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No Brasil, as "vaquinhas" aparecem como novidade para o financiamento eleitoral

Em outubro, os brasileiros escolhem seu novo presidente em um contexto de crise econômica, social e política e com novas regras eleitorais. Com todos os financiamentos empresariais proibidos depois da operação Lava-Jato e de escândalos de corrupção, os candidatos estão usando pela primeira vez o financiamento coletivo. Esta quarta-feira (15), é o último dia para registro das candidaturas.

Com a proibição do financimento empresarial, as vaquinhas aparecem como opção alternativa.
Com a proibição do financimento empresarial, as vaquinhas aparecem como opção alternativa. NELSON ALMEIDA / AFP
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Por Henrique Valadares

"R$ 6 bilhões em uma campanha foi algo alucinante", lembra, surpreso, Jean Hébrard, co-diretor do Centro de Pesquisa sobre o Brasil Contemporâneo e Colonial (CBRC) da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS) e colaborador da revista Brésil(s). O pesquisador se refere à última campanha presidencial em 2014, quando o gasto total dos candidatos chegou a quase seis bilhões de reais. Isso é o equivalente ao que Donald Trump e Hillary Clinton gastaram em 2016.

Como nos Estados Unidos, não havia limite de gastos para as campanhas eleitorais brasileiras. Mas a votação de 7 de outubro deste ano não seguirá esse exemplo. O Congresso aprovou uma reforma eleitoral que proíbe principalmente o financiamento das campanhas políticas por empresas e estabelece um teto de gastos: um candidato à presidência não pode gastar mais de R$ 70 milhões.

A legislação elaborada em resposta à operação Lava-Jato, que revelou um enorme esquema de corrupção que afetou diversos países da América do Sul. Empresas faziam doações para partidos políticos em troca de benefícios em contratos com o Estado.

Lula já recolheu R$ 500 mil reais

Na tentativa de preencher o vazio deixado pelas empresas, vários candidatos decidiram recorrer aos apoiadores por meio de campanhas de financiamento coletivo, que também foram regulamentadas pelo Supremo Tribunal Eleitoral (TSE).

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos primeiros grandes nomes a aproveitar essa possibilidade. Grande favorito nas pesquisas, apesar de sua condenação a 12 anos de prisão, o fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) também é o favorito dos doadores. No dia 14 de agosto, sua campanha de financiamento coletivo tinha coletado R$ 553 mil reunindo contribuições de 6 mil pessoas. O candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro, segundo nas pesquisas, só lançou uma plataforma desse tipo em 22 de julho. Ainda assim, ele já conseguiu arrecadar quase R$ 300 mil, de 3.262 pessoas, até 14 de agosto.

Teo Benjamin é co-diretor da O Bando, uma start-up especializada em financiamento participativo para a política e trabalha este ano para a ambientalista Marina Silva, ficou está em quarto lugar nas pesquisas. A campanha dela já tinha arrecadado mais de R$ 210 mil até 14 de agosto. Ele disse esperar que “as vaquinhas consigam entre R$ 20 et 30 milhões no Brasil, todos os cargos e campanhas somados".

O total é bem menor que o R$ 1 bilhão que apenas dez empresas haviam declarado ter doado em 2014 para os candidatos a chefes de Estado. "Em valores, não há cultura de doação suficiente pra incorporar doadores tão expressivos pra substituir as doações empresariais", diz Marco Antônio Carvalho Teixeira, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas. Mas, segundo ele, esses novos métodos "permitem que qualquer candidato busque fundos. Isso é importante e positivo".

Ajuda do Estado de acordo com o peso político

Na última reforma política de 2017, o Congresso também criou o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC), responsável pela distribuição de R$ 1,7 bilhão entre partidos políticos de acordo com o número de parlamentares.

