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João Moreira Salles: "A ideia da felicidade e do fim dela, sempre me interessou"

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O carioca João Moreira Salles tem um leque de filmes consagrados, entre eles, Santiago, documentário sobre o mordomo de sua família, que recebeu o Grande Prêmio do festival Cinéma du Réel de Paris, em 2007. E é neste festival que João volta dez anos depois, com "No Intenso Agora".

RFI Convida o documentarista brasileiro João Moreira Salles
RFI Convida o documentarista brasileiro João Moreira Salles RFI
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O ponto de partida do documentário 'No Intenso Agora", que já foi apresentado na Berlinale deste ano, foram os filmes que a mãe de João Moreira Salles fez em 1966 durante uma viagem à China, no inicio da Revolução Cultural, nos quais ela mostra as impressões que teve do país e do seu povo.

Em paralelo a esses filmes de família, que mostram momentos alegres, o cineasta analisa e narra na primeira pessoa as imagens de arquivo de revoluções de outras sociedades em transformação, como a revolta estudantil de Maio de 68, em Paris, a Primavera de Praga, em agosto do mesmo ano, e o Golpe de Estado do Brasil, em 1964.

Paralelos improváveis

"O material de minha mãe é muito surpreendente porque ela estava na China com um grupo que não deveria estar lá, pois a Revolução Cultural negava a classe de mamãe[ classe privilegiada], das pessoas que estavam com ela. No entanto, ela escreveu um relato (...) e se você lê, é um relato de encantamento, de felicidade de estar viva naquele momento, vendo tudo aquilo. Essa ideia da felicidade, e do fim dela, é uma ideia que sempre me interessou. Naquele período, a gente morava na França. O encantamento de mamãe na China, em 66, eu encontrei também no relato das pessoas que viveram o Maio de 68 aqui na França. E assim como depois daquela extraordinária alegria de minha mãe na China veio uma tristeza que se prolongou até o fim da vida dela, aqui também, (...) em quase todos os relatos, surge a pergunta de como sobreviver ao fim daquele momento tão extraordinário... então os paralelos surgiram dessa ideia de um momento de felicidade, sensação, de estar plenamente no mundo, na vida, e perder essa sensação. E é disso que o filme fala", observa João.

A primeira etapa da produção foi ler e assistir muitas vezes os filmes de arquivo dos acontecimentos. O processo levou cinco anos, de 2011 ao final de 2016, e as ideias vieram durante o processo. "É uma ideia um pouco vaga fazer um filme sobre o encantamento e o final disso", diz o documentarista, ressaltando que as imagens sempre tiveram prioridade sobre o texto, que foi escrito na ilha de edição, depois das sequências montadas.

Maio de 68 "para francês ver"

João Moreira Salles disseca em "No Intenso Agora" a revolução estudantil de Maio de 68 sob todos os prismas. Como foi mostrar esse filme em Paris para os franceses, sobre a própria história deles? Após a exibição para o público do festival "Cinéma du Réel", o diretor relata que houve intervenções muito "quentes".

"Ao mesmo tempo foi muito interessante e muito inquietante também porque é a história deles, e é uma história que não é do passado, ela ainda está muito presente como eu pude constatar depois da projeção do filme. Na sala havia diretores e participantes do Maio de 68 e se percebe que as tensões, as divisões políticas, continuam muito à flor da pele, entende? Algumas pessoas gostaram, outras acharam que o filme é derrotista, que pinta uma derrota da geração de 68, eu discordo, mas entendo que as pessoas reajam dessa maneira", observa.

João Moreira Salles também analisa a existência de um segundo componente interessante, que é o fato de que não se espera que o Sul fale sobre o Norte, é o Norte que fala sobre o Sul, quer dizer, o Camus [Marcel Camus, cineasta francês] vai para o Brasil fazer "Orfeu Negro", Orson Welles fez filmes sobre o Brasil, é natural, isto não é uma questão. Já o inverso parece que é, quer dizer, o Brasil tem que falar sempre do Brasil, mas quando se passa a falar daqui [de Paris] há sempre uma apropriação que parece indevida... não sei se incomoda, mas é no mínimo, surpreendente. Aqui no mundo rico, as pessoas vão ver filmes brasileiros imaginando que vão ver filmes sobre as questões brasileiras e não sobre questões do mundo rico, e isto causa uma certa perplexidade", reflete o cineasta.

O futuro do cinema brasileiro

O meio cinematográfico nacional está preocupado com a continuidade das políticas públicas que geraram uma produção farta, como mostrou a participação numerosa de filmes brasileiros em festivais internacionais nos últimos anos. Manoel Rangel, presidente desde 2005 da Ancine, a Agência Nacional do Cinema, deixa o cargo em maio deste ano, e será substituído pelo cineasta João Batista de Andrade, atual secretário-executivo do ministério da Cultura.

"Acho que os cineastas estão corretos de estarem preocupados, mas a questão não se singulariza no cinema, temos uma crise no Brasil como não vemos desde a década de 30 do século passado, e todas as áreas estão sendo afetadas, educação, saúde, ciências, sofreram cortes, mas não nesse governo, já no anterior, tem uma história dessa crise. E o governo que assumiu, nas condições que a gente conhece muito bem, é um governo que herda uma crise grave e tem uma visão muito conservadora, portanto, é possível que haja mudanças na lei de apoio ao cinema brasileiro e a comunidade faz muito bem em se organizar e lutar por seus interesses", observa Moreira Salles.

Sobre a chegada de João Batista de Andrade na presidência da Ancine, ele prefere esperar para ver. " Andrade tem serviços importantes para o cinema brasileiro, eu me reservo o direito de não julgá-lo antes de ver de fato o que ele vai fazer. Ele é uma boa pessoa. Agora, esperar com cautela e atento, e acho que é isso que a comunidade do cinema tem feito", conclui o convidado.
 

 

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