seria de se esperar agora uma atitude condescendente, mas daí a uma intervenção efetiva, há uma grande distância.

RFI - Sobre as relações com a Europa, a postura de Bolsonaro em relação ao meio ambiente, sinalizando mais flexibilidade para o desmatamento, poderia provocar sanções por parte de países da Comunidade Europeia e mesmo afetar as exportações de commodities do Brasil?  

Claudio Couto - Eu creio que as posturas ideológicas, como a ideia de transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém, como a questão do meio ambiente, dando carta branca para o desmatamento, isso deve provocar sanções, o Brasil pode perder exportações se caminhar nessa direção. Assim como o caso de Israel pode provocar sanções, não só da Europa, mas também de países islâmicos que hoje são grandes importadores de carne do Brasil, de carne halal. E como você vai exportar carne para países islâmicos se, ao mesmo tempo, compra uma "briga homérica" com o mundo islâmico pela transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém? É um governo que, a curto prazo, pode estar dando um tiro no pé.   
 

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