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Linha Direta

Argentina: campanha pró-aborto revela tensões entre governo e Igreja

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O país do Papa está perto de legalizar o aborto de forma geral e gratuita. Na reta final de campanhas pró e contra o aborto, a Igreja argentina acelera a ofensiva contra a legalização. O objetivo é conseguir convencer os senadores que, no próximo dia 8, podem transformar o aborto em lei.

O Senado da Argentina iniciou em quatro de julho discussão em comissões do projeto de lei para descriminalizar o aborto.
O Senado da Argentina iniciou em quatro de julho discussão em comissões do projeto de lei para descriminalizar o aborto. Reuters
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Neste fim de semana, as missas convocaram os fieis a se manifestarem publicamente. E ao longo da semana, manifestações pró-vida terão o apoio da Igreja. Por trás dessa corrida contra o aborto, há uma tensão ainda maior: a do Papa contra o governo do presidente Mauricio Macri. O aborto coloca a Argentina em rota de colisão com o Vaticano, mas também revela os erros políticos do Papa na sua própria terra.

Se até o dia 14 de junho, quando a Câmara de Deputados deu meia sanção, a Igreja argentina e o Papa ficaram em segundo plano nesse debate pelo aborto, agora, na reta final, tentam recuperar o terreno. A Igreja não organiza manifestações, mas, em nota oficial, anunciou que apoia e até que encoraja ações de organizações civis a favor da vida e contra o aborto.

Neste domingo (29), os sacerdotes celebraram a Missa pela Vida e convocaram os fieis a se manifestarem publicamente contra o aborto. Muitos veem nessas homílias uma ordem direta do Papa. Na quarta-feira, manifestações em frente ao Congresso e, no próximo sábado, uma concentração grande de movimentos pró-vida, em sintonia com a mensagem do Papa de se pronunciar em defesa de toda vida humana.

Marcha de apoio

Nesta segunda-feira (30), às 19 horas, haverá uma marcha em frente à residência presidencial. Isso mostra como o governo argentino e a Igreja vivem um momento de máxima tensão. goipresidente Maurício Macri quem habilitou o debate, orientando os legisladores governistas a tratarem do assunto. Macri se diz contra o aborto e a favor da vida, mas deixou os seus legisladores livres de qualquer pressão para decidirem.

A Igreja, além de criticar o presidente Macri por abrir essa porta, desconfia que o governo, na verdade, agiu a favor do aborto na votação final, quando viu que a iniciativa seria derrotada. Até horas antes da votação na Câmara de Deputados, a legalização não tinha maioria, mas três deputados governistas mudaram de opinião naquela mesma noite. Nos bastidores da disputa, membros do governo admitem a tensão com o Papa. A ex-senadora María Eugenia Estenssoro disse que o Papa declarou a guerra política ao governo Macri por ter aberto essa porta, a mais sensível de todas para a Igreja.

Membros da própria coligação governista e analistas políticos afirmam que Macri só habilitou o debate porque sabia que o aborto seria derrotado na Câmara de Deputados. E a Igreja também acreditou nessa premissa que se mostrou errônea. Esse foi um dos erros do Papa. Outro erro do Papa foi nunca ter vindo à Argentina, sua terra natal, e ter mantido uma fria distância com o presidente Mauricio Macri.

Papa nunca visitou a Argentina

O Papa veio quatro vezes à América do Sul, mas nunca fez uma visita ao seu próprio país. É verdade que recebeu o presidente Mauricio Macri no Vaticano duas vezes, mas se manteve frio e sério enquanto recebia a oposição de forma sorridente. Os analistas acreditam que essa distância do Papa permitiu o debate pelo aborto. Se Francisco tivesse sido mais próximo, talvez nem Macri tivesse a iniciativa do debate nem os legisladores tivessem a facilidade de defender a causa.

Se o aborto for aprovado, o Papa sofrerá uma derrota política. Na sua cruzada cultural contra o liberalismo e a favor de projetar a Igreja católica no mundo, o Papa sofreu uma derrota com a legalização do aborto na Irlanda e agora pode sofrer outra na sua terra natal. E a Argentina ainda pode ser a primeira peça de um debate regional, justamente quando a Igreja tem um Papa sul-americano.

Eleições em Buenos Aires

Em 2015, a Igreja teve papel fundamental nas eleições na província de Buenos Aires que concentra 40% dos votos do país. Agora, esse papel pode se reverter contra o governo nas eleições do ano que vem. Por isso, a atual governadora Maria Eugenia Vidal mostrou-se contra o aborto assim que os sacerdotes endureceram o discurso. Semanas atrás, a governadora esteve com o Papa no Vaticano e teria ouvido duras críticas do Pontífice.

Pela primeira vez na história, existe um Papa argentino. E quando isso poderia supor uma sintonia favorável a ambos, a relação entre o Vaticano e o governo é péssima e dificilmente será revertida. Assim, politicamente, perdem os dois lados.

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