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Brasil/ Retrospectiva 2017

Visões do Brasil – país perde influência, mas continua atraente

A pedido da RFI, o sociólogo Marcelo Ridenti, professor da Unicamp com passagem pela prestigiada Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris (EHESS, na sigla em francês) e um diplomata do Serviço Exterior Brasileiro que pediu para não ser identificado, analisam como o Brasil foi visto pela mídia e pelos países estrangeiros que visitaram a trabalho neste ano.

Brasil é visto de fora pela sua triste realidade de desigualdade social e preconceito.
Brasil é visto de fora pela sua triste realidade de desigualdade social e preconceito. http://www.igualdaderacial.ba.gov.br
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Sociólogo e diplomata divergem sobre visões do Brasil em 2017, mas concordam que país segue interessante para os estrangeiros.

Para o  Brasil, a partir da visão de quem está fora, 2017 foi um ano de…

1 - Recessão econômica e aumento das desigualdades

“Eu acho que o fato de o boom que existia sobre Brasil nos noticiários ao redor do mundo e mais especificamente na Europa, ter terminado se deve a alguns fatores: a recessão econômica e, mais importante, a maneira como o atual presidente Temer tomou posse, num impeachment muito contestado, muito estranho. E também ao fato de que há uma desigualdade enorme num país como o nosso e isso repercute muito mal na Europa, particularmente na França, onde as desigualdades são bem menores, particularmente as desigualdades salariais”, diz o sociólogo Ridenti também professor visitante no IHEAL (Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine), cátedra Simon Bolivar.

Já para o diplomata, “houve, certamente, um expressivo crescimento, nos anos 2000, decorrente mais do boom do preço das commodities exportadas para a China do que propriamente do desenvolvimento estrutural doméstico e da redução do chamado ‘Custo Brasil’ (tributação elevada e confusa, infraestrutura deficiente, burocracia, etc.). O presidente Lula valeu-se da expansão, não sustentável, da economia brasileira”, disse.

Porém, segundo ele, isso começou a mudar ainda no segundo mandato de Lula. “A adoção, no segundo mandato presidencial, da chamada ‘Nova Matriz Econômica’, alterou os pilares do Plano Real e os próprios compromissos adotados pelo PT na ‘Carta aos Brasileiros’. A reedição do nacional-desenvolvimentismo, emulando aquele implementado por Ernesto Geisel, provocou a sangria do Estado e, aprofundado no governo Dilma Rousseff, impôs ao Brasil a maior crise econômica desde a Depressão de 1929. Diante desse quadro, sim, houve perda da influência natural exercida pela política externa brasileira (PEB), como mecanismo de compatibilização das necessidades internas com possibilidades externas”, analisa.

“É bem verdade que o governo Temer, até recentemente, defrontou-se com a agenda da sobrevivência, graças, assim como seus predecessores no Planalto, a conexões fisiológicas de longa data, embora com maior habilidade em suas relações turvas com o Legislativo. Com isso, pode-se dizer que a política externa não se encontra, exatamente, no topo das prioridades da atual gestão”, conclui.

2 – Queda na credibilidade

“Sem dúvida o impeachment de Dilma Rousseff e o governo Temer tiraram a credibilidade do Brasil no cenário internacional. Parecia que o Brasil vinha num cenário de democratização, particularmente após os dois governos de Fernando Henrique Cardoso e depois os dois governos de Lula da Silva e durante o começo do governo Dilma. O que se viu com este processo, com este imbróglio que foi o impeachment, foi uma perda enorme de credibilidade, o Brasil voltou a ser visto como uma República de Bananas”, disse Ridenti.

O diplomata discorda de que a dita perda de credibilidade seja inerente a este governo.

“Salvo num primeiro momento, com episódios pontuais de reprovação, como durante o primeiro discurso de Temer na Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2016, quando delegados de quatro ou cinco países latino-americanos se retiraram do plenário, “não diria que o Brasil perdeu credibilidade. Um exemplo claro foi a eleição do Brasil, ainda no ano passado, para assento no Conselho de Direitos Humanos da ONU, com forte apoio de seus pares da América Latina.

“No campo da falta de credibilidade, vale lembrar que a então presidente Dilma Rousseff nunca acreditou na importância da política externa, como demonstram os sucessivos cortes orçamentários do Itamaraty, um dos ministérios com menor parcela de despesas na Esplanada. O brutal corte orçamentário acarretou, ainda, no governo Dilma, vertiginoso e vexatório acúmulo de dívidas como resultado da falta de pagamento das contribuições obrigatórias do Brasil a organizações internacionais. A divulgação das dívidas do Brasil em relatórios da ONU, essa sim, era motivo de perda da credibilidade – e de constrangimento a seus agentes diplomáticos”, denuncia.

