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Documentário sobre ocupação do prédio do IBGE durante Rio 2016 é lançado na França

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Rio 2016. Aos olhos do mundo inteiro, a Cidade Maravilhosa era uma festa, anfitriã do maior evento esportivo do planeta. Mas nem todos os cariocas viram e conviveram com o espetáculo da mesma maneira. Um olhar focado em uma população marginalizada instalada nas proximidades do estádio Maracanã durante a realização das Olimpíadas resultou no documentário “L’Autre Rio” (Um Outro Rio, em tradução livre), da cineasta canadense Emilie Beaulieu Guérette.

A cineasta canadense, Emilie Guérette.
A cineasta canadense, Emilie Guérette. Foto: Arquivo Pessoal
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Lançado neste dia 10 de outubro na França e na Bélgica, o trabalho mergulha no cotidiano de uma comunidade que ocupava o antigo prédio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demolido tempos depois.

Localizado perto do mítico estádio de futebol, palco das cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos, o prédio se tornou um símbolo emblemático ideal para o objetivo da documentarista canadense de mostrar algumas contradições da cidade.  

 “Na época, no prédio abandonado do IBGE viviam cerca de 100 famílias. Era bem em frente ao estádio do Maracanã, achei esse contraste interessante para fazer um documentário para mostrar essa população marginalizada do Rio de Janeiro e, por outro lado, a beleza, a fartura das Olimpíadas”, explicou na entrevista à RFI Brasil.  

Cineasta com formação em antropologia, Emilie dividiu nos últimos anos seu tempo entre Montreal e o Rio de Janeiro, onde desenvolveu interesse crescente pela questão do direito de moradias.

“Minha intenção é registrar o modo de vida de pessoas que estão à margem da sociedade e como elas se organizam para ocupar espaços urbanos”, diz sobre a temática de seu trabalho.  

O processo de pesquisa de “L’Autre Rio” durou cerca de quatro anos. No início, Emilie e sua equipe de produção buscaram primeiramente as 22 mil famílias diretamente afetadas pelo projeto das autoridades locais de remover moradias nas proximidades dos locais que abrigariam megaeventos esportivos, como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo. Mas como elas já haviam sido deslocadas quando chegou ao local, a cineasta chegou ao antigo prédio do IBGE.  “Era um local que me atraía, mas me dava um certo medo. Dava para ver que era fechado e extremamente precário”, lembrou.

Sinal verde dos traficantes de drogas

Para poder entrar e filmar no prédio, que faz parte da favela da Mangueira, ela comentou que precisou negociar com os traficantes de drogas que controlavam o local.

Um dos moradores do local, Carlos Alexandre, conhecido como Paulista, adorou e abraçou a proposta e a apresentou aos controladores do tráfico. “O acordo desde o início é que eu poderia falar de tudo menos do tráfico. Na verdade poderia falar, mas não filmá-los até porque tinha uma ‘boca de fumo’ dentro do IBGE. A condição era de nunca filmar a ‘boca’. Respeitamos também porque não era a proposta do filme”, justificou.  

No início, as filmagens foram feitas com a presença de um “acompanhante”, mas com o tempo, a cineasta e sua equipe de gravação puderam andar tranquilamente pelo local.  

“Teve um momento ou outro, quando a câmera apontava para a (favela) Mangueira. O prédio era muito alto e eles achavam que uma outra ‘boca de fumo’ podia entrar no quadro. Eles avisavam sutilmente, por meio de alguém, nem se dirigiam diretamente a mim”, contou.

Com mais de uma hora e meia de duração, o trabalho  relata o cotidiano dos moradores durante o período olímpico alinhavado com muitos depoimentos, sendo a maioria de mulheres.

A opção de dar mais voz a personagens femininas foi assumida pela cineasta canadense: “Minha intenção não era mostrar de clichês, imagens estereotipadas das mulheres. Na mídia, muitas vezes, a imagem das favelas é de extremos: de homens armados que gostam de violência e mulheres ou hipersexualizadas ou reduzidas ao papel de mãe, geralmente. Acho isso redutor”.

A cineasta Emilie Guérette com a equipe do filme "L'Autre Rio".
A cineasta Emilie Guérette com a equipe do filme "L'Autre Rio". Foto: Arquivo Pessoal

Proximidade com os personagens

A opção estética do filme por cenas longas e entrevistas em quadro fixo, com boa iluminação,  reforça a intenção da cineasta de ressaltar a beleza das pessoas do local.

A escolha narrativa vem, segundo Emilie, da escola canadense de documentário, qualificada de “cinema direto” ou “cinema verdade”, que consiste em tomadas  muitas vezes em ritmo lento, retratando o cotidiano e a proximidade com as pessoas com o intuito de revelar o lado mais espontâneo dos personagens.

Gravado durante a realização das Olimpíadas, o documentário é pontuado por raras cenas que mostram a interação dos moradores com o evento esportivo. Tanto crianças como adultos geralmente acompanham algumas competições pela televisão.

Mas em determinado momento, a cineasta acompanha uma moradora do prédio do IBGE que tenta vendar balas nos arredores do Maracanã, mas logo é afastada pelos seguranças do local. Outra diz em seu depoimento que foi impedida de trabalhar como limpadora de vidros em um cruzamento do bairro durante os dias do evento.

“Na época das Olimpíadas essas pessoas se tornaram ainda mais invisíveis, não podiam trabalhar porque davam uma imagem não tão limpa, não tão linda da cidade. Na época dos Olimpíadas elas foram deixadas ainda mais de fora. Quis dar visibilidade a elas”, afirmou.  

 “Não chega a ser um filme de denúncia, para mim é um retrato dessas pessoas que estão perto dos Jogos Olímpicos e, ao mesmo tempo, longe. Elas estão do lado do Maracanã mas não tem condições de pagar um ingresso para entrar. O filme enfoca essas pessoas, quem elas são, o que pensam para o futuro”,  acrescentou.

“A proposta era não esconder essa distância social, claro, sou branca, canadense, privilegiada… tem esse encontro. A curiosidade é mútua também dos moradores com uma equipe que passou filmando várias semanas lá. O documentário também é um relato desse encontro”, destacou.   

O documentário "L’Autre Rio" será lançado no dia 26 de outubro em Quebec e é finalista do prêmio Pierre Verger, concedido todos os anos pela Associação Brasileira de Antropologia.   

 

 

 

 

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