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“Maioria dos filmes nacionais sequer chega ao conhecimento do público”, alerta o crítico Sérgio Rizzo

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Convidado do 19o Festival do Cinema Brasileiro de Paris, o paulista Sérgio Rizzo, crítico do jornal O Globo e apresentador do canal de TV Arte 1, aponta que a maior parte dos filmes produzidos no Brasil, com algum tipo de apoio financeiro do Estado, é desconhecida do grande público.

Sérgio Rizzo, crítico de cinema
Sérgio Rizzo, crítico de cinema RFI
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Num momento em que a cadeira de ministro da Cultura está vaga, quando o Brasil atravessa uma profunda crise institucional, muitos criticam os mecanismos de incentivo à cultura que lançam mão de recursos públicos. A produção nacional de cinema, fortemente financiada por esses mecanismos, torna-se, então, um alvo fácil.

Segundo os dados divulgados pela Agência Nacional de Cinema (ANCINE), 143 filmes nacionais foram lançados no circuito de cinemas brasileiros no ano de 2016. Dois terços (95 filmes) foram grandes fracassos de bilheteria, com menos de 10 mil espectadores. Na lanterninha, 42 filmes nacionais foram vistos por menos de mil pessoas. “E alguns filmes brasileiros lançados no ano passado não fizeram nem mesmo 100 espectadores”, lembra Sérgio Rizzo.

A despeito desse retumbante fiasco de público, a produção de filmes nacionais continua a ser financiada, em grande parte, pelo dinheiro do erário, seja através de renúncia fiscal ou incentivos diretos, em nível federal, estadual e municipal. Não há mais, no Brasil, uma indústria cinematográfica que se sustente sem algum tipo de apoio financeiro do Estado.

“Cinema brasileiro fantasma”

“Cinema é sempre um investimento de risco”, lembra Sérgio Rizzo. “Você nunca tem certeza se o filme vai dar certo ou não. Portanto, o investimento é equivalente a abrir um restaurante: você não tem certeza de que os clientes vão aparecer. Talvez você tenha prejuízo, e seja obrigado a fechar o seu negócio. O cinema, em boa parte do mundo, funciona com base nesses parâmetros. No Brasil, por outro lado, o que temos, com base num quadro que foi desenhado no governo Itamar Franco, é uma política provisória de fomento ao audiovisual, que se transformou numa política permanente. Na minha experiência como professor, vejo que alguns jovens não entendem que houve um tempo em que, no Brasil, o capital privado era quem financiava o cinema, inclusive o cinema mais autoral. Alguns alunos me perguntam espantados: ‘como é que o Gláuber Rocha filmava?’. Ele encontrava investidores, produtores dispostos a bancar os seus filmes. E, claro, também encontrava recursos vindos do Estado. Mas eram filmes feitos por produtores. Historicamente, no Brasil, até os anos 1990, era assim que a indústria funcionava”.

Mas, segundo Rizzo, o problema talvez não esteja nos fomentos em si, mas, no objetivo desses fomentos: “Os investimentos feitos pelo Brasil na produção de filmes, sobretudo por meio de incentivos fiscais, não encontram contrapartidas nos investimentos que deveriam ser feitos em maior escala na distribuição e exibição de filmes; na criação, por exemplo, de salas de exibição mais populares, mais próximas das camadas populares da população brasileira que sempre estiveram em sintonia com a produção nacional, historicamente falando. O resultado dessa ausência de investimentos mais significativos em distribuição e exibição é que muitos espectadores não sabem que muitos filmes brasileiros existem. Não sabem que esses filmes entraram em cartaz. E, quando sabem, não têm como assistir a esses filmes porque eles são exibidos em outras cidades, não nas cidades em que esses espectadores moram, ou em bairros nobres das grandes cidades, quando esses espectadores talvez morem nas regiões mais afastadas do centro. Isso tudo acaba produzindo uma espécie de cinema brasileiro fantasma – ele existe, mas é muito pouco visto”.

Vitalidade do cinema documental

O fim desse filme, no entanto, não é tão triste como pode parecer. Algo se salva. Se não consegue arrastar milhões de espectadores para as salas, o cinema documental brasileiro apresenta, pelo menos, uma vitalidade intelectual que está indo muito além da combalida ficção brasileira.

“Há um boom do documentário que teve início no final dos anos 1990, no Brasil e em diversos outros países”, lembra Sérgio Rizzo. “Isso tem a ver com vários fatores, entre eles o barateamento da produção. Hoje, com um celular, dotado de uma boa câmera, você pode fazer um curta-metragem documental, que pode viajar o mundo participando de festivais ou sendo exibido por algum website. Isso multiplicou o número de potenciais realizadores de documentários. Além disso, o Brasil se tornou, mais do que nunca neste século 21, um grande manancial de temas, um manancial de assuntos que o documentário talvez consiga explorar melhor do que a ficção. Documentaristas são também, por definição, realizadores mais engajados do que os de ficção. Todos esses fatores, talvez, comecem a explicar o boom do documentário brasileiro, que de fato tem, em média, uma qualidade muito superior à da ficção”.

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