3 – Queda na chance de conseguir a tão almejada vaga no Conselho de Segurança da ONU

“Neste cenário, é claro que ficou muito difícil aquele velho sonho deter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, eu acho que as chances caíram enormemente. Tem uma frase atribuída a De Gaulle que diz que o Brasil não é um país sério. Esta era a imagem que vinha colada antigamente no país e vinha mudando a partir do processo de redemocratização. Isso caiu por terra com o que nós temos visto na política brasileira recentemente, particularmente no cenário internacional em que o Brasil tinha ganhando uma credibilidade durante a sua política externa de aproximação com os chamados BRICS, a Rússia, China, Índia e a África do Sul, os países do Sul, como se convencionou falar”, disse o sociólogo.

“Já no governo Dilma a política externa já não tinha tanto espaço e atualmente criou-se uma visão de que o Brasil é praticamente alguém que vai na cola dos Estados Unidos em política internacional. Interessante notar que foi muito importante no cenário internacional a posição do período em que o Celso Amorim foi chanceler, que mostrou uma relativa independência do pais no cenário internacional sem necessariamente afrontar diretamente os interesses dos norte-americanos, mas compondo com outras forças e buscando um cenário de relativa autonomia no plano internacional, e isso deu muita credibilidade ao país”, analisa Ridenti.

Para o diplomata, trata-se de uma questão que independe de quem ocupa a presidência: “A aspiração do Brasil a assento no Conselho de Segurança da ONU é projeto de Estado, persiste no atual governo e, independentemente do próximo governo, seja de centro-esquerda ou de centro-direita, continuará”, afirma.

“O cenário internacional, entretanto, tem sido muito desfavorável, em comparação, por exemplo, a 2005, ano em que o Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, divulgou o relatório ‘In Larger Freedom’, através do qual propunha a ampliação do Conselho de Segurança. O G4, composto por Brasil, Alemanha, Índia e Japão, mantém-se unido no propósito de reformar as Nações Unidas. Porém, é improvável que o P5 (os cinco membros permanente do CS) concordem com a ampliação do Conselho, em especial com a atribuição do poder de veto aos novos integrantes. O presidente Donald Trump, um néscio sem qualquer experiência internacional, deverá inviabilizar ainda mais qualquer reforma das Nações Unidas, sobretudo em virtude do total desdém do republicano pelas instituições multilaterais”, analisa.

4 - Queda no destaque na imprensa internacional

“Sobre o Brasil no cenário francês, há um contraste enorme. Da última vez que eu tinha vindo a Paris para ficar mais tempo foi na virada de 2009 para 2010 e, naquele ano, o jornal Le Monde deu o prêmio de Homem do Ano para o Lula, que era o presidente do Brasil na época. E isso já depois do mensalão, então havia um prestígio enorme do Brasil no noticiário aqui que me parecia às vezes até um pouco exagerado”, diz o sociólogo, que esteve em Paris no segundo semestre de 2017 para uma série de aulas e conferências.

Na visão dele, isso mudou em 2017: “Agora, para se ter ideia de como  o Brasil tem aparecido no noticiário francês, são constantes as matérias que aparecem frases como ‘um cinismo perigoso dos políticos’, como disse o Le Monde recentemente ou outra matéria que diz que o Brasil tem um ‘ar de sociedade de castas’. Quer dizer, para eles é muito escandaloso o processo de desigualdade social do Brasil, que parecia estar sendo pelo menos diminuído um pouquinho, especialmente nos governos do Lula, mas a imagem que voltou forte é justamente esta da sociedade de castas, como aparece nas pesquisas recentes do (Thomas) Piketty, um célebre economista que fala das desigualdades enormes do Brasil”, relata.

E a chamada onda de conservadorismo repercute, segundo o sociólogo: “Outro tema é a chamada bancada do Boi, Bíblia e Bala: o escandaloso conservadorismo que tem dominado o Congresso brasileiro também repercute aqui. Então estas notícias todas, num país com tradição social-democrática, num país com tradição de lutas sociais como é o caso da França, pega muito mal. E, particularmente, também é um país, independentemente de posições de esquerda ou de direita, que tem uma tradição republicana e democrática muito forte, então esta 'salada' que tem sido feita no Brasil recentemente, particularmente no processo de impeachment, pega muito mal num país republicano como é o caso da França”, analisa.

