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“Arcaísmo marca representação do negro no cinema”, opina sociólogo da Unicamp

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Professor de Multimeios da Unicamp, o sociólogo Noel Carvalho é autor de trabalhos científicos sobre a representação do negro no cinema brasileiro, além de pesquisar o modelo de produção do cinema nacional. De passagem por Paris, ele parou nos estúdios da RFI para uma entrevista rápida que poderia ter durado dois dias. 

Professor Carvalho: "a representação do negro no cinema brasileiro é expressão do resíduo da escravidão".
Professor Carvalho: "a representação do negro no cinema brasileiro é expressão do resíduo da escravidão". RFI
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Das chanchadas de Grande Otelo a filmes contemporâneos como Tropa de Elite, passando por clássicos como Xica da Silva, a representação do negro no cinema brasileiro não segue uma evolução contínua e positiva, opina Noel Carvalho.

“O que marca a representação do negro no cinema é um certo arcaísmo”, revela o professor em entrevista à RFI Brasil. “Um arcaísmo da própria sociedade brasileira que não fez a transição para o moderno. Uma sociedade que não diminuiu a desigualdade, não construiu um povo, não construiu uma nacionalidade igual para todos no plano de acesso aos direitos políticos. E isso aparece no cinema! Como nós não fizemos a transição completa da escravidão para uma sociedade democrática, de plenos direitos, ainda temos uma grande quantidade de pretos sendo representados como pano de fundo. (...) Enfim, o negro no cinema brasileiro é uma expressão desse resíduo da escravidão entre nós”.

Melhorou, mas não muito

Mas se essa representação sempre foi picaresca ou secundária, relegando o personagem negro à condição de escravo ou empregado, filmes mais recentes como Cidade de Deus dão grande destaque a personagens negros.

“Houve uma evolução, mas os personagens ainda estão numa posição secundária”, observa Carvalho. “Em Cidade de Deus, por exemplo, há dois personagens principais (negros) que têm densidade, têm uma curva dramática. No entanto, eles ainda estão na situação de favela e de pobreza. Então, há uma mudança, mas há uma permanência também. É a recorrência desse passado escravocrata, desse racismo institucional que permanece (no cinema brasileiro)”.

Uma nova geração de diretores negros

“A grande mudança, de fato, é o aparecimento de produtores e diretores negros”, ressalta Carvalho. “Se nós não mudarmos o grupo social que tem condições de fazer filmes, nós estaremos sempre numa situação de permanência. A partir do final da década de 1990 são lançados dois manifestos: o Dogma Feijoada, em São Paulo, com os sete mandamentos do Cinema Negro (efetivamente, uma provocação), e o Manifesto do Recife, que, apesar do nome, tinha muitos atores e diretores do Rio de Janeiro. Isso não significa, porém, que filmes de diretores negros abordem o negro de uma forma diferente. Também não significa que todos os diretores brancos abordem os negros de uma maneira necessariamente estereotipada. Boas exceções foram Cacá Diegues, Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha e José Carlos Burle, que têm representações do negro bem interessantes, que fogem do estereótipo”.

O polêmico filme Vazante – de volta à Escrava Isaura?

No último festival de Brasília, o filme Vazante, de Daniela Thomas, gerou polêmica. Segundo alguns negros (e jornalistas brancos também), o filme teria representado os negros na tela de uma forma antiquada, em que o negro não passa de figurante para o drama dos brancos (senhores de escravos).

“Hoje há uma cultura dominante que não aceita mais a violência contra mulheres, negros, crianças”, lembra Carvalho. “Eu acho que nós evoluímos de uma situação muito permissiva na década de 1980 para uma situação de uma certa civilidade no plano da representação. Algumas coisas passaram a ser intoleráveis no cinema, no rádio, na literatura, etc. Vazante foi bastante criticado por apresentar personagens negros como pano de fundo, sem voz, sem fala. É um filme recente, de 2017, feito por uma cineasta relativamente jovem, mulher, que lança mão de estereótipos do cinema brasileiro da década de 1930: o negro silencioso, comum no tempo da Vera Cruz, da Cinédia!”, comenta o professor.

O futuro é agora, nos curtas-metragens

“A partir do governo Lula, houve a ascensão de uma classe média, houve a abertura de novos cursos de cinema em novas universidades, que possibilitaram a chegada do estudante negro, que reivindica a sua representação. Isso gerou uma onda nova de filmes de curtas-metragens. Os curtas que estão sendo produzidos hoje, por negros, brancos, mulheres, homossexuais, indígenas, todos enfim, são filmes infinitamente melhores do que os longas-metragens atuais. Eu aposto que essa geração vai impactar o audiovisual nacional daqui a algum tempo”, encerra Carvalho.

Clique no box abaixo para assistir na íntegra à entrevista do professor Noel Carvalho.

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