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“É preciso reformar a legislação sobre as drogas para diminuir a violência no Brasil”, diz Misha Glenny

“Mandar o Exército para uma favela é uma solução de curto prazo e, mesmo assim, não vai resolver muita coisa. O que vemos, no momento, é sobretudo uma tentativa do governo do Rio de mostrar que esta fazendo algo contra a violência. É uma demonstração de forças sem nenhum impacto significativo.” Esta é a opinião do jornalista e escritor inglês Misha Glenny, ex-morador da Rocinha, sobre a nova ocupação da favela pelo Exército nesta semana.

O jornalista Misha Glenny, autor do livro "O dono do Morro - Um homem e a batalha pelo Rio"
O jornalista Misha Glenny, autor do livro "O dono do Morro - Um homem e a batalha pelo Rio" Tomaz Silva/Agência Brasil
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Glenny é autor do livro "O dono do Morro - Um homem e a batalha pelo Rio", sobre o traficante e ex-líder da Rocinha Antônio Bonfim Lopes, o Nem. O escritor concedeu uma entrevista exclusiva à RFI em que comenta os últimos acontecimentos no Rio, no Brasil e fala, entre outras coisas, do fracasso da guerra às drogas, da falência do Estado e do legado dos Jogos Olímpicos no Rio.

Para escrever seu livro, além de morar na Rocinha por alguns meses, Glenny fez várias visitas ao traficante Nem, preso desde 2011 em presídios de segurança máxima pelo Brasil (atualmente em Rondônia). Nesta terça-feira (10), sua mulher, Danúbia Rangel, que estava foragida, foi presa em uma operação policial no Rio. Enquanto se escondia da polícia, Danúbia, também conhecida como “xerife da Rocinha”, continuava ativa nas redes sociais.

“Para ser honesto, eu não acho que mude muita coisa. Danúbia deixou a Rocinha alguns dias antes do aumento da violência na Rocinha; que ocorreu nas últimas duas semanas e meia. Eu acho que há, provavelmente, um exagero quando dizem que Nem segue controlando a Rocinha, porque ele está realmente isolado na prisão em Rondônia e, embora ele fale com advogados, ele tem dificuldades de mandar mensagens para o Rio”, avalia o escritor.

Ainda sobre a ocupação da Rocinha pelo Exército, Glenny disse que as informações que tem dos moradores é de que o clima é de muita ansiedade e medo. “As informações que me chegam da Rocinha, dos moradores da favela -- que tem cerca de 100 mil habitantes, dos quais apenas 100 a 150 são membros ativos do cartel de drogas – são de que eles estão extremamente ansiosos e nervosos com a ocupação, com a violência que isso traz; algumas pessoas têm sido baleadas por engano em suas próprias casas”, conta.

A polícia e a guerra às drogas

Segundo o escritor, a polícia no Brasil é bem complicada. “A Polícia Militar, que é operacional, disputa com a Polícia Civil, que é investigativa. Estas duas principais forças policiais se hostilizam, não cooperam entre si e até atrapalham o trabalho uma da outra. Este é um grande problema. O segundo, é a guerra às drogas. O Estado brasileiro não tem sido hábil, os criminosos nas favelas conseguiram se armar muito bem. Qualquer operação policial na favela tem um risco muito grande”, avalia.

Para ele, o Brasil tem uma enorme resistência em descriminalizar drogas para uso pessoal, como tem ocorrido no México, na Colômbia, na Argentina e no Uruguai. “A menos que haja uma reforma na legislação em relação às drogas, é muito difícil visualizar uma diminuição na taxa de homicídios no Brasil, que é extremamente grande, 60 mil por ano, comparável à de uma guerra civil”, completa.

Questionado sobre se existe uma guerra em curso no Rio, neste momento, ele diz que “não é o que a gente chamaria de uma guerra convencional. O que vemos no Rio de Janeiro é um espetacular e perigoso colapso do Estado e sua habilidade de exercer o monopólio da violência. O Rio esta falido como Estado e depende totalmente do Governo Federal, em Brasília, que, por sua vez, está em meio a uma crise constitucional e econômica, que está estagnando o Brasil”.

O legado dos Jogos Olímpicos

Glenny comenta a criminalidade no Rio e em outros estados brasileiros. Para ele, no caso do Rio, a situação da segurança se deteriorou significativamente, particularmente depois dos Jogos Olímpicos de 2016. “Recentemente, 72% dos habitantes do Rio disseram em pesquisa que, se pudessem, deixariam a cidade por causa da violência”, comenta.

“Com certeza os Jogos Olímpicos contribuíram para piorar a situação. Bilhões de dólares foram desviadas para a corrupção, para assegurar os Jogos no Rio – o presidente do COB foi preso na semana passada – e também, é claro, para construir as estruturas. Se você for ao Rio hoje, é chocante, as estruturas estão em ruínas apenas um ano depois dos Jogos. E muito dinheiro gasto”, lamenta.

Prognósticos

Por estar de volta a Londres, onde reside, e, portanto, muito longe da Rocina e do Rio, Glenny não se arrisca a dar um prognóstico sobre o futuro da Rocinha, mas considera que, na ausência de uma mudança na legislação brasileira em relação às drogas, a melhor solução para a comunidade seria um líder forte, como Nem, “alguém preocupado com o bem-estar da população”.

Contudo ele acha muito difícil ver um líder emergir neste momento, “porque o BOPE está indo lá quase todos os dias, com tiroteios frequentes, então a Rocinha deve ficar instável por mais um tempo”, acredita.

“O Brasil em general precisa de uma reforma política e um sistema de representação politica mais racional, em Brasília; e o país está muito longe disso”, analisa o jornalista, cujo livro “McMáfia”, sobre o crime organizado global, vai virar um programa de TV, que vai ser lançado em janeiro de 2018 no Reino Unido e logo em seguida no resto do mundo, incluindo nos EUA, na França e no Brasil, onde vai passar pelo Amazon Prime.

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