"Na verdade, é uma reforma altamente conservadora que não contribui com a renovação politica: ela cria novos obstáculos para novos entrantes", afirma Carvalho Teixeira. O tempo da campanha foi encurtado, o que favorece candidatos já conhecidos. "Os recursos são distribuídos segundo a bancada dos partidos obtida nas últimas eleições. O tempo de TV também é distribuído seguindo o mesmo princípio. Ainda tá obscuro como vai se distribuir esse dinheiro do Fundo, e como ele vai ser controlado pelo tribunal".

Com 10% dos votos, "Marina Silva terá apenas R$ 5 milhões do fundo", revela o Benjamin, que está preocupado com a desigualdade desta campanha. “Então, para alguns candidatos, as vaquinhas são essenciais”. O secretário nacional de finanças e planejamento do PT rejeita qualquer injustiça: "Um partido que não tem bancada não deve receber o mesmo valor dos partidos consolidados. Não vejo situações totalmente desiguais. Ao contrário: para alguns, é a primeira vez que vão ter 20 milhões, sendo que antes faziam uma campanha com 2 milhões”. A campanha de Lula receberá cerca de R$ 50 milhões do fundo eleitoral.

É uma maneira de fidelizar o eleitor

"Eu não vejo a questão das vaquinhas como algo importante no Brasil, como algo que vai crescer e que vai tomar o lugar das doações das empresas”, declara um membro da campanha de Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda do presidente Michel Temer. “Nós vamos fazer uma, mas a gente não conta de maneira alguma com ela". O partido de Meireles e de Temer, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), receberá 12,5% do FEFC para todas as campanhas - presidenciais, legislativas e estaduais – ou seja, a maior fatia do bolo. Meirelles, cujo nome apareceu nos Panama Papers, anunciou que iria financiar a maior parte de sua do seu próprio bolso.

Mas a maioria dos partidos vê essas vaquinhas de outro jeito. "É uma maneira de fidelizar o eleitor e substituir parcialmente o financiamento das empresas”, diz Jean Hébrard. “Ao contrário dos Estados Unidos, as vaquinhas brasileiras dependem do número de pessoas, o que contribui para a lealdade”, já que as contribuições estão limitadas a 10% da renda do doador. "Ela (a vaquinha) engaja e ajuda a campanha. Importa principalmente o engajamento, pois no Brasil as pessoas estão muito distantes no processo eleitoral.", diz um membro de campanha do ex-ministro Lula, Ciro Gomes.

 

As vaquinhas são o novo caixa dois das campanhas?

"Mas será que este método de financiamento será uma nova versão de caixa dois?”, se pregunta Jean Hébrard. “Tudo é possível”. De acordo com o jornal O Estado de Minas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também confirmou que teme que essas "vaquinhas" sejam usadas como ferramenta de lavagem de dinheiro, durante uma coletiva de imprensa em 29 de junho.

"De qualquer forma, o lobby continua: há muito tempo ele é uma maneira disfarçada de financiar partidos políticos", continua Jean Hébrard. “E não há razão para ele deixe de existir".

Para Carvalho Teixeira, limitar os gastos é, em si, um passo importante para conter a corrupção, “mas isso só ocorre realmente quando tem fiscalização. Então é impossível dizer que não haverá caixa dois. Não é esperando uma prática virtuosa e repentina da classe política que vamos obter uma diminuição da corrupção, mas somente com maior fiscalização", conclui.

O PT, por sua vez, tem uma segunda "vaquinha" para financiar "atividades" em Curitiba - onde o ex-presidente Lula está preso por corrupção e onde ocorrem manifestações e vigílias. Ela "recolheu mais de R$ 1milhão e não entra nas contas da campanha", explica Emídio de Souza antes de mudar de assunto. "O problema no Brasil sempre foi o caixa 2. Isso foi uma deformação da democracia e o PT fez parte disso, estamos conscientes”, diz ele, rejeitando qualquer possibilidade de financiamento paralelo. “Para quem praticou, é uma oportunidade de reforçar a democracia e impedir que essa deformação da democracia ocorra de novo".

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