Segundo o diplomata, a queda do interesse da impressa internacional se deve ao que ele chama de período de transição. “É certo que o Brasil não tem recebido, na imprensa internacional, o mesmo destaque dos anos, digamos, exuberantes da era Lula. Há uma percepção geral, acredito, de que o Brasil esteja passando por período de transição, tendo à frente um presidente extremamente impopular e certamente carente da força moral que Itamar Franco tivera ao assumir a presidência em 1992. No entanto, não só por seu potencial, mas por sua escala, o Brasil é um daqueles países incontornáveis na ordem internacional. Sua voz continua sendo ouvida e respeitada nos foros multilaterais”, afirma.

Matéria publicada neste sábado (15) pelo jornal Le Monde com o título: "O Brasil tem ares de uma sociedade de castas".
Matéria publicada neste sábado (15) pelo jornal Le Monde com o título: "O Brasil tem ares de uma sociedade de castas". DR

5 – Perda de influência em nível mundial

“Dificilmente o Brasil vai continuar naquela trajetória de ser um player (jogador) na geopolítica internacional, como chegou a ser na era do Lula, com este cenário de desmoralização. E é muito difícil recuperar uma credibilidade. Do fim do processo da Ditadura, no processo de transição dos anos 80 até o governo da Dilma, nós vimos que lentamente o Brasil recuperou uma credibilidade democrática no cenário internacional. Esperemos que possa, a partir das próximas eleições reconstruir este processo, mas vai ser muito difícil. Quer dizer, levou 30 anos para o pais conseguir alguma credibilidade e, de repente, ele volta a um estágio que bate aos olhos aqui do exterior – e ao coração também, das pessoas – em que o Brasil voltou a ser uma República de Bananas. Esperemos que isso mude e que o Brasil possa reencontrar um caminho de realmente se tornar um player na geopolítica internacional, mas não é assim tão fácil, porque as cicatrizes estão postas e as dúvidas sobre este processo político da chamada consolidação da democracia no Brasil são muito grandes, tanto no país como no exterior”, diz o sociólogo.

O diplomata, no entanto, refuta a ideia de que o protagonismo do Brasil no cenário geopolítico foi criado por Lula.

“Acredito ser um erro afirmar que o Brasil só se tornou num player na era Lula. Ainda que a trajetória do antigo líder sindical tenha despertado atenção e simpatia de vários líderes e de significativos segmentos da mídia, o papel protagônico do Brasil na arena internacional é antigo e reconhecido, e não deve ser apagado pela euforia que tomou conta naqueles anos. Importante recordar que o Itamaraty (formado por corpo profissional de servidores públicos, aprovado exclusivamente por concurso público, desde a criação do Instituto Rio Branco, em 1945), não surgiu somente em 2003, mas mantém atuação quase bicentenária; cabe, assim, destacar o papel de relevo do Brasil nas últimas décadas, desde a restauração da democracia”, pontua.

“Isso posto, não há dúvidas de que o Brasil, salvo por uma catastrófica eleição de Bolsonaro ou qualquer outro aventureiro, continuará a ser um ator-chave na América do Sul e um player relevante em temas fundamentais como meio ambiente, desarmamento, saúde, direitos humanos etc.”, conclui.

6 - Interesse inabalável

Apesar dos revezes deste ano, o interesse – e mesmo o carinho – do mundo pelo Brasil é inabalável. Neste ponto, sociólogo e diplomata concordam.

“O Brasil e a França são países que têm um amor antigo: os brasileiros em geral gostam muito da França, os franceses também do Brasil, isso em parte foi abalado pelos últimos acontecimentos, mas há um sentido de que a vida continua, a historia continua, e o futuro há de trazer melhores ares, embora também aqui o pessimismo, como em âmbito mundial, tem sido grande, do ponto de vista de retrocessos sociais importantes que nós temos visto, por exemplo nos Estados Unidos, com o Trump, e mesmo aqui na França, com o Macron. Mas, independentemente das crises, o namoro entre o Brasil e a França continua”, aposta Ridenti.

Para o diplomata, o interesse continua o mesmo. “Sim, independentemente de qualquer governo. Depois do hiperativismo da diplomacia presidencial de Lula, o Brasil padeceu da retração, com repercussões extremamente negativas, do hipoativismo de Dilma, que se mostrou incapaz de compreender a importância da ação diplomática para o desenvolvimento do país. Hoje, o momento é de esforço para a superação da ressaca rousseffiana”, avalia.

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