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“Desigualdade não diminuiu tanto assim nos anos 2000”, diz pesquisador do IPEA

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A Paris School of Economics reuniu na capital francesa entre os dias 18 e 19 de maio especialistas de vários países para discutir a possibilidade de harmonização na coleta de dados fiscais e de rendimentos, um importante mecanismo para avaliar questões como desigualdade social e econômica em uma sociedade.

O doutor em Sociologia e pesquisador do IPEA, Pedro Ferreira de Souza, nos estúdios da RFI.
O doutor em Sociologia e pesquisador do IPEA, Pedro Ferreira de Souza, nos estúdios da RFI. Foto: RFI Brasil
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O workshop de dois dias, no entanto, não produziu um consenso sobre a melhor maneira de ter acesso aos principais indicadores econômicos da população, segundo Pedro Ferreira de Souza, pesquisador do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e representante do Brasil no evento.

“É um problema no mundo todo, pelo menos nos países que estão tentando medir e que se preocupam com isso”, alerta. “Fala-se muito de pobreza e de desigualdade e existem várias políticas públicas para combater esses problemas, mas a própria mensuração para saber o que existe afinal, o que é a realidade, é uma coisa complicada”, afirma.

A coleta de informações pode ser feita de diferentes maneiras, como a pesquisa direta em domicílios, declarações de imposto de renda ou outros instrumentos usados pelo governo. O que os pesquisadores constatam é que os resultados não são compatíveis entre si, gerando às vezes distorções na análise dos dados.

Para algumas informações, alguns dados são melhores, como por exemplo, a declaração de Imposto de Renda para avaliar os rendimentos dos mais ricos. “Às vezes eles nem sabem quanto ganham, ou omitem e nem respondem a questionários”, afirma. “Muitos países estão lidando com o problema de como compatibilizar e juntar essas informações do melhor jeito possível. Há várias maneiras de se fazer isso, mas não existe consenso sobre qual é a melhor de todas. O objetivo é caminhar no sentido de ter uma tecnologia mais robusta em relação aos dados”.

A dificuldade do consenso existe pelas características diferentes dos países na coleta de dados. “No Brasil, cerca de 20% da população adulta faz a declaração do Imposto de Renda de fato. Nos Estados Unidos e em alguns países europeus esse índice é de quase 90%. Os governos sabem quase tudo sobre os cidadãos. Isso cria muitas diferenças”, constata Pedro de Souza.

Quando comparado à realidade de outros países, o Brasil está em uma posição relativamente boa, afirma o pesquisador, citando principalmente a Rússia, onde menos de 2% da população adulta presta contas ao Leão.

Concentração de renda no topo

No caso do Brasil, os dados recolhidos pela Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) são de extrema importância e continuarão a ser importantes por muito tempo, segundo Pedro de Souza. No entanto, para avaliar de fato dados relacionados à desigualdade social é preciso ter um maior acesso às declarações do IR da população instalada no topo da pirâmide financeira.

“A nossa desigualdade está no topo. Entre 5 e 10% dos mais ricos concentram metade da renda nacional. Para saber como são os rendimentos e como evolui a desigualdade é preciso incorporar essas informações do IR de alguma forma”, declarou, lembrando que desde os anos 1920 o Brasil aplica esse procedimento que está bem consolidado.

“A apuração da renda é boa e confiável”, diz. No entanto, o acesso aos dados é limitado ao corpo técnico da Receita Federal por questões relacionadas à preocupação de manter o sigilo fiscal do declarante. O ideal, segundo Pedro de Souza, é permitir o acesso a dados como já existe nos Estados Unidos. Desde os anos 1960 os dados de renda são acessíveis sem que os pesquisadores obtenham informações sobre a identidade dos declarantes.

Apesar desse cuidado, a Receita Federal vem divulgando nos últimos anos tabulações de rendas que ajudam a verificar com maior precisão o verdadeiro cenário da desigualdade brasileira. As informações permitem aos pesquisadores concluir que a diminuição do abismo entre os mais ricos e os mais pobres não foi tão importante quanto propalada por recentes governos.

Na entrevista, Pedro lembrou que nos últimos anos, as pesquisas feitas diretamente nos domicílios do país pelo IBGE revelaram que de fato, nos últimos 10 ou 15 anos, houve uma queda muito grande da desigualdade. “ Era a melhor informação que havia naquele momento, que mostrava um aumento de renda, diminuição da pobreza, que era inegável, e uma redução da desigualdade que era inédita. Todo mundo ficou bastante eufórico”, lembrou.

No entanto, quando os pesquisadores tiveram acesso a dados mais detalhados de faixas de renda oferecidos pelas tabulações da Receita Federal, houve a constatação de que a mudança na escala social foi bem menor do que o anunciado. “A queda da desigualdade foi menor porque os mais ricos, em termos relativos, não perderam nada, ficou estacionado. Os muito pobres se deram bem, se aproximaram da classe média, mas a distância da classe média para os ricos permaneceu a mesma de antes”, explicou. “Houve uma ligeira queda das desigualdades pelas medidas tradicionais, mas nada perto do que a gente achava que tinha acontecido de fato. Foi metade, ou mesmo um terço do que se pensava”, afirmou.

Sobretaxar mais os ricos

“No Brasil, se a parcela de renda dos ricos não mudar, não tem como a desigualdade cair. Vendo nos dados que a parcela dessa turma ficou estável, não tem como a desigualdade cair muito, ela cai um pouquinho, é uma mudança marginal. Não vai ter aquela mudança que todo mundo aspira para que o Brasil se torne um país menos desigual”, afirmou Pedro de Souza, que também é doutor em Sociologia.

Um dos caminhos apontados pelo especialista para combater de maneira eficiente a desigualdade seria melhorar a própria cobrança do Imposto de Renda. “Neste momento de crise fiscal, a questão seria aumentar o IR dos mais ricos, e com isso cobrar menos imposto sobre consumo, alimentos e outros itens que são consumidos pela massa da população. Seria um bom primeiro passo”, avalia.

  

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