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Brasil-Mundo

Lidar com calamidades no Brasil preparou médica paulista a dirigir hospital no Iêmen

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A guerra no Iêmen já deixou mais de 10 mil mortos, 53 mil feridos e mergulha a população do país em uma situação miserável. Mais de dois milhões de pessoas já foram obrigadas a deixar suas casas. A brasileira Cecília Hirata Terra é diretora do hospital de traumas da Médicos Sem Fronteiras (MSF), em Áden, e fala sobre as dificuldades de se trabalhar em um país em guerra.

A médica brasileira Cecília Hirata Terra dirige um hospital de feridos de guerra da ONG francesa Médicos Sem Fronteriras no Iêmen.
A médica brasileira Cecília Hirata Terra dirige um hospital de feridos de guerra da ONG francesa Médicos Sem Fronteriras no Iêmen. Divulgação
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O conflito divide o país desde 2014. Depois de anos de caos e violência, os rebeldes xiitas, chamados houthis, tomaram a capital Sanaa, forçando o governo a se mudar para a cidade portuária de Áden, no sul.

Os iemenitas tentam fugir do norte, alvo de ataques constantes da coalizão liderada pela Arábia Saudita, em direção a Áden. A cidade está saturada e a pobreza que toma conta do local é endêmica. Os serviços básicos são fornecidos pelas poucas ONGs presentes no local.

Há dois meses em Áden, Cecília Hirata Terra, de 35 anos, dirige o hospital para feridos de guerra da MSF em Áden. Ela integrou a ONG em 2014 e trabalhou antes na Etiópia e no Sudão do Sul.

Natural de Campinas e formada pela Universidade de São Paulo (USP), a médica já havia atuado em programas do Sistema Único de Saúde (SUS), como o Saúde da Família, em regiões afastadas do Nordeste.

Nesta entrevista à RFI, ela explica a importância de sua experiência no Brasil para atuar em uma organização humanitária em zona de guerra.

RFI – O fato de ter sido formada no Brasil e trabalhado no SUS e no Nordeste, em contato com a violência e bolsões de miséria e doenças endêmicas, isso ajudou o seu trabalho no Iêmen?

Cecília Hirata Terra - Ninguém nunca está preparado para uma situação de guerra. Você vai aprendendo a conviver com o que vê. Eu me formei no Brasil, estudei no Hospital das Clínicas, em São Paulo, que recebe diariamente muitos feridos por armas de fogo, e também alguns anos no Nordeste, com populações carentes. Tecnicamente foi um preparo importante.

RFI – A senhora trabalha perto das frentes de combate. Quais as principais dificuldades para se lidar com isso, são problemas materiais ou psicológicos?

CHT – Estamos em um hospital de traumas, em Áden, que é uma cidade grande, com recursos, não há falta de materiais, a qualidade de vida é boa. Talvez no interior os acessos sejam mais difíceis, mas aqui não há problemas de suprimentos. Mas o fato de termos uma mobilidade restrita, de ser um hospital muito movimentado, acabamos ficando muito tempo no local, trabalhando muitas horas, e isso muda muito a sua rotina. A nossa casa é um pedaço dentro do hospital. Isso faz com que estejamos o tempo todo conectados com o hospital, para qualquer emergência. É difícil lidar com isso também.

RFI – E a comunicação com os pacientes, se eles não falam inglês, por exemplo?

Eu sou a diretora do hospital, mas a equipe é toda nacional – médicos, enfermeiros e cirurgiões. A maioria fala muito bem inglês e eles acabam agindo como tradutores quando é preciso conversar com os pacientes. Mas também temos tradutores para períodos mais longos ou para documentos. Claro que sempre se perde um pouco com a tradução, mas no final, conseguimos um contato próximo com os pacientes, apesar de não falarmos árabe.

RFI – Além da guerra civil, existe a ameaça de epidemias, como o cólera?

CHT – No ano passado, teve uma epidemia de cólera, que é sazonal. Ou seja, ela não se arrasta pelo ano todo. Ao mesmo tempo, existe o risco que ela volte no verão. Estamos aqui no começo da primavera e não descartamos o risco de doenças como o cólera aparecer ou voltar.

RFI – E existe uma estrutura para lidar com uma eventual epidemia?

CHT – Temos espaço e condições para montar um centro de tratamento de cólera, se necessário. A MSF tem um projeto de emergência também, apesar de sermos um grupo de trauma, num hospital de trauma. Temos as medicações necessárias, se preciso. Temos estoque e material pelo menos para iniciar uma primeira resposta no caso de epidemia.

RFI – A sua equipe em Áden é composta por quantas pessoas?

CHT – Temos uma equipe médica, logística e administrativa. Ao todo, são entre 250 a 300 funcionários. Nem todos estão sob minha supervisão, pois eu dirijo a equipe médica.

RFI – Dra Cecília, nessa situação de guerra civil, a senhora teme pela sua vida?

CHT – Em qualquer país em guerra, essa condição é inerente. Mas não estamos tão perto das frentes de combate, que estão a cerca de três horas de Áden, que não é, portanto, uma cidade em guerra. Áden está na verdade em um pós-guerra, se reconstruindo. Mas a organização MSF tem uma aceitação muito grande da população, por oferecermos cuidados médicos gratuitos, independente de grupo político, raça, etnia. Mesmo em casos de violência entre grupos rivais, o hospital é geralmente poupado. Eles sabem que no hospital estão famílias de diferentes grupos, nenhum paciente precisa pagar por serviços médicos ou cirurgias. A nossa grande proteção é o serviço que a gente presta.

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